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Mussolini, o fascista original. Um “romance-documentário”

Antonio Scurati (n. 1969) licenciou-se em Filosofia na Universidade de Milão e doutorou-se em Teoria e Análise de Texto na de Bérgamo. Hoje, é professor na Universidade Livre de Línguas e Comunicação de Milão
Antonio Scurati (n. 1969) licenciou-se em Filosofia na Universidade de Milão e doutorou-se em Teoria e Análise de Texto na de Bérgamo. Hoje, é professor na Universidade Livre de Línguas e Comunicação de Milão
Fabrizio Villa/Getty Images

Como acontece com outros dos políticos mais deploráveis do século XX, Mussolini permanece alvo de fascínio para muita gente. Este romance ajuda a compreender a razão

As discussões sobre o fascismo têm tendência para regressar periodicamente, e hoje o termo voltou a ser usado com frequência para falar de gente como Viktor Orbán ou Donald Trump. O rigor terminológico talvez desaconselhe isso, mas não há dúvida de que certas afirmações e comportamentos desses governantes às vezes fazem pensar nos líderes fascistas dos anos 20 e 30, a começar por aquele que foi indiscutivelmente o primeiro, o criador do movimento fascista original: Benito Mussolini. De origens humildes, professor de formação e jornalista com talento, Benito Mussolini fez um trajeto que outros líderes depois repetiriam, tendo começado como socialista antes de se tornar em algo muito diferente. O fator decisivo foi a guerra, mais precisamente a decisão de entrar nela ou não. A Itália acabou por participar, como Mussolini queria (ele deu a sua contribuição como combatente), e até ficou do lado dos vencedores. Mas nos Acordos de Paris não obteve tudo o que esperava, o que levou a um sentimento de “vitória mutilada” — ideia muito estimulada pelo lendário poeta e herói de guerra Gabriele D’Annunzio, que chegou a proclamar um Estado independente na disputada cidade de Fiume, quando a Itália se recusou a anexá-la depois de Mussolini a tomar e se proclamar “Duce”.

Mussolini, que fora um inspirado diretor do jornal do Partido Socialista, o “Avanti!”, antes de as divergências o levarem a abandonar tanto o jornal como o partido, tinha entretanto fundado o “Il Popolo d’Italia”, que em 1922 se tornaria o órgão do Partido Nacional Fascista, por sua vez resultante da conversão dos Fasci Italiani di Combattimento em partido. É com a fundação deste movimento em 1919 que começa “M — O Filho do Século” (Prémio Strega, 2019). Antonio Scurati, um doutorado em Teoria e Análise de Texto com foco especial na narrativa da guerra, conta aqui os anos cruciais que vão de 1919 a 1925 — o período que viu a ascensão dos fascistas até à instauração oficial da ditadura. Quase exatamente a meio acontece o famoso episódio da marcha sobre Roma, contada numa longa sequência que culmina no momento em que o rei convida Mussolini para assumir o poder. “Ninguém objeta, ninguém replica”, escreve Scurati. “A arte da docilidade ensina aos novos adeptos os seus primeiros rudimentos. [...] Haverá muito tempo, no futuro, para calcular o que se perdeu irreparavelmente, consentindo a este homem estendido no sofá que tomasse o poder sobre o mundo enquanto viajava numa carruagem-cama.”

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