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À Nossa Maneira

À Nossa Maneira

Era uma vez um povo de brandos costumes, que não tinha por hábito entrar em grandes manifestações de rua, para protestar pelos seus direitos. Nem pelo estado da justiça, nem pela excessiva carga fiscal, muito menos pelo atraso da economia do País. Nem sequer, na maioria das vezes, por situações chocantes de corrupção, ou de abuso de poder

Poder-se-ia pensar que, neste País, tudo se permite, e toda a gente pode fazer tudo, sem consequências. Mas nem os seus habitantes são totalmente desprovidos de discernimento e de inteligência, nem as manifestações de rua, e o fazer barulho para chamar media, são as únicas formas de lutar pelos direitos. Aliás, provavelmente, serão até as menos eficazes, embora provoquem comoção, indignação e, muitas vezes, admiração. Os movimentos de massas deixam-nos sempre um pouco impressionados. Mas, de facto, os resultados não são tipicamente os pretendidos, a não ser quando essas manifestações se extremam, como é o caso de motins ou revoluções. Mas, mesmo aí, com um risco grande de o resultado final ser exatamente o oposto do pretendido.

Não está na nossa cultura, de uma forma geral, andarmos aos berros pela rua fora, com grandes gritos de guerra, a não ser quando somos muito bem industriados e organizados, e nos "estão a ir ao bolso" (ou nos fazem acreditar que "nos estão a ir ao bolso") e, mesmo neste caso, em doses muito moderadas.

E, permitam-me dizer o seguinte: por um lado, ainda bem. Creio que há outras formas, talvez mais inteligentes - porque mais eficazes -, de demonstrarmos a nossa indignação, e de reivindicarmos o que deve ser reivindicado. Dependendo, naturalmente, do que é o objeto da reivindicação em concreto.

Assim, uma alternativa será a de formarmos movimentos colaborativos, de proximidade, nas nossas comunidades mais próximas, através do quais desenhemos e implementemos modelos e iniciativas, que criem alternativas reais às soluções dominantes existentes. Sejam elas públicas, ou privadas. Juntando talvez as duas armas mais poderosas que temos - a capacidade de pensar de forma criativa, e a capacidade de criarmos movimentos coletivos e colaborativos, orientados por visões e objetivos comuns. É uma alternativa, à qual podemos chamar a Alternativa Empreendedora Colaborativa. A reivindicação transforma-se, neste caso, numa procura de eliminar ou alterar de forma significativa, os factos, ou condições, que são o objeto de determinada reivindicação, em colaboração com outras pessoas afetadas. É uma alternativa mais de ação, e menos de protesto. Mais ativa e menos reativa.

Outra forma de reivindicação consiste em, diante de determinado conjunto de condições e políticas adversas, que não permitam a um cidadão desenvolver as suas legítimas ambições pessoais e profissionais, este optar por fazê-lo noutra geografia, muitas vezes com sacrifícios pessoais muito grandes, só compensados pela oportunidade profissional. E para quem acha que isto não é uma forma de reivindicação, basta olharem para as notícias, e para a forma como as empresas estão cada vez mais preocupadas com a fuga de capital humano e, por outro lado, como os responsáveis políticos estão crescentemente a ser responsabilizados pela falta de criação das condições necessárias ao desenvolvimento das pessoas altamente qualificadas que continuam a sair do país, em larga escala. A esta alternativa de reivindicação, vamos chamar-lhe a Alternativa Aventureira, mais facilmente adotada pelas gerações mais jovens. Aquelas que são o futuro - muito próximo - deste País.

Existe também a Alternativa Tradicional da mobilização política, esclarecida e consciente, para o exercício do direito de voto, ou para o exercício da capacidade de acionar legalmente pessoas e entidades, no caso de haver uma negligência ou um abuso, como aconteceu recentemente com um conjunto de seis jovens portugueses, naturais de Leiria e de Almada, que acionaram, no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, um conjunto de 32 Estados por não estarem a fazer o necessário e suficiente pelo combate às alterações climáticas. Apesar de a posição conjunta dos 32 Estados visados ter sido a de desvalorizar, e desconsiderar totalmente, este pedido, não deixou de ser uma ação reivindicativa, com grande impacto de comunicação, por vias que estão ao acesso de qualquer um de nós.

Existem também, finalmente, Alternativas Disruptivas - como uma que ouvi falar há uns anos, apenas como ideia, de um grupo de quinhentas ou mais pessoas, coordenadas, se filiarem nos três maiores partidos de forma articulada, para controlarem, a partir de dentro, o funcionamento da base dos partidos. Ou, por outro lado, grupos de pessoas que partilham valores e visões semelhantes sobre a sociedade e modos de vida, que criam comunidades relativamente autónomas e independentes e que, apesar de obviamente respeitarem os ordenamentos jurídicos dos Estados onde se integram, criam as suas próprias regras, e vivem isolados da sociedade, em regimes que muitas vezes assentam numa lógica de partilha e, outras vezes, inclusivamente, com moedas próprias.

Todas estas alternativas têm prós e contras. Incluindo a da reivindicação nas ruas que, em certos casos, não só não deve deixar de ser feita, como é imperativa - por exemplo, quando podem estar em causa os pilares do sistema que a grande maioria da sociedade aceita como sendo a melhor opção para o Coletivo. Isto foi bem visível, por exemplo, na enorme manifestação que aconteceu no passado dia 25 de Abril, em Lisboa, quando mais do dobro das pessoas que normalmente saem à rua nesta ocasião, apareceram, deram a cara e estiveram lá. Pessoas de todas as cores políticas, e de todas as proveniências. Isto não é uma reivindicação? Parece-me que sim. Uma reivindicação na sua forma afirmativa, e não de protesto. É uma mensagem forte que diz: é isto que queremos, é isto que vamos sempre defender. Ora, isto é necessariamente um dissuasor para grupos minoritários que queiram por em causa essa conquista da sociedade. Neste caso, a democracia.

Seja qual for a alternativa que se utilize, o mais importante parece-me ser que exista sempre respeito pelos outros, e pelas suas ideias, no exercício das nossas escolhas de participação. Sem isso, nada funciona, numa sociedade livre. E isto, infelizmente, é bastante esquecido. Reivindicação, sim. Agressão e falta de respeito, não.

Em tom de conclusão, e para encerrar a história, a sociedade civil portuguesa pode não ser de uma paixão mais violenta e agressiva como a dos espanhóis. Pode não ser tão eficaz nos coletes amarelos, como os franceses. Mas é uma sociedade que, nem por isso, deixou de exercer e usar as ferramentas de reivindicação ao seu dispor, sempre que tal foi realmente necessário. E, mais do que isso, uma sociedade que nunca deixou de criar destinos alternativos, pela força do seu empreendedorismo e criatividade. Basta olharmos para a história e para a fortíssima economia social que temos, para o constatarmos. Não é que não reivindiquemos. É que fazemos as coisas à nossa maneira.

Mário Henriques

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