
As convulsões amorosas da entrada na vida adulta outra vez servidas como se o mundo fosse acabar no instante seguinte. Há lágrimas e lágrimas no novo filme de Philippe Garrel
As convulsões amorosas da entrada na vida adulta outra vez servidas como se o mundo fosse acabar no instante seguinte. Há lágrimas e lágrimas no novo filme de Philippe Garrel
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O que é que se pode dizer mais? Philippe Garrel é certamente o único cineasta do mundo que nos autoriza a começar um texto com esta interrogação, e que embaraço de pergunta logo no arranque, como se a dita já viesse engatilhada, até parece que Garrel faz sempre o mesmo filme. Pois temos novidades a dar: não parece, é. E será possível não nos repetirmos? Será possível não assinalar uma vez mais que Garrel, sugado pela crueldade dos sentimentos como estrela em rota suicida para buraco negro, trabalha pela enésima vez aquele motivo, da mesma forma que Cézanne pintou sem cessar, fixando sem nunca fixar, a montanha Sainte-Victoire, obsessiva e inesgotável fonte de inspiração? Só que há sempre nuances, variações, tal como os quadros da montanha de Cézanne que ele pintou tantas vezes mas sempre de forma diferente. A solidão é uma coisa terrível, à qual tentamos escapar mas nunca escapamos dela da mesma maneira, nem pelo mesmo ponto de fuga.
Há muito a dizer de “O Sal das Lágrimas”. E da solidão. Luc (Logann Antuofermo) não é tão só como o rapaz de 18 anos que Garrel foi naquelas alvoradas do maio soixante-huitard em que ele começou a fazer filmes. Não lê Nietzsche e Rimbaud, não vai ao Louvre, não se veste de veludo. Nem acredita a pés juntos, como Garrel acreditou e acredita ainda, que Deus afinal está vivo, vivinho da silva e no meio de nós, e se chama Jean-Luc Godard. Não, Luc não é nada disso. É certo que não há memória de gente endinheirada no cinema de Philippe mas são também raros, agora que se pensa em tal coisa, de encontrar nesta obra artesãos-camponeses como Luc, ele que vem da província, filho de um marceneiro com jeito especial para construir caixões, prestes a continuar o ofício do pai com a candidatura ao curso profissional da École Boule.
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