Pêpê Rapazote depois de Narcos: Portugal, “esse país de cobardes”
A série “Narcos” deu-lhe o estatuto que há muito perseguia. Prepara-se para fazer um filme para a MGM. Mas não abdica de olhar para Portugal, esse “país de cobardes”
A série “Narcos” deu-lhe o estatuto que há muito perseguia. Prepara-se para fazer um filme para a MGM. Mas não abdica de olhar para Portugal, esse “país de cobardes”
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Era rapaz para se meter numa nave espacial para descobrir mundos novos. É a curiosidade que o move, a aventura, a adrenalina do desconhecido. Foi assim desde criança, desde que, na pureza dos seis anos, se descobriu Peter Pan na Terra do Nunca. Pêpê Rapazote, Pedro de Matos Fernandes de seu nome, cedo decidiu que queria ser emigrante para o resto da vida. Mas nunca imaginou que acabasse sentado na cadeira de um cabeleireiro em Nova Iorque a disparar contra os rivais do tráfico de cocaína colombiana, a cena icónica que correu mundo, fazendo dele um dos maiores atores da série “Narcos”, que a Netflix vem produzindo há três temporadas.
No início desse sonho tinha nove anos. Acabado de chegar à Venezuela, o admirável mundo novo abria-se à sua frente com o nome de Caracas. A necessidade do convívio com o desconhecido já não voltou a abandoná-lo. De Portugal levava na bagagem uma educação fortíssima, que haveria ainda mais de o fortalecer e de fazer dele o homem que hoje é. Para o bem e para o mal, é tudo menos consensual.
A mãe, com o nome de família Rapazote Cavaleiro Ferreira, não podia esconder as ligações ao regime. Era descendente direta de Manuel Cavaleiro de Ferreira, ministro da Justiça de Salazar, e de António Manuel Rapazote, ministro do Interior e responsável pela PIDE no tempo da ditadura e “um homem pouco amado neste país”. Um peso enorme que, no entanto, recusa carregar nos ombros. Para ele, o mais importante foi a qualidade da educação que essa família conservadora de direita lhe deixou. “Os meus pais estavam envolvidos na máquina e, às vezes, é difícil perceber porquê. Conheço os elementos da minha família e sei que eram puramente bons. O meu tio Cavaleiro Ferreira, uma sumidade, professor de Direito, pai do Código Penal português, extremamente católico, tirou o doutoramento em Munique, foi ministro da Justiça aos 32 anos, tinha um sentido de justiça profundo. Foram exemplos fantásticos! Há princípios e valores que ficam.”
Pêpê Rapazote avança num corrupio de cadeiras, mesas mudadas de sítio numa esplanada à beira-mar ali para os lados da linha de Cascais. Precisa de espaço, do sentar e do levantar, do gesto, das vozes diferentes, das falas de personagens que o ajudam a exprimir-se. Precisa de andar para a frente e para trás. De saltar, de correr. De desabafar, também. E cita. Cita Ortega e Gasset, Jacques Rousseau: “Acho que geneticamente temos algo em nós que precisa de ser orientado para vivermos em sociedade.”
Os bons exemplos multiplicam-se no passado. “Desde logo”, fez a escola primária no Externato Grão Vasco, de Ana Maria Caetano, filha de Marcello Caetano, “a mulher mais doce que há, linda e elegante”. Foi considerado o primeiro colégio de ensino integrado em Portugal, e que por isso mesmo lhe deu logo “uma lição de vida muito grande”. “Convivia com gente com epilepsia crónica, trissomia 21, asperger e trinta por uma linha, numa relação muito próxima com todos eles”, recorda.
Não teve dificuldade em deixar os amigos para trás e fazer novos quando chegou com os pais à Venezuela, o país mais rico da América do Sul no início dos anos 80. O pai, engenheiro civil e presidente da Teixeira Duarte, foi abrir uma filial da construtora à capital do país. Era o tempo das vacas gordas por aquelas bandas. “Não há nada como o milésimo de segundo de espanto perante uma coisa inteiramente nova”, escreve em inglês nas notas que deixa aos seus admiradores no site que leva o seu nome. E foi isso que lhe aconteceu em Caracas. “Vamos perdendo isso com a vida, cada vez vemos mais coisas e cada vez nos vamos surpreendendo menos”, lamenta.
Lá, apaixonou-se por tudo. Da salsa à música clássica, da cultura de rua à erudita, de Gustavo Dudamel à Orquestra Simón Bolívar. “Fomos parar a um bom colégio privado, de um senhor checoslovaco, um senhor fantástico, muito velhinho. O lema da escola era: ‘Não há cultura sem cultura musical’. O colégio tinha uma orquestra, um coro grande, já com sete álbuns editados quando lá cheguei. Encontrei o país mais musical do mundo. Vi os programas de música clássica que tiram literalmente crianças da miséria... Comecei a tocar instrumentos obrigatórios e iniciei a minha cultura musical.”
Mas foi muito mais do que isso. Foi lá que viu a cidade nova, o continente americano. Foi lá que começou a tentar perceber o que é a América nas suas diferentes vertentes. Aprendeu a andar de skate também. No Natal recebeu uma prancha igual ao do campeão do mundo de half pipe. “Brutal, brutal, brutal. Foi como uma viagem à volta do mundo, se calhar três, para uma criança de nove anos.”
Aprendeu espanhol em três meses e nunca mais o esqueceu. O inglês apareceu-lhe como disciplina curricular também. Foi, sem saber, o alcançar das ferramentas que haviam de fazer dele um Chepe Santacruz Londoño, um dos quatro maestros do Cartel de Cali que interpretou em “Narcos”, a série da Netflix que o expôs ao mundo como ator de peso. Mas desse homem que sabia matar como ninguém quem se lhe atravessava no caminho dos negócios da droga, mas amava os seus como se o coração só batesse para o afeto, já nem quer falar. A personagem histórica foi um passo importante, mas não gosta de adular feitos e muito menos egos.
“Não aceito os egos dos atores. Falo apenas em carácter. Há educação, princípios, valores universais, gentileza. Isto forma um carácter, que pode ser bom ou mau. Ego, não sei bem o que é. Diz-se muitas vezes que os artistas são muito acarinhados pelo público, por isso o ego é grande. Peço desculpa, mas basta-me ser acarinhado por alguém, pela família, pelas minhas filhas, pela minha mulher. O ego é aquela parte de nós que cresce numa perspetiva ilusória de certeza, na nossa autoconfiança e que nos permite considerar que estamos um grau acima dos restantes. Pois eu, digo: ‘Meu amigo, o teu ego é uma porcaria. Se à primeira crítica vais aos arames e reages de uma forma completamente extemporânea.’ O ego, para ser bem considerado, tem que ter por base uma autoconfiança saudável e uma generosidade natural, construído para bem do próximo. Um ego mal construído vai destruir-nos a nós e maltratar os outros.”
A opinião sólida vai de encontro à existência de “muita gente muito mal formada” no meio em que se movimenta. “Estamos sempre a ser avaliados, estamos sempre no olho do furacão, muito expostos.” Deve ser por isso, considera. Tem a resposta na ponta da língua. “O meu pai costumava dizer-me: olha, constróis casas para alguém? Não. Salvas vidas? Não. Fazes roupa para alguém não passar frio? Não. Produzes algo de comer? Não. Então, tu não trabalhas, tens é um passatempo! Dizia isto à guisa de brincadeira, mas com algum fundo de verdade.” E passa a citar Denzel Washington: “Há pessoas que passam fome todos os dias, há pessoas que vivem com menos de um dólar por dia, há pessoas que trabalham 18 horas por dia, há pessoas que são escravas do trabalho. Fazer filmes? É um puro privilégio. Ponham-se no vosso lugar e deixem de achar que estão no topo do mundo.”
A partir de 7 de dezembro, Pêpê Rapazote vai participar em “Operation Finale, o novo filme da Metro Goldwyn Mayer. Mais uma história real com um nadinha de ficção em que vai interpretar Carlos Fulder. São nove semanas em Buenos Aires a filmar para a câmara de Michael White, com o britânico Ben Kingsley no principal papel. “Dantes costumava dizer que se me chamassem para fazer jograis na Patagónia, eu ia. Agora não vou fazer jograis, mas vou para lá perto.”
O ator português vai ser o capitão das SS alemãs que ajudou Adolf Eichmann a fugir para a Argentina. “Conhecem a Operação Odessa? É a operação dos serviços secretos americanos, que desconfiavam que havia uma rede de exportação de nazis e fascistas a seguir à II Guerra Mundial para muitos países, Brasil, Síria, e, principalmente, Argentina, onde já existia uma grande comunidade alemã. Já existem muitos filmes feitos sobre ela, mas nenhum com esta produção gigantesca. Ben Kingsley será Adolf Eichmann, o capitão das SS que tratava da logística toda para a Solução Final, depois de, no início da guerra, se ter ocupado do exílio dos judeus. Encheu comboios, fez de tudo. Foi um dos grandes que, tendo supervisionado os campos de concentração, fugiu com a ajuda da minha personagem. Esse tal Carlos Fulder, que caiu em desgraça junto das SS, pois acabou por roubá-las, sem imaginação para fazer outro tipo de negócio qualquer dos tantos que se fizeram dentro das SS. Um espertalhão que acabou por ser expulso. Mas que acabou também por se reunir com o governo argentino em Madrid, que o convidou para trabalhar para eles. O papel dele era, mesmo ainda durante a guerra, importar para a Argentina do tempo de Perón o maior número de matéria cinzenta nazi possível. A fuga de Eichmann tem ainda a ajuda do Vaticano e tem por objetivo a construção do IV Reich e da nova exterminação. Mas há um mandado de captura de Eichmann que chama a atenção da recém-criada Mossad israelita... O resto é a história do filme e não a posso contar.”
Depois de mais um casting, veio a confirmação da preferência pelo ator português, que desta vez vai falar mais em inglês do que em espanhol. “Sinto muito menos responsabilidade a representar em inglês do que em português. A nossa língua é tão rica, tão sagrada, lemos Pessoa e Camões e dizemos: ‘Meu Deus!’ Apetece-me pôr luvas de pelica e tratar com pinças a língua portuguesa como se estivesse em laboratório. O inglês é muito bom em termos de profundidade, de pensamento, de tudo, mas esteticamente não chega ao calcanhar do português. E isso é um respeito enorme.”
Pêpê Rapazote nasceu a 10 de setembro de 1970, quatro anos antes do 25 de Abril, e, dizem, no mesmo dia em que morreu o profeta Maomé, corria o ano de 632 d.C. Cedo se apercebeu que tinha chegado a liberdade. Foi no Colégio Moderno, “que tanto me moldou” e onde se vivia ainda “de forma muito fresca o 25 de Abril”. O PREC tinha acabado há três ou quatro anos e havia um “fervoroso desejo de esquerda e de liberdades”. O ambiente era o melhor do mundo, a proximidade com os professores era uma realidade levada à letra. “Até uma gravidez indesejada era conversada pela primeira vez com uma professora e não com uma amiga.” Mas, com essa liberdade, diz e garante, vem um outro grau de responsabilidade. “Este é um problema crónico e eterno do povo português. Não percebe que tem direito à vida e que depois tem obrigações e que, só depois de cumprir muitas delas, tem de novo direitos. Não há direitos — os direitos, as liberdades e garantias vêm depois de muita obrigação. Este é um problema de abuso do laxismo e de abuso de valores que vieram depois do 25 de Abril e que estão cada vez mais enraizados. Vivemos verdadeiramente a tirania do politicamente correto. A tirania das minorias. A tirania dos direitos, do eu tenho direitos. Não!”
Rapazote insurge-se contra os brandos costumes, contra a apatia de um país onde as pessoas não se mexem e têm medo de dar a cara. “O corporativismo e os sindicatos dão um jeito enorme para a malta se esconder atrás do tipo da frente, o testa de ferro e o interlocutor que vai falar com o patrão. É o Zé Povinho, o velho manguito, o ninguém diz nada, país de cobardes!”
As mãos já não chegam, e volta a pôr-se de pé: “É para ilustrar, sou muito contador de histórias.” “Isto parece um discurso muito de direita? Não sei se é de direita se é de esquerda. O que é isso de direita e de esquerda quando falamos de moralidade, de obrigações na vida. Não ter tudo garantido e ter de lutar por aquilo que é nosso é de direita ou de esquerda?! Isto é de quem precisa de trabalhar para viver, de quem precisa de conquistar, de quem não herdou dinheiro. Haja bom senso, responsabilidade. Não falo de esquerda nem de direito, falo de gente bem formada.”
As suas convicções políticas são o mais ao centro possível. “O meu estilo de democracia é o de um Olof Palme [antigo primeiro-ministro sueco], é a sua social-democracia, tem de haver justiça gratuita para todos do princípio ao fim, ninguém pode morrer ou adoecer na rua por falta de tratamento médico, ensino gratuito. Agora, digam-me, se isto é de esquerda ou de direita?”
Doze anos a trabalhar como arquiteto não o apaziguaram com a máquina estatal, aquela pessoa que não é de bem, por princípio, como frisa. Antes, a violência que foi para si a Escola de Arquitetura do Porto, o terá moldado para uma revolta consciente e pacífica. Não era uma criança rebelde, era uma criança feliz. A adolescência trouxe-lhe uma vida de aventura, a música, a descoberta da arte com o professor e amigo Carlos Nogueira, as visitas aos ensaios de Olga Roriz, de Benvindo da Fonseca, na Gulbenkian, a filosofia a abrir-lhe mentalidades, a matemática para o ensinar a pensar. A escolástica perfeita, num rapaz que chegou a trocar a noite pelo dia e o ser cliente pelo trabalho atrás do bar. (“Um homem atrás de um balcão tem outro impacto”). As mulheres e as namoradas. A avidez pelo conhecimento, pela ciência, pela geografia, pela história. A curiosidade por tudo. A recordação da composição sobre o crepúsculo da cidade que aos 12 anos recebeu da professora Elvira a melhor nota que ela alguma vez dera na vida. Ele a querer relacionar o mundo e a alma.
“Uma faculdade de Arquitetura vinda do 25 de Abril, com professores muito esquerda caviar, que publicitavam valores da mais alta nobreza e executavam exatamente o inverso, e que me fizeram ter uma relação de amor/ódio com a arquitetura. Conseguiram destruir e adulterar grande parte dessa relação que mais parecia a de um padrasto que me batia todos os dias.” Uma “escola de tiques”, que tinha “gozo” em chumbar quem pensasse um bocadinho fora da caixa. “Insulto publicamente o corpo diretivo da Faculdade de Arquitetura do Porto. Gente incompetente e de um nível moral muito limitado. Um circo de vaidades de pouco valor intelectual. Um abuso permanente do pequeno poder.”
Fala de uma vez só. Num desabafo feliz. O tempo já se encarregou de tudo o resto. Aliás, como se encarregou de o fazer “virar mesmo”, como lhe costumava dizer o pai no início da sua carreira de ator. Aquela que, a seguir ao teatro amador com José Boavida, chegou com “toda a naturalidade do mundo”, mas não de mansinho. É com a mesma garra que se atira a cada personagem, mesmo que saiba de antemão que elas não são a realidade. “As personagens não são a vida real, o que é uma vantagem e uma desvantagem. A desvantagem é que se fossem reais poderíamos alterá-las a nosso belo prazer. A vantagem é que nos permitem fugir desta desgraça toda e viver no mundo da fantasia por melhor que seja a recriação histórica dessas personagens.”
“Malucos do Riso”, “Ajuste de Contas”, “Super Pai”, “Pai à Força”, “Bem-vindos a Beirais”, “Laços de Sangue” e “Rainha das Flores”, muito do que foi fazendo entre a sua estreia e a sua última prestação para uma produção portuguesa, o público habituou-se a vê-lo em todo o lado. “Quero tanto coisas novas e fazer coisas novas que aquilo de que mais me orgulho é de ter percebido que sempre fui tão excitado, tão impulsivo, que nunca tive paciência para ficar muito tempo a fazer a mesma coisa e no mesmo sítio, mas que consegui estar dois anos na internet a queimar pestanas até às quatro da manhã, enquanto trabalhava no dia seguinte, a tentar perceber como se arranjava um agente nos EUA.”
A importância da carreira internacional para ele era tão grande quanto a voracidade de conhecer mundo. O mesmo de sempre: a aventura, talvez a que mais tenha tardado a chegar. “Computador, negas, negas, negas. Mudança de estratégia no e-mail, tentativa de telefone — ninguém dá telefones diretos —, telefone geral e ninguém atende. Não é assim. Só se arranja um agente nos Estados Unidos estando lá. Acabei por ser apresentado a um agente que é ainda o que tenho hoje, o Guy Kochlani, judeu de Telavive, fantástica gente. O meu processo de visto de trabalho podia ser uma lista telefónica, toda traduzida por mim, de português para inglês, recortes de jornais e de revistas, porque eles dão muita importância ao estatuto de estrela para sermos aceites como emigrantes de qualidade artística. Tudo traduzido com o aval da minha mãe, tradutora de profissão, de inglês e alemão, estudou germânicas, que foi buscar de 1964 o seu amarelado diploma de tradutora.” Um orgulho hoje. Muita persistência sempre.
Como no trabalho de ator, de resto. Pêpê Rapazote não gosta de improvisos desnecessários. “Nesta profissão ouvimos muitas vezes dizer ‘arrisca’, que é quase como dizerem-nos para sermos inconscientes, para nos atirarmos do precipício. Não. Pode ser que calhe bem, mas pode ser uma sorte num milhão. Não pode ser assim. Temos que trabalhar muito, tentar ir o mais para fora possível das nossas zonas de conforto e depois aquilo que nos fica na nuca é aquilo que a personagem vai ser. Tudo o que seja acessório, se nós ainda o tivermos, vamos senti-lo. Tudo aquilo que for a mais é porque o é mesmo. ‘Ele punha muito a mão assim.’ Mas, se isto não me sai naturalmente, o melhor é não o fazer. É isso que não vai ser meu, vai ser do exterior. Enquanto não me apropriar de tudo isso, a personagem não é minha. A técnica é muito boa, mas não é para se ver. Ela serve para nos trazer tudo aquilo que depois parece nosso. Depois há ainda muitos métodos, de como nos apropriarmos, por exemplo, de uma personagem que não viveu no nosso tempo, falava de uma forma diferente e mexia-se de forma diversa... Os americanos são extraordinários nisso.”
Mas faltam-lhe muitas outras coisas. O agente de Pêpê valoriza muito o facto de ele ser estrangeiro. Sabe que nos Estados Unidos impera a lei do ready made. Ninguém estuda e toda a gente sabe. Em Los Angeles, “aquela cidade sem alma”, 80% das pessoas dizem ser atores quando questionados sobre a profissão, mesmo que ainda não tenham feito nada e estejam a servir à mesa num café. “Quando há um casting aberto, esse tipo de gente aparece todo. É uma quantidade de trabalho doida de pessoas sem qualidade. Quem chega da Europa está habituado a trabalhar, estudou, sabe que isto é uma coisa séria e não está à espera do êxito fácil, sabe que tudo se tem que construir devagarinho.”
Para o sucesso americano de Rapazote contou, por isso mesmo, a escola portuguesa. “A melhor.” “Quem faz novelas em Portugal está preparado para a guerra. Temos um orçamento tão limitado que não podemos dar-nos ao luxo de cometer um erro. E, como tal, a máquina está superbem oleada. Isto não é nada português, mas o dinheiro fala mais alto. É o desenrasca, é o em cima do joelho, também. Se há algum problema resolve-se na hora, e se calhar nem é a pessoa competente para o efeito que desenrasca, ‘não está ele, faço eu’. Ajudamo-nos muito uns aos outros. Nos EUA, não, cada macaco no seu galho, nem que as coisas demorem 20 horas. Porque senão estás-me a tirar trabalho. Nós somos bons na produção de ficção televisiva, e somos tão bons a improvisar como a trabalhar. Não falha, não há um minuto a mais, tudo se faz, é fantástico.”
Nos Estados Unidos é tudo ao contrário. “Calma.” Primeiro entra a decoração, sai a decoração e entra a luz. Cada um trabalha à vez. “Claro que com isso tudo muitas vezes se chega a fazer horas extraordinárias, que são pagas a peso de ouro e que também são um dos fatores para que isto aconteça. Ninguém nos pede o favor de trabalharmos mais depressa. Nada disso. Os sindicatos trabalham à séria e têm mesmo muita força!” Como o Screen Actor Guild, onde já está inscrito.
Até aí tudo bem. Está satisfeito. Gosta de sentir na pele as experiências. “Narcos” não lhe passou ao lado, e o novo filme muito menos. Mais virá. Assim deseja. Só não deseja uma coisa. “A parte pior disto tudo é a fama.” Só somos conhecidos porque entramos na casa das pessoas ou as pessoas vão ver-nos ao teatro ou ao cinema. Só por isso. Há outros heróis do dia a dia.” E quase volta ao início da conversa, mas não. Passaram três horas de pingue-pongue e ele não quer ser estrela, não quer ser diva. Quer manter a privacidade custe o que custar, os pais a viverem a cinco minutos da casa onde vive com a mulher, Mafalda Vilhena, e as duas filhas, Júlia e Leonor. Vai evitar locais públicos, festas e jantarinhos, convites de revistas, galas e globos, óscares e baftas. Gostava de um “House of Cards” na sua vida, não nega, e até se vê a viver nos Estados Unidos, mas nada mais do que isso. A não ser, claro, honrar o acordo de cavalheiros que tem com a SIC, cuja última novela abandonou para poder ser Chepe Santacruz Londoño, e poder fazer uma minissérie ou uma série de comédia na estação de Carnaxide para seguir em frente. “Qualquer convite de Portugal, vai prender-me muito.” Já não é o momento.
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