Kosovo autoproclama-se "independente e livre"

Há um novo país na Europa

17 fevereiro 2008 15:16

Raquel Pinto*

"Nós nunca perdemos a fé no sonho de que um dia estaríamos ao lado das nações livres do Mundo, e hoje estamos", afimou Tahçi no início da sessão extraordinária de proclamação da independência do território.

17 fevereiro 2008 15:16

Raquel Pinto*

Este é, sem dúvida, um marco na história dos balcãs. O Kosovo, território de maioria albanesa e sob a administração das Nações Unidas desde Junho de 1999, depois de onze semanas de bombardeio NATO contra a repressão de Belgrado -,separa-se da Sérvia proclamando-se "estado soberano e democrático".

"A partir deste momento, o Kosovo mudou de posição política. Somos agora um Estado independente, livre e soberano", declarou o presidente do Parlamento, Jakup Krasniqi, aos 109 deputados que esta tarde, numa sessão plenária em Pristina, votaram favoralvelmente à proclamação da independência unilateral, após a solicitação do primeiro-ministro albano-kosovar, Hashim Thaçi.

Um Kosovo "orgulhoso" que se comprometerá a "respeitar a dignidade humana" esbatendo "o doloroso legado do recente passado", com base na "reconciliação e perdão", prometeu Thaçi.

O anúncio foi recebido com aplausos, enquanto, nas ruas da capital, impera o vermelho das bandeiras albanesas, agitadas por milhares de pessoas em celebração.

Os EUA e diversos países europeus expressaram, nas últimas semanas, a sua intenção de reconhecer, imediatamente, o novo país, depois da sua proclamação.

As autoridades de Belgrado não querem a separação do Kosovo e o presidente sérvio, Boris Tadic, declarou, num comunicado divulgado após o anúncio memorável, que jamais reconhecerá a independência da província e usará "todos os meios pacíficos, diplomáticos e legais para anular o acto".

Teme-se que a nova situação tenha "um efeito dominó" e seja aproveitada para revoltas armadas noutros países. A Abkhazia e a Ossétia do Sul, duas regiões separatistas da Geórgia, já fizeram saber que este não pode ser um caso único e vão também pedir ao Governo da Rússia e às Nações Unidas o reconhecimento da sua independência.

Entretanto, o Conselho de Segurança da organização mundial vai reunir-se às 13h00 (18h00 em Lisboa), com carácter de urgência, após um  pedido encetado pela Rússia, a fim de analisar o estatuto do Kosovo que considerou "ilegal", por constituir "uma violação da soberania da Sérvia", da "Carta da ONU, e da resolução 1244 do Conselho de Segurança".

A diplomacia de Moscovo adverte a comunidade internacional para uma "reacção responsável" face às decisões dos dirigentes kosovares, que ameaçam propiciar um ambiente de "escalada da tensão e da violência entre etnias na região, um novo conflito nos Balcãs".

Incidentes no rescaldo da decisão

No rescaldo da decisão, Mitrovica foi palco de incidentes com granadas de mão a serem lançadas contra prédios da União Europeia e das Nações Unidas, embora sem prejuízos materias significativos, segundo elementos da força de paz da NATO, citados pela agência Reuters, que dá conta de quatro pessoas feridas, entre as quais dois sérvios. Em Belgrado, manifestantes envolveram-se em confrontos com a polícia sérvia.

- A declaração de independência do Kosovo "reflecte a vontade do povo e está em total acordo com as recomendações do enviado especial das Nações Unidas, Martti Ahtisaari".

- O Kosovo "é uma república democrática, laica e multi-étnica, guiada pelos princípios da não discriminação".

- "Cumpriremos integralmente as obrigações" decorrentes do plano Ahtisaari, "nomeadamente as que protegem e promovem os direitos das comunidades e seus membros".

- "Adoptaremos assim que possível uma Constituição que proclame o nosso compromisso de respeito pelos direitos humanos e as liberdades fundamentais de todos os cidadãos, tal como estão definidos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. A Constituição incluirá todos os princípios significativos do plano Ahtisaari e será adoptada no quadro de um processo e um debate democrático".

- "Saudamos o apoio continuado ao nosso desenvolvimento democrático manifestado pela comunidade internacional através da presença internacional no Kosovo decorrente das resoluções do Conselho de Segurança da ONU de 1999. Acolhemos a presença internacional civil encarregada de supervisionar a aplicação pelo Kosovo do plano Ahtisaari e uma missão policial da União Europeia". A declaração convida as Nações Unidas a "manter um papel dirigente da presença militar internacional no Kosovo e a assumir responsabilidades" que lhe foram confiadas pela resolução 1244 da ONU e pelo plano Ahtisaari até que as instituições do Kosovo sejam capazes de assumir responsabilidades nestes domínios.

- "Por razões culturais, geográficas e históricas, acreditamos nos nossos laços com a família europeia. Proclamamos a nossa intenção de tomar todas as medidas necessárias para facilitar a nossa entrada na União Europeia logo que possível e aplicar as reformas requeridas para a integração europeia e euro-atlântica".

- "Aceitamos plenamente" as responsabilidades inerentes à "pertença à comunidade internacional". O Kosovo compromete-se a respeitar "os princípios da Carta das Nações Unidas, do Acto Final dos acordos de Helsínquia, da Organização para a Segurança e Cooperação Europeia (OSCE)", tal como "os princípios que sustentam as relações entre estados".

- O Kosovo "respeitará a soberania e a integridade territoriais de todos" os países vizinhos e abster-se-á de "todo o uso da força ou qualquer ameaça".

- O Kosovo "cooperará plenamente com o Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia".

- O Kosovo dedicar-se-à "à paz e estabilidade" no sudeste europeu. O processo de desintegração da ex-Jugoslávia "foi doloroso" mas o Kosovo "vai esforçar-se por contribuir para uma reconciliação que permita ao sudeste da Europa ultrapassar os conflitos do passado e construir novas relações de cooperação regional".

- "Visaremos sobretudo estabelecer boas relações com todos os nossos vizinhos, nomeadamente a república da Sérvia, com a qual temos profundas ligações históricas, comerciais e sociais que procuraremos desenvolver no futuro próximo". O Kosovo vai "promover a reconciliação" entre os dois povos.

Lusa