O setor dos seguros continua a ser um setor relativamente ao qual existe ainda uma grande dose de iliteracia, nomeadamente ao nível da educação formal, em Portugal. Daí a importância de deixar uma pequena reflexão sobre a contribuição fundamental que este setor pode trazer, nomeadamente, para a sustentabilidade. Seja ela vista na perspetiva do ambiente e do papel que os seguros podem ter, por exemplo, na mitigação dos efeitos das alterações climáticas, por um lado, seja no equilíbrio e segurança financeira das famílias. E sobre o papel que a inovação, neste setor, pode assumir para a prevenção de situações mais complicadas em ambos os campos.
Se há, realmente, um fator em relação ao qual estamos todos de acordo e em que não existe muita divergência, é na volatilidade e ambiguidade do mundo em que vivemos. Desde a sigla VUCA, que começou a ser usada na década de 1990, no período pós-guerra fria, pelo exército norte-americano para descrever um mundo instável, com múltiplos cenários possíveis e que, em inglês, significa Volatility (Volatilidade), Uncertainty (Incerteza), Complexity (Complexidade) e Ambiguity (Ambiguidade). Até à sua aplicação e adaptação a um contexto social e de trabalho, caracterizado por mudanças rápidas e imprevisíveis, com a utilização da sigla do mundo BANI, que significa, em inglês, Brittle (Frágil), Anxious (Ansioso), Nonlinear (Não Linear) e Incomprehensible (Incompreensível).
No epicentro deste mundo em que vivemos, está a questão do risco e da sua gestão. E o risco, entendido como perigo de dano decorrente de alguma atividade (ou da sua ausência) pressupõe, por um lado, que haja atividade, movimento, uma certa ousadia de navegar novos mares, mesmo sem se conhecerem todas as variáveis envolvidas, e que está na base de um espírito empreendedor que cada vez mais precisamos de assumir como uma das competências centrais deste “novo mundo”. Mas, por outro lado, esta capacidade de iniciativa não pode escamotear a existência de uma progressiva complexidade das variáveis que controlamos e as que não controlamos, devido, entre outros, a fatores como o caudal de informação, muitas vezes contraditória, à qual todos temos cada vez mais acesso, à evolução estonteante da tecnologia, ou às oscilações e imprevisibilidade dos fenómenos relacionados com as alterações climáticas que resultam, muitas das vezes, exatamente deste risco acrescido, de quem assume a inovação no centro das suas manifestações no mundo.
O conceito de risco está, por exemplo, na base da matriz ESG, quando esta tenta medir os impactos negativos das atividades, ou os riscos da inação decorrente da falta de responsabilização pelos efeitos provocados pela exploração de recursos, naturais e humanos, no desenvolvimento das atividades humanas e nos efeitos dela decorrentes.
Assumindo, pois, que não podemos deixar de correr riscos, sob pena de sermos “engolidos” pela evolução do mundo e dos sistemas humanos, diria que é fundamental aumentarmos a capacidade de previsibilidade dos riscos, e o desenho de sistemas de mitigação e compensação dos mesmos que, em simultâneo, ajudem a acelerar práticas mais sustentáveis, por um lado, e, por outro lado, acelerem a tomada de consciência, cada vez mais urgente, por parte de quem os corre ou é por eles afetados, ativa ou passivamente.
A indústria seguradora tem um papel fundamental em ambos os lados desta questão. E concentro-me, para este efeito, em dois papéis - a Inovação e a Educação.
Do lado da inovação, e para além da evidente necessidade de inovação no tratamento e análise dos dados, e na progressiva sofisticação dos sistemas tecnológicos que garantam a sustentabilidade e coesão do sistema de seguros e resseguros, existem já muitos exemplos de como a inovação no desenvolvimento de produtos, pode apoiar a transição para um mundo mais sustentável:
Seguros de catástrofe ambiental, que protegem contra os impactos financeiros de desastres naturais, como furacões, terremotos ou inundações - a Zurich tem um Fundo de Catástrofe, no Brasil, premiado com uma distinção na categoria de Sustentabilidade/ESG que, para além da resposta a situações de emergência, foi desenhado para apoiar a reconstrução de espaços comunitários, depois da emergência;
Seguros que incentivam a adoção de práticas mais sustentáveis - como por exemplo, seguros como o da Allianz e outras seguradoras, que recompensam os agricultores por adotarem práticas como o cultivo sem agrotóxicos;
Ou os chamados seguros paramétricos, que são um exemplo particularmente interessante de inovação face aos métodos tradicionais de seguros - apólices de seguros nas quais os pagamentos e ressarcimento dos danos aos clientes são feitos, de forma automática (sem necessidade de avaliação dos danos reais) em função de perdas pré-calculadas e tendo em conta a intensidade de determinado evento. Este tipo de modelo é muito usado em fenómenos naturais, há já cerca de 20 anos, mas só muito recentemente começam a ser do conhecimento mais generalizado da população. Talvez com um exemplo seja mais fácil de perceber: Imaginando, por exemplo, o caso de um furacão. Pode ser elaborado um modelo que preveja que, em determinada região do País, e para um determinado nível de intensidade do furacão, comprovado mediante instrumentos isentos de avaliação (por exemplo - dados do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica) os danos provocados sejam em média de “x” (valor determinado com base em modelos de previsão científicos). Neste caso, mediante a verificação desse nível de intensidade de furacão, os clientes seriam imediatamente ressarcidos no valor médio desses danos, sem a necessidade da chamada peritagem - ou seja, de uma avaliação realizada por peritos dos danos efetivos causados por esse determinado furacão.
Esta metodologia tem vantagens claras para o cliente - sendo as mais evidentes a da previsibilidade do ressarcimento, e a da diminuição do tempo de pagamento da indemnização, o que permite dar resposta mais imediata às necessidades de reparações que, por exemplo, possam ajudar a viabilizar a manutenção de uma determinada exploração agrícola.
E também tem vantagens para as seguradoras - não só porque, por um lado, se tornam mais eficientes os processos de indemnização, eliminando uma parte substancial dos processos administrativos de avaliação de danos, mas também porque, em alguns dos casos, as indemnizações médias serão inferiores às que resultariam da aplicação do tradicional processo de avaliação dos danos reais resultantes do evento.
Com as vantagens e benefícios existentes, este é claramente um caso em que a tecnologia e a criatividade, permitem dar respostas mais eficientes e atempadas à imprevisibilidade das variáveis climáticas.
Mas não basta que as seguradoras procurem inovar na criação de novas coberturas, modelos de cálculo, ou num mais apurado tratamento de dados. Nada disso serve de muito, se a própria população não tiver acesso ao conhecimento que lhes permita:
Saberem e conhecerem os riscos a que se expõem, nas suas atividades e iniciativas empreendedoras, e terem ferramentas para, ativamente e com facilidade, explorarem as opções de proteção existentes no mercado;
Conhecerem o modelo de funcionamento das seguradoras - nomeadamente o princípio mutualista de base (saber que os prémios que pagamos pelos nossos seguros contribuem para um fundo comum, que paga os danos do conjunto de pessoas expostos a determinado risco coberto por esse seguro) e a necessidade que as próprias empresas de seguros têm, de ressegurarem os seus riscos;
Saberem que, ao contratarmos um determinado seguro, existem riscos que estão cobertos e outros que não estão e que, por isso, é mesmo preciso aprendermos a ler as apólices de seguro, antes de contratarmos;
Finalmente, e talvez na base de tudo isto, entendermos que os seguros são um negócio e que, como tal, não é expectável que possam cobrir todos os riscos - sob pena de falências e consequente incapacidade de cobertura de riscos básicos - e que, por isso, temos que fazer a nossa parte na adoção de comportamentos conscientes e responsáveis, e saber exigir a outros agentes - como os Governos - a sua quota parte de responsabilidade.
O que me parece evidente é que, também aqui, as empresas do setor segurador têm um papel chave. Na capacitação de todos os seus stakeholders, mas em especial dos segmentos mais frágeis. Aqueles que estão mais expostos aos riscos, mas também aqueles que têm menor acesso a este conhecimento. Pessoas e comunidades.
No fim do dia, será isso que não garantirá apenas uma eficiente utilização das enormes possibilidades que este negócio traz para a gestão dos riscos de um mundo cada vez mais complexo e, consequentemente, uma maior segurança na gestão do equilíbrio financeiro de famílias e comunidades, como também, para as empresas que operam no setor a garantia de que, tendo utilizadores mais conscientes e informados, todo o negócio será mais eficiente.
E esta parece-me ser uma alteração de paradigma que urge tornar prioritária na gestão do setor - entender que Tomadores de Seguro e Segurados informados, de forma clara e eficaz, sem grande complexidade e com transparência, não é só bom para o negócio. É fundamental para a sua sobrevivência no médio e longo prazo.
Neste sentido, acabar com as letras pequenas nos contratos, ser claro na resolução de conflitos e sinistros e procurar um justo equilíbrio entre as necessidades do negócio e as dos clientes, não utilizando normas e políticas que não foram devidamente comunicadas durante o início da relação contratual, para evitar assumir responsabilidades, é só e apenas, o básico dos básicos.
Investir em programas de capacitação nas escolas, sobre o risco e sobre a função fundamental dos seguros na economia? É muito importante e já muitas empresas o fazem. O que é mais importante ainda? Educar todo o universo de colaboradores de uma organização de seguros, que tipicamente recebem algumas das situações de maior vulnerabilidade das pessoas, a serem pedagógicos e, mais do que isso, humanos na forma como falam, interagem e resolvem os assuntos das pessoas. Porque precisamos poder arriscar, para vencer os desafios que se nos apresentam. Mas não o podemos fazer, se não sentirmos segurança e proteção real, por parte dos agentes económicos que estão a zelar pelo bom funcionamento deste sistema.
Termos os riscos de inovar, devidamente segurados, é fundamental. Mas sentirmos segurança, é quase mais importante. E nada nos faz sentir mais seguros do que poder confiar em alguém para nos guiar neste mundo cada vez mais complexo.
Confiar é, pois, a palavra chave para podermos continuar a arriscar, como é preciso que aconteça. E, merecer a confiança das pessoas, será talvez a primeira e a última das vantagens competitivas para as empresas que nos seguram.