Brasil. Cloroquina ditou choque com Bolsonaro e saída de Nelson Teich, o ministro da Saúde que durou 28 dias
TV Senado
Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da crise sanitária no Brasil já ouviu Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, os dois primeiros responsáveis pela pasta da Saúde do mandato de Jair Bolsonaro. Falta ouvir Eduardo Pazuello e Marcelo Queiroga
O segundo ministro da Saúde do mandato de Bolsonaro, Nelson Teich, explicou finalmente porque abandonou o Governo ao fim de 28 dias. As declarações ouviram-se na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à gestão da crise sanitária no Brasil, em que na véspera tinha marcado presença Luiz Henrique Mandetta, o primeiro responsável pela pasta da Saúde da era Bolsonaro.
“[As razões da minha saída] devem-se, basicamente, à constatação de que eu não teria a autonomia e a liderança que imaginava indispensáveis ao exercício do cargo. Essa falta de autonomia ficou mais evidente em relação às divergências com o Governo quanto à eficácia e extensão do uso do medicamento cloroquina para o tratamento da covid-19”, declarou Teich, aqui citado pela “Folha de São Paulo".
E acrescentou: “Enquanto a minha convicção pessoal, baseada em estudos, era de que naquele momento não existia evidência da sua eficácia para liberar, existia um entendimento diferente por parte do Presidente, que era amparado na opinião de outros profissionais, até do Conselho Federal de Medicina, que naquele momento autorizou a extensão do uso”.
Apesar de tudo, houve um click, um momento específico que ditou o pedido de demissão de Teich: declarações de Bolsonaro. E as palavras desavindas, proferidas numa teleconferência com grandes empresários, terão sido estas: "Agora votaram em mim para eu decidir e essa questão da cloroquina passa por mim. Está tudo bem com o ministro da Saúde [Nelson Teich], sem problema nenhum, acredito no trabalho dele. Mas essa questão da cloroquina vamos resolver. Não pode o protocolo dizer que só pode usar em caso grave... Não pode mudar o protocolo agora? Pode mudar e vai mudar", anunciou o Presidente, em meados de maio de 2020.
Foi a linha vermelha para Teich: “À noite, houve um live [vídeo], onde ele [Bolsonaro] coloca que espera que, no dia seguinte, vá acontecer isto, que vai ter uma expansão do uso [de cloroquina]. E aí, no dia seguinte, eu peço a minha exoneração”, confirmou o homem que sucedeu a Mandetta no cargo.
Teich foi também questionado sobre a nomeação de Eduardo Pazuello para secretário-executivo do Ministério da Saúde, o segundo cargo mais importante daquele gabinete, conta este artigo do “G1”. “Ele [Pazuello] foi indicado para mim pelo Presidente (...). Embora ele não tivesse experiência em Saúde, eu contava que sob a minha orientação ele executasse de forma adequada o que fosse definido na minha estratégia de planeamento”, admitiu.
O choque entre Teich e Bolsonaro seria então inevitável e foi exatamente Pazuello, um general, o eleito para o substituir. Foi adequado, perguntaram na CPI ao ex-ministro. “Na posição de ministro, acho que seria mais adequado um conhecimento maior sobre gestão em Saúde”. Pazuello, debaixo de fogo por casos como o da falta de oxigénio em Manaus, foi favorável à cloroquina e seguiu a linha do Presidente quanto ao isolamento social.
À semelhança do que já dissera Luiz Henrique Mandetta em entrevista ao Expresso, em outubro, Nelson Teich confirma que houve um braço de ferro entre Saúde e Economia. “Quando você discute distanciamento, você não está discutindo distanciamento de dinheiro ou em liberar a economia, você está falando da vida das pessoas. Esse é que foi o grande problema que eu achei. A gente tratou economia como dinheiro e saúde como vida, mas é uma coisa só”, defendeu o ex-ministro.
Marcelo Queiroga, o atual e quarto ministro da Saúde de Bolsonaro, será ouvido esta quinta-feira, tal como Antônio Barra Torres, o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A sessão de Eduardo Pazuello, o sucessor de Teich e terceiro responsável pela pasta da Saúde no mandato de Bolsonaro, deveria ter acontecido na quarta-feira, mas foi adiada para dia 19, já que o general indicou que havia estado em contacto com pessoas que contraíram a doença.
A CPI, que investiga ações e omissões do Governo Federal no combate à pandemia, arrancou a 27 de abril e deverá prolongar-se por 90 dias, sendo que o prazo pode ser prorrogado.
O Brasil aproxima-se das 15 milhões de infeções confirmadas por covid-19. Já morreram naquele país 414.399 pessoas, de acordo com a Universidade Johns Hopkins, que indica ainda que 6,92% da população brasileira já recebeu duas doses de vacina anticovid.