Localizada em zona de fronteira, no concelho de Almeida, o passado deste povoado está associado à vocação militar de defesa do território nacional. Castelo Mendo é uma das 12 Aldeias Históricas de Portugal e, por aqui, narram-se lendas curiosas e evocam-se bailes e jogos de antigamente
Jornalista
Dentro da loja D. Sancho Artesanato, o calor da lareira aquece as mãos, um consolo que muito se agradece! Rosa Ramos e a sua mãe, Maria da Conceição Morgado Martinho, acolhem generosamente o visitante num pequeno espaço onde, no passado, cabiam as quatro divisões da sua casa. Não havia chaminé, “o fumo saía pelas telhas”. “Foi onde fui criada. Fazíamos o comer ao lume e aquecíamos a água para tomar banho. Tinha de ir buscar a água longe, com cântaros à cabeça...”, revela Maria da Conceição. A antiga habitação transformou-se numa loja com produtos certificados, como mel e compotas, e objetos da autoria de Rosa Ramos – quadros, suportes para velas e pedrinhas com pinturas de casas típicas de Castelo Mendo, no concelho de Almeida.
É Rosa quem apresenta Castelo Mendo, uma as 12 Aldeias Históricas de Portugal de características sobretudo medievais e constituída por dois núcleos amuralhados, a cidadela (burgo velho formado após o foral de D. Sancho II) e a barbacã. O burgo novo foi protegido por uma muralha que chegou a ser guarnecida por oito torres, parcialmente destruídas pelo terramoto de 1755. Na porta da vila (ladeada por torreões) veem-se dois berrões, esculturas zoomórficas em granito que estariam associadas ao culto da fertilidade pelos vetões. Conta-se que as cabeças terão sido cortadas porque “quando os animais ali chegavam, recuavam”. Mas nada que amedrontasse as crianças, que amiúde andavam a “pular em cima deles”, recorda Rosa.
Domus Municipalis
Seguindo pela rua Direita, repara-se na casa quinhentista e na igreja de São Vicente, de raiz gótica e objeto de profundas intervenções de influência maneirista. Mais adiante, aparecem as casas com portas e janelas de desenho manuelino e o solar do Fidalgo, com as surpreendentes “portas grandes”, maiores do que as das casas menos abastadas, nota Rosa. De seguida, vê-se a igreja de São Pedro (matriz), com a torre sineira, a casa com varanda alpendrada e o pelourinho ao centro da praça. Tem uma base de seis degraus oitavados e uma coluna também octogonal com sete metros, que o torna num dos mais altos da Beira Interior. É coroado por um capitel circular que serve de base a uma gaiola. A imponência desta estrutura do século XVI era sinal da importância de Castelo Mendo à época. Foi sede de concelho até 1855
Na rua da Praça, espreite a casa da roda, onde antigamente “vinham colocar as crianças que se abandonavam”, o edifício onde se supõe ter funcionado o hospital da Misericórdia e a porta da guarda, com vista para o monte onde se situava a forca. Rosa lembra-se de por ali andar “a guardar as cabras” e elogia os tons com que se vai revestindo a natureza. Voltando ao miolo histórico, realce para o edifício da antiga Domus Municipalis, onde em tempos funcionou a casa da câmara municipal, o tribunal e a cadeia no piso térreo. Na fachada da antiga Domus Municipalis sobressai a gárgula de uma figura masculina a que se chamou Mendo e, na fachada do lado oposto da rua, as feições da Menda. Mendo foi o nome do primeiro alcaide local, mas ninguém sabe a história destas figuras. A lenda atribui-lhes um amor impossível, a lembrar Romeu e Julieta
Em Castelo Mendo, “todas as pedras têm uma história”, sublinha a anfitriã. É o caso de uma “pia tintoreira romana” que serviria para tingir a roupa, mas também da pedra do “jogo do moinho” e de mais duas rochas lendárias e enigmáticas. Com cerca de 30 habitantes, esta Aldeia Histórica é um destino de tranquilidade e silêncio, interrompido apenas a espaços pelo toque do sino ou o miar de um gato fugidio. Não tem restaurantes e há apenas um café, o Venceslau, e dois alojamentos (tel. 916237914), recuperados e geridos por Rosa, a Casa do Corro (T1) e a Casa da Cidadela (T2).
Conversas e rituais
Lurdes Monteiro, a “tia de coração” de Rosa, vive em Lisboa, mas é natural de Castelo Mendo. Sempre que possível, vem matar saudades ao sossego da aldeia, que tanto aprecia. Guarda com carinho a lembrança de quando as pessoas vinham “das ceifas a cantar”. “Não havia discotecas para irmos, mas fazíamos bailes nas casas das pessoas e tocávamos guitarra muito bem”, conta. Antigamente também se jogava ao “jogo do cântaro” e havia outras brincadeiras muito participadas e animadas pelos cantares.
A visita prossegue com Rosa a mostrar os vestígios da antiga porta de D. Sancho. Sobe-se depois a rua do Castelo, pela calçada medieval, até vislumbrar um dos tesouros da aldeia, a igreja de Santa Maria do Castelo. Data do século XIII e tem estilo românico, com transformações no século XVI, como a capela lateral com teto mudéjar, a única área ainda coberta. Repare nos túmulos e na janelinha sobre o altar: Rosa descobriu-a quando era garota, ao distrair-se “com umas pedrinhas”. De seguida, aparecem as ruínas da torre de menagem e a sepultura do Fidalgo, que foi colocada num local ermo. Ao passar a porta do castelinho, de estilo românico, entra-se no núcleo mais antigo do castelo. Espreite a cisterna e caminhe até ao mirante, um imponente miradouro a mais de 800 metros de altitude. No horizonte avista-se o rio Côa, a ponte do caminho de ferro, a Freineda e a fronteira com Espanha. Ainda no mirante, nota para uma grande azinheira que permite fazer piqueniques à sombrinha. Por indicação de Rosa, apanham-se algumas pedrinhas antes de conhecermos o derradeiro ponto de interesse, o barroco dos desejos. Diz-se que quem conseguir acertar nessa rocha com as pedrinhas está mais perto de ver os desejos realizarem-se. Por isso, não custa tentar a sorte...
Aproveite para explorar o caminho histórico de Castelo Mendo (PR2). É circular, tem 6 Km e segue por caminhos ancestrais do vale do rio Côa, que ligam a aldeia ao rio, “quase sempre ladeados por muros de pedra”. Coincide parcialmente com a Grande Rota das Aldeias Histórias e a Grande Rota do Vale do Côa.
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