Cultura

“Os Miseráveis”: uma espiral de violência em que todos são vítimas

“Os Miseráveis”, de Ladj Ly
“Os Miseráveis”, de Ladj Ly

Primeira longa-metragem de Ladj Ly toma o pulso à realidade dos subúrbios de Paris sem cair na demagogia

A força mais óbvia da primeira longa de Ladj Ly reside na capacidade de tomar o pulso a uma situação social e política concreta, sem cair na demagogia. Para assegurar a sobriedade do seu olhar, o realizador instala na ficção uma figura mediadora que — sem nunca se tornar neutra — faz a ponte entre os dois mundos aqui retratados. Falamos de Stéphane, um polícia que, para ficar mais perto da ex-mulher e do filho, aterrará na esquadra de um dos mais problemáticos subúrbios de Paris: o de Montfermeil, onde Victor Hugo redigiu o clássico da literatura que dá nome ao filme.

As cenas iniciais destinam-se a apresentar o protagonista (e nós com ela) à geografia social do filme. Nelas, Stéphane embarca num carro de serviço com os colegas de patrulha (um branco racista e um negro musculado), que lhe darão a conhecer os diferentes grupos do bairro: os africanos que habitam em decrépitas torres, os muçulmanos... Não será preciso esperar muito até que um delito menor (o roubo aos ciganos de uma cria de leão) desencadeie uma sucessão de eventos que obedece a um princípio de compressão gradual: como se a margem de liberdade das personagens fosse diminuindo à medida que a ação avança.

De facto, durante a detenção do rapaz negro que cometeu o furto, um dos polícias acabará por disparar à queima-roupa uma bala de borracha sobre ele, deixando-o inconsciente. Percebendo que o episódio foi filmado por um drone, o chefe da patrulha decidirá partir em busca do seu dono para encobrir o crime, descurando a sobrevivência do miúdo (para espanto de Stéphane, cujo olhar orienta em excesso o do espectador).

O que se segue é a descrição realista de uma espiral de violência, que surpreende pela forma como — evitando o maniqueísmo — projeta discretamente todas as personagens como vítimas (maiores ou menores) de um mesmo estado de coisas. A saber: de uma política de segregação social que propicia a génese do ‘monstro’ que se propõe combater. Bem lúcido, este diagnóstico.

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OS MISERÁVEIS
De Ladj Ly
Com Damien Bonnard, Alexis Manenti, Djebril Zonga (França)
Drama/Thriller M/16

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