21 abril 2019 14:00
O pequeno Dumbo, herói de Tim Burton
O bebé-elefante de orelhas grandes da Disney está de volta aos ecrãs com fanfarra digital e gente de carne de osso: estreou-se “Dumbo”
21 abril 2019 14:00
Já se sabe que a Disney tem andado a recauchutar o seu vasto catálogo animado no século XXI à luz das novas tecnologias, procurando seduzir novas gerações de espectadores. À partida, isto é um paradoxo — os melhores clássicos da Disney não têm idade. Mas aquele que, entretanto, se tornou o maior e mais poderoso estúdio de cinema do mundo sabe que o show must go on. E que, na recauchutagem, há lucros copiosos. O original “Dumbo”, de 1941, foi um dos melhores filmes da casa. Aquele bebé-elefante que nasce num circo com umas orelhas invulgarmente grandes, e que, depois de ser separado da mãe, espanta o mundo porque voa, foi herói de infância de avós, filhos, netos e bisnetos. Restava-nos saber o que é que Tim Burton poderia acrescentar ao remake sabendo que era preciso manter fidelidade ao que interessa — e o que interessa, resumiu-o assim Danny DeVito, “é a história de amor incondicional entre a Sra. Jumbo e o pequeno Dumbo, o filme não trata de outra coisa”. Ora, laços familiares quebrados, traumas de infância, e testes àquilo que tomamos por realidade (acreditar num elefante que voa!) são temas por excelência do autor de “Eduardo Mãos de Tesoura”, e coisas que o argumentista Ehren Kruger naturalmente não esqueceu. É interessante abordar “Dumbo” de Burton nesse sentido, o seu cinema sempre se colocou do lado dos inadaptados às normas. E não disse o cineasta há dias, na antestreia de Londres, que também este é “um filme sobre famílias esquisitas”...?
“Dumbo” é tecnicamente sofisticado. O pequeno elefante, a Sra. Jumbo e tudo o que vem do reino da bicharada são ‘zeros e uns’, imagens digitalmente geradas por computador — e à medida que a técnica se apura, aquelas já não se distinguem muito da realidade observada a olho nu. Quanto às personagens humanas, DeVito é Max Medici, homem teimoso mas de bom coração e dono do circo em que Dumbo nasce (Burton situa o filme em Sarasota, na Florida, e no ano de 1919 — no arranque, o circo anda em tournée pelo sul dos Estados Unidos e com dificuldades naquele pós-I Guerra Mundial). Mais tarde surgirá o vilão, Michael Keaton (na pele de Vandevere, um magnata do espetáculo sem escrúpulos), também Eva Green (Colette, a trapezista que aquele educou e subjuga), rodeados de um naipe de secundários. Mas no centro, e desde o primeiro instante, o que temos é, de facto, um melodrama familiar (a pedir meças à comovente história do elefantezinho separado da mãe em tenra idade) com a aparição de Colin Farrell na personagem de Holt Farrier. Acrobata do circo especialista em cavalos, Holt regressa da guerra sem o braço esquerdo, para junto dos dois filhos menores, Milly e Joe. Não perdeu só o seu número de circo com a ausência, perdeu também a mulher, vítima de doença. “Volta para uma vida que não reconhece e não sabe como lidar com a dor”, contou Colin Farrell. Ora, quando os Farriers são incumbidos de cuidar dos elefantes, torna-se claro que a família vai substituir neste novo “Dumbo” o papel que o rato Timóteo, amiguinho do protagonista, ocupava no clássico. O drama dos Farriers é uma seta apontada à existência de Dumbo e uma equivalência feliz entre humanos e animais na primeira parte do filme, de longe a mais valiosa. Depois, é pena, por exemplo, que a personagem de Keaton evolua para um vilão de caricatura. O filme vai ficando ‘desalmado’ no processo, a cumprir calendário e, no fim, mensagem ecológica, à medida que o império do magnata se desmorona como um castelo de cartas. É engraçado porque, naquela Dreamland, é difícil não vermos ali uma empresa que absorveu todas as outras do seu sector e cujo maior erro foi ter crescido em demasia — metáfora da própria Disney? Burton não perdeu a ironia...