Vem guardado dentro de um saco de uma máquina de barbear, num embrulho em papel de celofane. É pouco maior do que um maço de tabaco e tem direito a luvas e almofada. “Finalmente um flamengo!” Delmira Espada Custódio mostrava a sua alegria na descoberta de um livro de horas. A decoração do manuscrito, as iluminuras e capitulares diziam-lhe que aquele objeto precioso devia vir da Flandres. Foi só uma impressão. Ao olhar com mais atenção o códice que se lhe atravessava no caminho, a investigadora do Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa ficou ainda mais satisfeita. O prognóstico estava errado. Afinal, tratava-se do Livro de Horas encomendado por D. João II a D. Diogo de Ortiz, dito o Calçadilha.
A existência do manuscrito era desconhecida no meio académico. O proprietário, Paulo Cantos, também não sabia o que tinha em casa. Neto de Paulo de Cantos, um designer gráfico modernista, nascido na Ajuda, em Lisboa, em 1892 e falecido em 1979, viu-se a braços com um espólio gigantesco e nada catalogado. Uma primeira edição de “Os Lusíadas”, um retrato de Camões na prisão da Boa-Hora, que coloca a iconografia do escritor no ano de 1556, uma extensa biblioteca, peças de arte africanas e muito mais são parte agora visível de um acervo de cinco pisos de altura, um prédio inteiro, o nº 5 da Praça do Príncipe Real. Homem excêntrico e de muitos interesses, criou com Ernesto Martins (conhecido alfarrabista lisboeta) a Biblarte em 1951. A galeria/alfarrabista funcionou durante anos no Palácio do Conde de Castelo Melhor, frente ao Jardim de São Pedro de Alcântara. Mário Cesariny era um dos assíduos frequentadores da casa, onde se venderam muitas primeiras edições suas mas também de Almeida Garrett, e ainda de Fernando Pessoa. O escritor dos heterónimos morou mesmo naquele espaço. De resto, enquanto a casa esteve aberta, manteve-se intacto o quarto do poeta, onde passava muito tempo depois de sair do trabalho.
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