Nick Cave: “Há coisas que já não consigo ver na TV. Às vezes parece que todas as séries da Netflix são sobre a morte de um filho”
Nick Cave
Getty Images
Nick Cave, que nos últimos oito anos perdeu dois filhos, deu uma longa entrevista à revista “New Yorker” na qual discorre sobre a perda e o luto, mas também sobre o seu processo criativo e a relação com Deus
Nick Cave refletiu sobre a morte do seu filho Arthur, de 15 anos, em 2015, mas também sobre o seu processo criativo e a crença em Deus, numa longa entrevista à revista "New Yorker.
À conversa com a jornalista Amanda Petrusich, que começa por revelar ter perdido subitamente, no ano passado, o marido e pai da sua filha, Nick Cave oferece novas perspetivas sobre a dor que carrega desde a morte de dois dos seus filhos. Contudo, sobre a morte de Jethro, no ano passado, avisa que não falará, a pedido da sua mãe, Beau Lazenby. “Ela ainda está a fazer o luto e quer protegê-lo”, diz.
Desde a morte de Arthur, confessa Nick Cave, há programas de ficção que deixou de conseguir ver. “Há coisas que eu e a Susie [sua mulher e mãe dos gémeos Arthur e Earl] já não conseguimos ver na televisão. Às vezes parece que todas as séries na Netflix são sobre a morte de um filho. Essas coisas são difíceis”, admite. “Não perdi propriamente a apetência por literatura violenta ou filmes violentos, embora muitos já me pareçam pueris. Se calhar é da idade. Detesto dizer isto, mas tenho dado por mim cada vez mais ofendido por filmes sobre a morte violenta de mulheres. Pode parecer estranho, vindo de mim, dado o tipo de canções que escrevi no passado, mas isso já não me apetece ver. Mas mesmo nos filmes mais benignos há pequenos gatilhos, pedaços de linguagem catastrófica ou lembretes impiedosos.”
Mais à frente, refletindo sobre a interação que mantém com os fãs no site “The Red Hand Files”, Nick Cave elabora: “A mágoa não desaparece. Tornamo-nos mais fortes, ficamos mais capazes de lidar com os nossos sentimentos. No entanto, a perda permanece, não se dissipa, e estranhamente penso que pode atrair outras perdas. Acabámos por perceber que somos todos criaturas portadoras de perdas. À volta da perda principal vão-se avolumando outras perdas mais pequenas. Acredito que é esta compreensão que faz de nós seres humanos completos.”
Sobre a sua relação com Deus, Nick Cave afirma que é “complicada. Tenho muitas dúvidas, mas muita fé, também. No fundo, habito um espaço entre a crença e a decrescença. Mas, mesmo que não exista uma dimensão divina, a música parece ser tocada por algo. O processo criativo - sobretudo a criação original, que, para mim, é escrever letras e música - pode ser muito trabalhoso e nada espiritual. Muitas vezes, deixa-nos agoniados, debilitados e solitários. Mas também contempla momentos de liberdade espiritual, nos quais sinto que, de repente, saio a voar pela sala. E isso não é só o processo criativo - é a vida, no geral. Vivemos as nossas vidas, mas à nossa volta há palpites, pistas e sussurros de que existe algo mais.”
“Compreendo a ideia dos ateus. Mas acredito que recusar por completo a ideia do divino é mau para o negócio da escrita das canções. Limita-me a criatividade. Penso que muitos músicos estão mais abertos à espiritualidade porque estão naturalmente mais próximos do ato misterioso da criação”, defende Nick Cave.
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