Ligações "perigosas": petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos acede a e-mails da COP28
Sultão Al Jaber
KARIM SAHIB
A ligação entre a COP28 e a petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos, a Abu Dhabi National Oil Company, é o presidente de ambas: o sultão Al Jaber. A empresa de petróleo foi consultada pelo gabinete do evento climático sobre como responder às perguntas da imprensa
A petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos, a Abu Dhabi National Oil Company, teve acesso aos e-mails do gabinete da cimeira do clima COP28. De acordo com o jornal “The Guardian”, a empresa foi ainda questionada sobre como responder a perguntas dos media. A revelação está a gerar indignação, já que os Emirados Árabes Unidos acolherão o evento da ONU, em novembro, e o presidente da COP28, o sultão Al Jaber, é também presidente-executivo da petrolífera estatal.
Além de liderar a Abu Dhabi National Oil Company, Al Jaber preside a Masdar, uma empresa de energias renováveis, e foi o enviado climático dos Emirados Árabes Unidos entre 2010 e 2016. O sultão foi reconduzido ao cargo em 2020, e recebeu o apoio de vários representantes logo após a sua nomeação como presidente da COP28 em janeiro, em que se incluem o enviado do clima dos EUA, John Kerry, e o líder do clima da UE, Frans Timmermans.
O “Guardian” averiguou que, apesar de o gabinete sustentar que o seu sistema de e-mail era autónomo e independente do da Abu Dhabi National Oil Company, servidores de e-mail eram partilhados entre os dois escritórios. O gabinete da COP28 só alterou o seu servidor na segunda-feira.
O alegado conflito de interesses de Al Jaber motivou as críticas da antiga líder da ONU para questões do clima, Christiana Figueres, que caracterizou como “perigosa” a sobreposição de funções. Também o eurodeputado francês Manon Aubry reagiu aos resultados da investigação do jornal britânico, considerando a situação “um escândalo absoluto”. De acordo com o parlamentar europeu, o alegado envolvimento de uma empresa de petróleo e gás na organização encarregada de coordenar a eliminação gradual de combustíveis fósseis “é como ter uma multinacional tabaqueira a supervisionar o trabalho interno da Organização Mundial da Saúde”.
Manon Aubry tinha sido um dos responsáveis pela redação de uma carta à ONU, assinada por 133 representantes políticos norte-americanos e da União Europeia, para apelar ao afastamento do sultão Al Jaber, em nome da “credibilidade” das Nações Unidas. Pascoe Sabido, do grupo Corporate Europe Observatory, que investiga lóbis nas políticas da UE, defende que as revelações são “ultrajantes” e que a nomeação de Al Jaber foi "um grande golpe para a credibilidade" do órgão climático da ONU.
O jornal “The Guardian” tinha revelado, em abril, que os Emirados Árabes Unidos tinham o terceiro maior plano líquido para a expansão de petróleo e gás no mundo, apesar de a Agência Internacional de Energia, o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas e a maioria dos cientistas referirem que novos investimentos no petróleo e gás são incompatíveis com a meta de descida de 1,5°C, estipulada pelo acordo de Paris.
Quando a publicação britânica descobriu as ligações entre o gabinete da COP28 e a petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos, e questionou por que as respostas aos e-mails enviados à organização da COP28 continham a designação “Classificação Adnoc: interna”, o escritório respondeu que “procurou informações de vários especialistas no assunto sobre emissões, incluindo a Adnoc [Abu Dhabi National Oil Company]”. O POLITICO também já tinha levantado a questão sobre a inexistência de uma barreira digital entre as duas instituições.
O gabinete da COP28 respondeu, no final de maio, ao jornal “The Guardian”, que os conteúdos - incluindo e-mails - eram “mantidos em servidores separados, alojados nos escritórios da organização, numa rede autónoma protegida por firewall, suportada por uma equipa de tecnologias de informação independente”. O “Guardian” descobriu, no entanto, que os servidores da Adnoc estavam envolvidos no envio e receção de e-mails do gabinete da COP28. Os e-mails da COP28 e os da Adnoc usam o mesmo serviço externo de e-mail primário, e o registo indica o mesmo servidor, Proofpoint, de acordo com peritos consultados pela publicação britânica.