COP28

COP28 aprova “caminho” para abandonar progressivamente os combustíveis fósseis

Anúncio do acordo na COP28
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AMR ALFIKY

Representantes de mais de 200 países chegaram a acordo após duas semanas de negociações, para o objetivo de atingir a neutralidade de carbono em 2050 com base em recomendações científicas. Guterres questionou se o acordo “não vem demasiado tarde”, o enviado dos EUA destacou o passo relevante a meio de desafios colocados com as guerras na Ucrânia e Israel-Hamas

Em atualização

Já muito fora do prazo previsto para o fim da COP 28, representantes de mais de 200 países chegaram finalmente a um acordo inédito para “uma transição para o abandono” dos combustíveis fósseis.

O texto apela à "transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de forma justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crucial, a fim de alcançar a neutralidade de carbono em 2050 em acordo com recomendações científicas".

De acordo com o “The Guardian”, o texto final foi aprovado sem objeções e houve um caloroso aplauso quando Sultan Al- Jaber, presidente da COP28, o anunciou.

“Do fundo do meu coração, obrigado. Percorremos um longo caminho juntos num espaço de tempo muito curto. Trabalhámos muito para assegurar um futuro melhor para as pessoas e para o planeta. Devemos estar orgulhosos do que conseguimos. Conseguimos uma resposta abrangente para reduzir as emissões globais. Apresentamos um plano de ação robusto para manter o objetivo dos 1.5ºC [de aumento de temperatura] ao alcance", afirmou.

António Guterres, secretário-geral da ONU, já reagiu na rede social X, mas pergunta se o acordo não chega “demasiado tarde”: “Quer gostem ou não, a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é inevitável”.

Guterres acrescentou que o acordo foi alcançado "depois de muitos anos em que o debate sobre esta questão esteve bloqueado".

"A ciência diz-nos que é impossível limitar o aquecimento global a 1,5 graus sem eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis dentro de um prazo compatível com este limite. Este facto foi reconhecido por uma coligação crescente e diversificada de países", notou ainda o secretário-geral da ONU.

Ainda antes do anúncio do acordo, à entrada para o plenário, o comissário europeu para o Clima, Wopke Hoekstra, considerava que a aprovação do documento pode marcar “o início do fim dos combustíveis fósseis”: “Estamos a dar um passo muito, muito significativo [para limitar o aquecimento global a 1,5°C]”, destacou.

O sultão Ahmed Al Jaber, presidente da COP28, e o diretor dos assuntos climáticos das Nações Unidas, Simon Stiell
MARTIN DIVISEK

John Kerry, enviado dos EUA para o clima, destacou que apesar do acordo poder não ser perfeito, todos devem louvar o passo relevante que foi dado de momento, tendo em conta os desafios colocados pela guerra na Ucrânia e pelo conflito Israel-Gaza.

“Todos poderiam ter dito as coisas de maneira um pouco diferente, mas acho que é motivo de otimismo. E estou impressionado com o espírito de cooperação”, considerou John Kerry.

John Kerry, enviado dos EUA, saudou o acordo conseguido na COP28, embora reconhecendo que não é perfeito
MARTIN DIVISEK

Mas houve quem não aplaudisse o acordo de pé, designadamente ativistas, organizações não-governamentais (ONG) ou académicos que estiveram presentes nas negociações durante as últimas duas semanas - e até ficaram “chocados com o facto de ter sido superado tão rapidamente”, segundo relata a repórter da BBC.

“Embora o texto da COP28 desta manhã sinalize apoio claro à ciência, de que não há espaço para combustíveis fósseis no futuro, ele é insuficiente em fornecer a escala justa, clareza e velocidade que realmente precisamos", realçou Chiara Martinelli, diretora da ONG Rede Europeia de Ação Climática.

O acordo da COP28 apela, pela primeira vez, a todos os países para que abandonem a utilização de combustíveis fósseis até 2050 - mas não estabelece que os eliminem gradualmente, através de metas, algo que era pretendido por muitos governos e organizações.

Pela primeira vez, o acordo na COP28 apela aos países para deixarem de usar combustíveis fósseis, mas sem estabelecer metas faseadas para a sua "eliminação"
MARTIN DIVISEK

O representante da Austrália (onde é ministro das alterações climáticas e energia), Chris Bowen, frisou que “os próximos anos serão o verdadeiro teste do acordo de Paris", no objetivo de apurar "se teremos dobrado a curva, ou perdido 1,5°C.”.

“A parte central da nossa discussão tem sido o futuro dos combustíveis fósseis no nosso sistema energético. Pedimos mais do que um passo em frente e o mundo deu um passo à frente", realçou Chris Bowen, falando em nome de um grupo de países, que inclui o Reino Unido.

A mensagem da COP28 “é clara”, sublinhou o enviado da Austrália, explicitando que “todas as nações do mundo reconheceram que o nosso futuro está na energia limpa, e que a era dos combustíveis fósseis terminará”. Salientou ainda que este resultado “mostra que temos um longo caminho a percorrer” e assenta na “afirmação da ciência mais recente sobre cortes nas emissões”.

Simon Stiell, chefe das Nações Unidas para assuntos climáticos, saudou a chegada do acordo
MARTIN DIVISEK

Houve vozes que se destacaram na cimeira pondo o foco na “justiça climática, como a de Diego Pacheco, representante da Bolívia e também porta-voz de um grupo de países em desenvolvimento, enfatizando a ”responsabilidade histórica" a nível de ação climática por parte dos países mais ricos e desenvolvidos.

“Os países desenvolvidos não decidiram assumir a liderança na crise climática ou mudar os seus estilos de vida. Os países desenvolvidos que têm planos para expandir os combustíveis fósseis até 2050, estão a contrariar a ciência", frisou Diego Pacheco.

“Nestes últimos oito anos vimos os países desenvolvidos trabalharem intensamente para minar e apagar as suas responsabilidades. Estamos a assistir ao agravamento de um mundo, que se torna cada vez mais injusto e desigual", apontou.

Ativistas hoje em concentração junto às instalações onde decorreu a cimeira da COP28
MARTIN DIVISEK

A ironia é que “aqueles que são os maiores responsáveis ​​pela expansão dos combustíveis fósseis, são agora os grandes campeões da ‘estrela do norte’", frisou o representante da Bolívia, afirmando o apoio à declaração sobre o primeiro balanço global, mas querendo "fazer uma ressalva sobre responsabilidades comuns, mas diferenciadas.”

Aplaudido no plenário com uma grande salva de palmas, Diego Pacheco concluiu que “somos mais uma vez vítimas do neocolonialismo, precisamos de uma mudança de paradigma".

O comissário do clima da União Europeia na COP28, Wopke Hoekstra, e a Ministra de Espanha de Transição Ecológica, Teresa Ribera, falam aos jornalistas
MARTIN DIVISEK

A União Europeia saudou “o início do fim dos combustíveis fósseis”, nas palavras do seu responsável pelos assuntos do clima, Wopke Hoekstra.

“A humanidade finalmente fez o que já deveria ter sido feito há muito tempo. Passámos trinta anos para chegar ao início do fim dos combustíveis fósseis", sublinhou Wopke Hoekstra.

Para o responsável da UE, é um “enorme privilégio trabalhar ao lado de todos, formar uma equipa, superar a divisão e unirmo-nos”. Wopke Hoekstra deixou claro que “quando todos nós tivermos partido, os nossos filhos estarão aqui para lidar com todas as coisas que lhes deixamos – as boas e as más”, e concluiu que este deve ser um dia de “gratidão” e de “determinação silenciosa”.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, aplaudiu hoje o “acordo histórico” alcançado na COP28, frisando que "uma parte crucial" só foi possível por iniciativa da UE.

"O mundo inteiro apoiou" os objetivos da União Europeia para 2030, designadamente triplicar a utilização de energias renováveis e duplicar eficácia energética nos próximos seis anos, salientou Von der Leyen na rede X.

Ativistas climáticos consideraram o acordo "insuficiente" face à "velocidade que precisamos"
MARTIN DIVISEK

O secretário executivo da ONU para o Clima, Simon Stiell, alertou que os compromissos têm de ser efetivamente cumpridos com urgência e que os países têm de apresentar resultados.

"Todas as iniciativas anunciadas aqui no Dubai serão objeto de uma análise aprofundada. Esta é uma 'tábua de salvação' para a ação climática, não uma linha de chegada. Todos os governos e empresas devem agora transformar estes compromissos em resultados económicos concretos, sem demora", sublinhou Stiell no final da cimeira.

É preciso "avançar com a aplicação do Acordo de Paris" e no início de 2025, os países devem fornecer novos contributos a nível nacional, enfatizou o responsável da ONU.

Simon Stiell sublinhou que a COP28 tinha mesmo de alcançar avanços, e que “sem as conferências, estaríamos a caminhar para um aquecimento global de quase 5 graus, uma sentença de morte absoluta para a nossa espécie”.

A China sustentou que os países desenvolvidos devem "assumir a liderança" na transição energética global e "fornecer sem demora" apoio financeiro e técnico para a transição nos países em desenvolvimento, na conclusão da COP28 no Dubai.

“Os países desenvolvidos têm uma responsabilidade histórica e indiscutível no que respeita às alterações climáticas: devem assumir a liderança na meta do 1,5°C” e “alcançar a neutralidade carbónica o mais rapidamente possível”, afirmou Zhao Yingmin, vice-ministro chinês do Ambiente.

A China é o maior emissor mundial de gases com efeito de estufa. Quase dois terços da energia consumida no país assentam na queima do carvão. No entanto, o país é também o maior investidor do mundo em energias renováveis, tendo em 2022 acrescentado tanta capacidade instalada de energia eólica e solar quanto todos os outros países do mundo combinados.

Xie Zhenhua, representante da China na COP28, com Jonh Kerry, o enviado dos EUA
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O Presidente francês, Emmanuel Macron, saudou “este passo importante” que “envolve o mundo numa transição sem combustíveis fósseis”, ao mesmo tempo que apelou à “aceleração” da luta contra o aquecimento global.

Macron aplaudiu também, na rede social X, o reconhecimento do “papel fundamental da energia nuclear”, defendida pela França, paralelamente à necessidade de triplicar as energias renováveis.

Anteriormente, a ministra francesa da Transição Energética, Agnès Pannier-Runacher, tinha destacado “uma vitória do multilateralismo e da diplomacia climática”.

A Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS, na sigla em inglês), particularmente ameaçada pelas alterações climáticas, manifestou reservas e preocupações após a adoção do texto, que considera insuficiente.

“Demos um passo em frente relativamente ao ‘status quo’, mas é de uma mudança exponencial que verdadeiramente precisávamos”, declarou Anne Rasmussen, representante das Ilhas Samoa, que preside a AOSIS.

Após o anúncio do acordo, o Brasil instou os países desenvolvidos a liderar a transição energética e fornecer “os meios necessários” às nações em desenvolvimento.

“É fundamental que os países desenvolvidos assumam a liderança na transição para o fim dos combustíveis fósseis”, afirmou a ministra do Ambiente brasileira, Marina Silva, apelando também a que sejam “assegurados os meios necessários aos países em desenvolvimento”.

Os países árabes enalteceram as conquistas obtidas no texto final promovidas pelos países produtores de petróleo
MARTIN DIVISEK

“O grupo árabe expressa a sua gratidão aos grandes esforços da presidência dos Emirados Árabes Unidos e da sua equipa”, disse a representante da delegação saudita na COP28, Albara Tawfiq, que preside o grupo árabe na ONU Clima, saudando “o grande sucesso” da conferência.

Tawfiq citou as conquistas obtidas no texto final, como as tecnologias de retenção e armazenamento de carbono, promovidas pelos países produtores de petróleo para poderem continuar a produzir combustíveis fósseis.

A Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS, na sigla em inglês), particularmente ameaçada pelas alterações climáticas, manifestou reservas e preocupações após a adoção do texto, que considera insuficiente.

“Demos um passo em frente relativamente ao ‘status quo’, mas é de uma mudança exponencial que verdadeiramente precisávamos”, declarou Anne Rasmussen, representante das Ilhas Samoa, que preside a AOSIS.

Após o anúncio do acordo, o Brasil instou os países desenvolvidos a liderar a transição energética e fornecer “os meios necessários” às nações em desenvolvimento.

“É fundamental que os países desenvolvidos assumam a liderança na transição para o fim dos combustíveis fósseis”, afirmou a ministra do Ambiente brasileira, Marina Silva, apelando também a que sejam “assegurados os meios necessários aos países em desenvolvimento”.

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