Declaração unilateral da independência do Kosovo

Batalhão português preparado para actuar

16 fevereiro 2008 15:16

A KFOR (Força da NATO no Kosovo) preparou planos de contingência. O batalhão português mantém operações de rotina, no entanto, situação de alarme poderá levar à rápida mobilização.

16 fevereiro 2008 15:16

O contingente português no Kosovo mantém o dispositivo operacional de rotina, na expectativa de a todo o momento ser colocado em alerta e mobilizado para responder a qualquer situação de crise no Kosovo, disse à Lusa o seu comandante.

Como "reserva táctica" do comandante da KFOR (Força da NATO no Kosovo), o batalhão português constitui uma espécie de força de intervenção, mobilizável em permanência para qualquer ponto do território do Kosovo.

"Uma situação alarmante poderá levar o comandante da KFOR a acelerar o "prazo de prontidão" (de 12 a 24 horas em situação de rotina)", disse diz o tenente-coronel João Magalhães, comandante da força.

Mas "para já, a KFOR não emitiu qualquer ordem especial, e a situação é ainda de expectativa", face à declaração unilateral de independência anunciada para domingo.

A KFOR preparou planos de contingência para o momento crítico da proclamação da independência e reforçou o seu dispositivo de segurança nos pontos mais sensíveis do Kosovo.

As análises dos responsáveis pela segurança no território - KFOR, polícia das Nações Unidas (CivPol) polícia local (KPS) - convergem porém na ideia de que é pouco provável a ocorrência de incidentes ou de violência generalizada e organizada.

"Há uma tensão subjacente, ambas as etnias (sérvios e albaneses) estão preocupadas, mas não existem quaisquer indícios de que venham a ocorrer distúrbios públicos", resumiu o general Raul Cunha, oficial de ligação e assessor militar da UNMIK (Missão da ONU no Kosovo).

O primeiro-ministro kosovar, Hasim Thaçi, tem multiplicado gestos apaziguadores em direcção à minoria sérvia e apelos à contenção nos festejos da independência.

"Cremos que, a haver eventualmente uma ordem para acelerar a prontidão do Batalhão, a questão estará na incerteza sobre o que poderá acontecer, e não em quaisquer sinais directos de ameaça à estabilidade ou segurança do território", considerou o tenente-coronel João Magalhães.

Sectores políticos mais radicais à espera de uma oportunidade, grupos para-militares ou 'gangs' criminosos poderão tirar proveito de um ambiente mais instável.

Mas o grande factor de risco será ainda a desconfiança de cada comunidade quanto às intenções da outra.

"Não há qualquer indicador concreto de ameaças das duas etnias", disse o comandante do 1º Batalhão de Infantaria.

"Mas há um longo historial de hostilidade e de violência e há sempre receios quanto às reacções da outra etnia, sobretudo nas áreas em que um grupo está em minoria".

A zona mais crítica será Mitrovica, uma cidade dividida entre um Norte sérvio e um Sul albanês, e palco dos mais graves incidentes no Kosovo desde que o território foi entregue ao controlo da NATO e à administração da ONU, em 1999.

O rio Ibar, que atravessa a cidade, transformou-se numa espécie de fronteira. A área a Norte de Mitrovica é a zona de maior concentração do que resta da população sérvia no Kosovo.

A consumar-se a independência, os sérvios de Mitrovica dizem-se dispostos a separar-se do resto do Kosovo e permanecer na Sérvia.

O risco de confrontos é aqui particularmente elevado. A KFOR reforçou com um batalhão das "reservas operacionais além do horizonte" o seu dispositivo na área, e a CivPol e o KPS têm unidades de controlo de tumultos de prevenção.

Receia-se em particular a hipótese de os albaneses da área fazerem convergir as comemorações da independência para a ponte Austerlitz, ponto crítico e espécie de zona tampão entre as partes sérvia e albanesa da cidade.

"Qualquer tentativa de a atravessar resultará certamente em confronto", disse o general Raul Cunha.

Ainda assim, os analistas consideram pouco prováveis reacções violentas do lado sérvio.

A haver confrontos em Mitrovica os albaneses poderiam retaliar, atacando as minorias sérvias que habitam em enclaves a Sul do rio Ibar. Os sérvios optarão assim provavelmente por ignorar a declaração unilateral de independencia, tal como têm vindo a ignorar as estruturas provisórias de auto governo do Kosovo.

"Será no interesse dos sérvios ignorar a declaração de independência e limitar-se a apontar o Kosovo como sendo um estado ilegal", acrescentou o oficial português.

O assessor militar da UNMIK crê mesmo que Mitrovica poderá ser um teste crucial para todo o Kosovo.

"Se na área de Mitrovica os problemas forem contidos por dois ou três dias, então as hipóteses de violência no Kosovo serão muito reduzidas."

Sérvios e albaneses têm sentimentos opostos quanto ao futuro do Kosovo mas une-os a saturação face à tensão, à violência e à pobreza, relataram à Lusa militares portugueses envolvidos na segurança do território.

"O contacto que temos tido com a população indicia que as pessoas estão fartas de tensão, da insegurança e de medo, e que querem sobretudo viver em calma, paz e segurança", referiu o tenente coronel João Magalhães, comandante do contingente português da KFOR.

A ilustrar essa realidade, o comandante da 2º Batalhão de Infantaria da Brigada de Intervenção recordou uma manifestação, em Dezembro, em Kamnica (sector leste do Kosovo) que "misturava várias etnias reclamando condições elementares, como o restabelecimento da electricidade."

O testemunho do tenente-coronel João Magalhães corrobora as impressões recolhidas pelo militar que o antecedeu no comando da força portuguesa na KFOR.

"O que observei ao longo de seis meses de missão no Kosovo é que há uma elite política activista e elementos do mundo dos negócios ligados àquela, muito empenhados na independência e, depois, uma população rural que luta diariamente pela sobrevivência", disse o tenente-coronel Maia Pereira, que comandou o 2º Batalhão de Infantaria Mecanizado, no Kosovo entre Fevereiro e Setembro de 2007.

Para além das elites de Pristina, a realidade do Kosovo é a de um território dominado pela extrema pobreza da maioria da população, pela elevada taxa de desemprego (40 a 70 por cento, segundo estimativas), pela corrupção das elites, pela carência de condições de vida elementares e pelos os constantes cortes de electricidade na província.

"Há aldeias onde há cinco por cento de gente com trabalho, basicamente os empregados da tasca e da mercearia local. O resto é agricultura de sobrevivência" - disse Maia Pereira

Há o receio de que a independência do Kosovo provoque um novo êxodo do que resta da população sérvia, mas, apesar da incerteza, muitos poderão optar por ficar.

"Eles nasceram ali e não se imaginam a recomeçar a vida noutro local", disse o militar.

"Os sérvios nos enclaves sentem-se abandonados à sua sorte pela sérvia e pelo Kosovo". E as preocupações são no fundo as mesmas que inquietam os albaneses: o futuro dos filhos, as escolas e universidades em que poderão estudar".