Cultura

Fazer de si próprio pode ser chato

Laeticia Hallyday e Guillaume Canet (de costas) olham para Johnny Hallyday numa das piruetas narrativas de “Rock’n’Roll”
Laeticia Hallyday e Guillaume Canet (de costas) olham para Johnny Hallyday numa das piruetas narrativas de “Rock’n’Roll”

Há já muito tempo que Guillaume Canet, realizador e ator com um pé no cinema de autor e o outro no comercial, sonhava fazer um filme ‘sem ter de fingir’, ou melhor, um filme em que ele vai fingir o tempo todo que é ele próprio, simulando um reality show para a sua vida. A proposta de “Rock’n’Roll”, no fundo, resume-se a isso. Permitiu a Canet, que ainda por cima é bem conhecido no hexágono por ser a cara-metade de Marion Cotillard (de quem tem dois filhos), falar da fama e de outras coisas mundanas do cinema do país; de uma ternura dos 40 que esta ficção mascarada de realidade trata como uma idade de desespero; tudo isto num fundo de comédia doidivanas.

A vida de Canet mistura-se sem displicência com a história do filme que este realiza e também interpreta. Lá temos o Canet apaixonado por cavalos (ele é filho de um criador conhecido e chegou a tentar uma carreira de jockey). O Canet ator, agora muito intrigado por já não ser um sex symbol para as atrizes mais jovens — esta é a alavanca do filme. Temos o filme dentro do filme que Canet interpreta — e aqui juntam-se uma data de falsos cameos, Gilles Lellouche, Philippe Lefebvre, Yvan Attal, o americano Ben Foster e até a megaestrela Johnny Hallyday, que nos abre a porta de sua casa (foi uma das últimas aparições do cantor falecido em dezembro do ano passado).

E, claro, temos também Marion Cotillard, que se junta à festa numa altura em que ela pratica o francês com acento quebequense, pois prepara-se para rodar um filme com Xavier Dolan (tal como aconteceu, de facto, em “Tão Só o Fim Do Mundo”). O que dizer de um filme voluntariamente saturado de clichés? Que este até poderia ter funcionado como comédia, com alguns momentos inspirados (Cotillard a chegar a casa com um César e a usar a estatueta como pé de mesa da sala...), mas são muito poucos para um filme de mais de duas horas. Que este histrionismo cansa e que falta verdadeira farsa a esta trip de egos que se compraz no seu próprio movimento. Canet tenta tratar os estereótipos da vulgaridade do seu meio artístico e até nos deixa um derradeiro movimento surpreendente quando a sua ‘personagem’, esgotada pelo que o rodeia, parte para Miami à procura de melhor sorte, selando a história de amor que se estava a perder.

Mas é demasiado tarde para o filme se pôr de pé e esquecermos tantos gags sinistros, metidos a martelo. Se “Rock’n’Roll” serve a Canet de terapia, melhor para ele. Mas o resultado deste filme de família é deveras dececionante.

Nota: A estreia deste encontra-se adiada e sem data marcada.

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