Cultura

Carta aberta à ministra da Cultura: criadores e agentes culturais pedem apoio às artes plásticas

Bernardo Pinto de Almeida (historiador e crítico de Arte)

O historiador e crítico de arte Bernardo Pinto de Almeida publica, no Expresso, uma carta aberta endereçada à ministra da Cultura, na qual apela ao Governo um investimento de 1M€ para “salvar a produção artística do país” e “garantir a sobrevivência do mercado galerístico”. A missiva conta com dezenas de signatários, entre os quais Álvaro Siza Vieira, Ana Vidigal, José de Guimarães, Cristina Ataíde, Pedro Calapez, Albuquerque Mendes ou Inês d’Orey

Senhora Ministra da Cultura

Excelência,

Os abaixo assinados — críticos e historiadores de arte, artistas, professores, galeristas e outros profissionais e agentes culturais com acção visível no tecido cultural e artístico português nos últimos anos — cidadãos cientes da gravíssima crise que assola o País, e de que ninguém é responsável, excepto quantos procuraram esconder o seu avizinhar, ou os que, diante dos evidentes sinais que se manifestaram, procuraram ignorá-los, e cuja responsabilidade acabará por ser apurada, entenderam escrever agora a V. Excia para lhe levar uma reflexão para a qual pedem, bem como aos demais responsáveis pelo Governo de Portugal, a melhor compreensão e atenção.

Afirmando, de antemão, que esperam, da parte de V. Excia e dos responsáveis pelo Estado português, a solidariedade e resposta merecida nos factos que apresentamos em seguida.

1) É do conhecimento geral que a gravíssima crise financeira e social que assolou Portugal na última década, e da qual apenas começávamos a sair quando esta nova maldição caiu sobre o frágil País, tinha, em grande medida, ceifado toda uma frágil construção de mercado e institucional.

Aquela que quase sem meios mas apesar de tudo esforçada, e em muito assegurada por investimento privado, sustentava a arte que se tem feito em Portugal no plano das Artes Visuais. Uma Arte que tem merecido, como também se sabe, da parte da comunidade internacional, uma atenção inédita de acolhimento e admiração, acontecendo o facto inédito de um número substancial de Artistas portugueses trabalharem já com mercados internacionais ou figurarem em importantes colecções privadas e públicas. E assim já que, apesar das terríveis condições de mercado e de visibilidade a que tem estado sujeita, ela continua a ser assegurada por um enorme conjunto de Artistas de enorme talento e invenção, que têm tido a coragem de prosseguir a sua investigação e de manter actividade.

2) Esta situação, brevemente descrita acima, levou a que inúmeras galerias tivessem fechado, e que se tenha retraído a pouca capacidade que já antes se sentia de disponibilizar suficiente dinheiro público para assegurar continuidade às colecções que, até 2008, se haviam iniciado nos principais museus públicos.

Assim, e ao contrário dos países Europeus com quem se alimenta o nosso diálogo artístico e cultural, que dotam de impressionantes verbas os seus museus de arte actual para compor colecções de excepção, e onde um mercado florescente ajuda a assegurar a sobrevivência, a presença e o diálogo dos Artistas com a sociedade, consolidando culturalmente a sua força, Portugal viu constantemente diminuída a sua obrigação para com os seus Artistas e para com a criação de um tecido cultural sem o qual enfraquece a identidade de um País, construída necessariamente em diálogo com os demais e acertando o passo com o do mundo. Como exemplo lembre-se que o apoio do Governo alemão foi de 50 mil milhões de euros e o do Estado de Berlim de 500 milhões, para artistas e empresas na área cultural.

3) A crise actual, tendo tomado lugar quando ainda estavam por criar as condições de mudança qualitativa e quantitativa para a anterior, ameaça agora deitar por terra os inúmeros esforços de intelectuais, artistas, críticos, historiadores, curadores, galeristas, marchands, antiquários e de quantos se esforçaram por resistir a essa adversidade em vários planos.

Fazendo arte, mas também organizando exposições, escrevendo, curando, promovendo diálogos ou abrindo espaços de mercado quase sem retorno, e por vezes graciosamente ou, mais em geral, desenvolvendo um trabalho que, em todas as sociedades civilizadas é pago, especializado e objecto de alto apreço e de reconhecimento, manteve-se activo este campo social. Sem esse trabalho de muita gente, porém, há muito que na sociedade portuguesa teriam estagnado os espaços de criação e de cultura. Tal como o teatro não pode viver sem autores, actores e encenadores, o cinema sem meios para máquinas, técnicos e actores, etc, a literatura sem autores e editores, ou a música sem agrupamentos cada vez mais competentes, também a arte não pode (ou, pelo menos, não deve) subsistir sem estes apoios sem os quais estiola e perde a sua força comunicante.

Sabemos, porém, que tal desenvolvimento tem que ser assegurado por estruturas que lhe dêem visibilidade mas, também, por meios que permitam a subsistência de Artistas e criadores, sem cuja actividade ela enfraquece. No momento actual, senhora Ministra da Cultura, o pouco mercado que existia, por iniciativa exclusiva dos galeristas privados, deixou de ter capacidade de corresponder à sua função. Por outro lado, o enfraquecer deste sector particular de actividade, em que a função cultural e a comercial se misturam quando correctamente praticados, arrastará igualmente, adiante, o encerramento de espaços fundamentais destinados à divulgação, afirmação e comercialização das obras dos Artistas e interrompendo a normal relação que, nas sociedades modernas, fez das galerias o espaço de teste da divulgação da arte, prévio a escolhas de curadores, museus e críticos, e à função de adiante garantir uma saudável história da arte, apoiada em bons exemplos.

4) Pelas razões aqui elencadas, os signatários, pertencendo a diversos domínios da actividade artística e cultural, entenderam vir, junto de V. Excia requerer que o Ministério que superiormente dirige, em acordo com os demais órgãos do Estado português, disponibilize, a breve trecho e com carácter de urgência, uma verba nunca inferior a um milhão de euros para dispender em arte no corrente ano. Seriam eles destinados a adquirir obras de arte nas diversas galerias portuguesas, através de escolha observada por uma Comissão especializada, nomeada por V. Excia, e integrando representantes nacionais creditados nestas várias actividades.

Essa verba, desde que adequadamente administrada, poderá a) salvar a produção artística do País, b) garantir a sobrevivência do mercado, galerístico e secundário, e c) as obras assim adquiridas virem a integrar acervos dos museus públicos, garantindo o cumprimento, por parte do Estado português, das suas obrigações para com um sector de actividade que, nas crises, é por tradição o primeiro a ser esquecido. Por outro lado, uma tal acção daria um sinal forte à sociedade civil de que o Estado não se desobrigou das suas responsabilidades públicas para com a cultura e a arte, encorajando e estimulando desse modo os colecionadores particulares a continuarem empenhados em desenvolver actividade mecenática, indispensável à perpetuação dessas complexas relações que permitem dizer que um País tem arte própria e não vive na ignorância e na miséria.

Mais afirmamos que tão imperiosa necessidade poderá ser a que, adiante, fará a diferença diante daqueles que vierem depois de nós, na compreensão de que, mesmo no meio da mais cruel crise, o Estado cumpriu com a sua responsabilidade para com a arte e os Artistas que a fazem, dando a cada país a sua identidade. E para que não se diga que, para poupar em números sem qualquer significado num orçamento, preferiu regredir àqueles modos, típicos do subdesenvolvimento, que abafaram a produção artística no período anterior ao 25 de Abril de 74.

Signatários:

Bernardo Pinto de Almeida - Historiador de Arte e ensaísta, Professor Catedrático na Universidade do Porto

Margarida Acciaiuolli de Brito - Historiadora de Arte, Professora Catedrática jubilada da UNL

Jacinto Lageira - Filósofo e ensaísta. Professor Catedrático na Sorbonne

Pedro A.H. Paixão - Artista plástico

Álvaro Siza Vieira - Arquitecto

Ana Vidigal - Pintora

José de Guimarães - Artista plástico

Isabel Cabral - Artista plástica e Professora

Rodrigo Cabral - Artista plástico e Professor universitário (Fac. de Belas Artes UP)

Maria de Fátima Lambert - Professora e Curadora independente

António Cerveira Pinto, Artista, Curador e crítico

Manuel Casimiro - Artista plástico

Valdemar Santos - Artista Plástico, Professor universitário (Fac. de Belas Artes UP)

Álvaro Fonseca - Arquitecto

José Carlos Pereira - Historiador de Arte, Professor Universitário

Sobral Centeno - Artista plástico

António Gonçalves - Artista Plástico e Curador

António Olaio - Artista plástico e Professor universitário (Universidade de Coimbra)

Baltazar Torres - Artista plástico

Sílvia Tavares Chico - Historiadora de arte e Professora universitária (U.L)

Maria José Goulão - Historiadora da Arte, Professora universitária (Fac. de Belas Artes UP)

Manuela Hargreaves - Docente e investigadora em História da Arte (UP)

Manuel Gantes - Pintor e Professor Universitário (U.L)

Miguel Branco - Artista plástico

Luís Pinto Nunes – Curador do Museu da Faculdade de Belas Artes da UP. / Curador Independente

Carlos Vidal - Artista plástico, ensaísta e Professor universitário

João Sousa Cardoso - Artista e Professor universitário

Pedro Proença - Artista plástico

Inês d’Orey - Fotógrafa

Pedro Calapez - Artista plástico

Raul Perez - Pintor

Francisco Queirós - Artista Visual

Nuno Centeno - Director Galeria Nuno Centeno Contemporary Art

Paulo Mendes - Artista e curador

Maria de Belém Sampaio - Directora da Galeria Presença

Cristina Ataíde - Artista Plástica

Graça Sarsfield - Fotógrafa

Pedro Oliveira - Director da Galeria Pedro Oliveira

Olga Noronha - Artista, Professor de Design, Curadora da Sala Futuro - Museo Del Gioiello (Itália)

Isabel Sabino - Artista plástica e Professora universitária (FBAUL)

Carlos Carreiro - Artista plástico e Professor universitário

Beatriz Albuquerque - Artista

Maria João Gamito - Professora universitária (U.L)

António Belém Lima - Arquitecto

Carolina Pimenta - Artista

Gerardo Burmester - Artista plástico

Ana Cardoso - Artista plástica

Pedro Tudela - Artista Visual e Sonoro, Prof. Faculdade de Belas Artes

José Mário Brandão - Director da Galeria Graça Brandão, Lisboa

João Onofre - Artista visual e Professor universitário

Manuel Ulisses - Director da Galeria Quadrado Azul, Porto e Lisboa

Fernando Marques de Oliveira - Artista plástico

Nuno Sousa Vieira - Artista plástico

Mário Bismarck - Pintor, Professor Catedrático na Fac. Belas Artes U.P.

João Viana - Pintor

António Campos Rosado - Artista plástico

Mário Roque - Director da Galeria São Roque, Lisboa

João Jacinto - Artista plástico e Professor universitário

Luís Quintais - Poeta, Professor universitário (Universidade de Coimbra)

Fernando Santos - Director da Galeria Fernando Santos, Porto

João Azinheiro - Director da Kubikgallery, Porto

Rita Gaspar Vieira - Artista

Isaque Pinheiro - Artista plástico

Manuel Santos Maia - Artista plástico

Andreia Faria - Escritora e tradutora

Albuquerque Mendes - Artista visual

Rui Brito - Director Galeria 111

Arlete Brito - Galerista (Galeria 111)

Laura Esteves Afonso - Presidente da Fundação Nadir Afonso

Jorge Leandro Rosa - Ensaísta, investigador e tradutor

Filipe Esteves Mendes - Galerista, Professor na École du Louvre

Ana Maria Marin Gaspar - Assessora do Ministério da Cultura - Direção Geral das Artes (aposentada)

Pedro Sousa Vieira - Artista plástico

Miguel Amado, Curador, Director do Sirius Arts Centre, Cobh, Irlanda

Isabel Lopes Gomes, Investigadora, Autora de Documentários sobre artistas

Pedro Valdez Cardoso - Artista plástico

Helder Cancela - Escritor, Professor universitário

José Maçãs de Carvalho - Artista plástico, Professor universitário (Universidade de Coimbra)

Filomena Soares - Directora da Galeria Filomena Soares

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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