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Há 102 anos, Maria Adelaide Coelho da Cunha fugiu com o chauffeur e abalou a sociedade lisboeta. Esta história é um filme

Há 102 anos, Maria Adelaide Coelho da Cunha fugiu com o chauffeur e abalou a sociedade lisboeta. Esta história é um filme

A fuga de Maria Adelaide Coelho da Cunha com o seu chauffeur abalou a sociedade lisboeta na passagem dos anos 10/20 do século passado. A história, apaixonante e cheia de mistérios, inspirou “Ordem Moral”, um filme de Mário Barroso, em estreia na próxima quinta-feira. O que levou esta mulher da melhor sociedade lisboeta a um gesto tão teatralmente radical?

u conheço a história de Maria Adelaide desde miúdo, por via de um tio do meu pai, o tio coronel como nós lhe chamávamos”, diz-me Mário Barroso quando nos encontramos há poucos dias, para falar do seu novo filme “Ordem Moral”. “Era o coronel Pereira Coelho que, no final dos anos 50, foi subdiretor do ‘Diário de Notícias’. Era um homem com muita graça, autor de revistas no Parque Mayer, salazarista dos quatro costados, o que, na minha família, é relativamente raro. Tinha uma casa incrível onde havia salas inteiras cheias de coelhos, bonecos de todo o mundo que ele colecionava, milhares de coelhos. Esse tio coronel estava sempre a contar-nos histórias, a mim e ao meu irmão, e lembro-me muito bem de nos contar a história de uma mulher madura que fugira com o chauffeur. Mas nunca mais pensei nisso. Até que, aqui há uns anos, o Paulo Branco espicaçou-me a escrever qualquer coisa para filmar — e lembrei-me da história de Maria Adelaide.” E lembrou-se bem, diga-se já, pois com essa memória nos deixou um grande retrato de mulher num filme de época que parece ter custado mais dinheiro do que deveras custou com história dentro que mais parece saída de um romance oitocentista de Émile Zola do que da realidade portuguesa dos anos 10/20 do século passado.

Ela tinha pouco mais de um metro e cinquenta, era muito bela e, por testemunhos do seu tempo, inexcedível atriz, sobretudo a declamar a poesia de seu marido, Alfredo da Cunha, cujo mérito lírico o passar dos anos fez fenecer até ao olvido. Era uma mulher independente sob qualquer ponto de vista: tinha uma grande fortuna pessoal — da sua herança fazia parte a propriedade do “Diário de Notícias” que o pai fundara e, agora, o marido dirigia — um vasto círculo de amizades e interesses, não era raro sair de casa logo ao princípio da tarde e tornar perto da hora do jantar, sem dar contas a ninguém de onde ia, com quem ou para quê. Chamava-se Maria Adelaide Coelho da Cunha e era uma das mais proeminentes figuras sociais na Lisboa dos convulsos anos 10. Convulsos a vários títulos: políticos (com a implantação da República em 1910 inicia-se um período complexo e agitado que, em 1917, tem uma ‘intervenção divina’ na Cova da Iria), sociais (uma perene crise económica com o seu cortejo de miséria, que a mobilização para a Grande Guerra e a epidemia da pneumónica só agravaram) e culturais (a meio da década o Futurismo, os poetas do “Orpheu” que Júlio Dantas considerou “loucos de encerrar” e o “Manifesto Anti-Dantas por Extenso” com que Almada Negreiros retorquiu foram uma bomba largada no centro do panorama cultural português). Em 1918, quando os eventos que nos interessam se desencadearam, a guerra chegara ao fim, Sidónio Paes tomara o poder, numa espécie de primeiro ensaio ao que os militares fariam, mais duradouramente, em 1926, a pneumónica dizimava em larga escala e ainda não se tinham extinguido os ecos do brado do poeta de “Orpheu”, futurista e tudo:

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