SER

Servir? A cada um a sua consciência

Sempre que falamos de grandes transformações de comportamentos, de status quo ou de consciência da sociedade, inevitavelmente pensamos em qual será a melhor forma, a mais SMART (que, em português, traduziria como, mais eficaz e eficiente - ou seja, a que tenha o maior efeito, com o menor dispêndio de recursos possível), de o fazer. E pensamos em quais os pontos do sistema, nos quais podemos suportar essa mudança - aquilo que, em linguagem de mudança sistémica, se chamam os “pontos de alavancagem” do sistema

Invariavelmente, o olhar recai sobre as empresas. Por razões que são simples de entender. Porque têm o controlo sobre recursos de produção que são chave para a sobrevivência das sociedades. Porque têm acesso mais facilitado a capital e a financiamento (e, por consequência, a investimento). E porque estão menos “presos”, e menos condicionados, que o setor público, na sua atuação, pelo menos no que se refere a “time to market”. O que as torna mais ágeis e mais ajustáveis às naturais oscilações de mercado e mais adaptáveis a novas realidades, num curto espaço de tempo. E isto, na maioria dos casos, é um fator relevante para a eficácia necessária, ao endereçar alguns dos temas mais desafiantes que nos preocupam enquanto coletivo.

Se associarmos a isto a típica governação nas corporações - com modelos que, mesmo quando são mais horizontais, implicam sempre a necessidade de lideranças (de topo e intermédias) capazes, presentes, determinadas e proativas -, percebemos a importância que o tema da liderança assume, desde há muitos anos, em todas as escolas de gestão. E isso não é diferente, quando as empresas se assumem como capitães, ao leme do necessário avanço e aceleração dos ambiciosos objetivos ligados à criação de um modelo mais sustentável de vida. A única diferença talvez seja a da necessidade de uma dose extra de coragem, determinação e firmeza.

A pergunta natural seria - mas que tipo de líderes? que tipo de liderança? Logo aqui, e antes de mais, importa desfazer dois mitos:

  • Não existem compartimentos estanque de liderança, que se possam associar a um determinado tipo de traços de personalidade (apesar de haver certos traços de personalidade que facilitam, ou dificultam, certos estilos de liderança) - ou seja, pessoas com diferentes características, podem (e devem, arriscaria eu), aprender vários estilos de liderança. É muito mais uma questão de competências (que se podem aprender e integrar), do que de fatalidades genéticas, ou determinismos darwinianos. Uma boa notícia!
  • Não existe um estilo de liderança que seja o mais adequado para todas as circunstâncias, independentemente de contextualização - setor da economia em que se opera, cultura organizacional, geografia ou geografias em que se opera, dimensão e muitas outras variáveis, nomeadamente internas, relacionadas com o estágio em que se encontra o negócio, no seu ciclo de vida.

Mas existe outra pergunta interessante, que deve ser levantada, que é esta - independentemente dos estilos diversos de liderança que é necessário adoptar, para responder de forma eficaz à conjuntura específica de determinado negócio ou situação no tempo, será que existe um estilo de liderança dominante, que seja importante adoptar, tendo em conta a evolução da consciência do ser humano e, portanto, do consumidor, do cliente, do fornecedor, do colaborador e do investidor? Creio que sim. Vamos olhar para dados.

Um estudo, realizado pela Harvard Business Review - “The Value of Service Leadership” - conclui que, empresas com líderes que dão prioridade ao serviço, conseguem, em média, uma performance nos resultados superior em 6%, quando comparadas as suas organizações com outras, onde não existe essa abordagem.

Por sua vez, a Deloitte, uma das 5 grandes consultoras de negócios, concluiu, no seu estudo intitulado “The Impact of Leadership Styles on Employee Productivity” que equipas que são orientadas por líderes que implementam esta filosofia de liderar pelo serviço, têm uma produtividade que é 18% superior à de outras organizações que não o fazem.

Finalmente, outro estudo, realizado pela Society for Human Resource Management, com o título “Employee Job Satisfaction and Engagement: the Road to Economy Recovery”, indica que empresas que integraram no seu ADN organizacional, a lógica de uma liderança pelo serviço, apresentam uma taxa de retenção de talentos que é cerca de 25% superior às das restantes empresas, que não o fazem.

Dados, e números, são sempre impactantes. Mas, muitas vezes, nas metodologias de recolha de dados e, antes disso, nos conceitos base usados e no que estes abarcam, diferem consideravelmente. A pergunta que se levanta é - mas afinal o que é a liderança pelo serviço? Como se diferencia de outras filosofias de liderança?

Para começar, existem vários nomes e conceitos que são muitas vezes usados, de forma indistinta, para significar realidades semelhantes - Liderança de serviço, Liderança pelo serviço, Liderança Empática, Liderança pelo Amor, Liderança Compassiva, Liderança centrada nas pessoas. Isto, em vez de ajudar, confunde. Mais uma razão para se tentar perceber o que une

todas estas aproximações. Alguns pontos que deixo e que são tocados por todas ou praticamente todas estas versões:

  • Foco nas necessidades de colaboradores e clientes - em oposição à deificação do resultado financeiro da organização. O que é o mesmo que dizer - apostar mais nos recursos que nos garantem a sustentabilidade a longo prazo, do que na gratificação imediata e compensação de uns poucos;
  • Espírito colaborativo - normalmente, estas abordagens de liderança procuram integrar, de forma ativa, a diversidade de opiniões, ideias e pontos de vista dos diferentes stakeholders da organização;

  • Empatia - este valor, que literalmente significa "colocar-se na pele do outro", é praticado, com regularidade e consistência, em organizações que assumem este estilo de liderança como um compromisso;

  • Investimento no desenvolvimento de todas as dimensões dos seus stakeholders - colaboradores, fornecedores, clientes e investidores. Um líder que está ao serviço compreende que um sistema saudável é um sistema nutrido. E, por isso, faz questão de nutrir e desenvolver todas as dimensões da qualidade de vida, evolução e bem-estar, dos agentes desse sistema;

  • A consciência da importância do exemplo - líderes que aderem, de forma genuína, a esta filosofia, são líderes que se questionam, que têm capacidade de autoanálise e que se responsabilizam pelo que fazem, com a consciência de que cada passo que dão é um exemplo que deixam. E que a coerência - alinhamento entre pensamento, palavra e ação - é, provavelmente, o ingrediente essencial de uma boa cola identitária corporativa.

  • Forte empenho na Responsabilidade Social Corporativa - quem lidera, orientado por uma lógica de serviço, naturalmente entende que o serviço à comunidade, ou comunidades, nas quais se integra a operação da empresa - seja para a coleta de recursos para a sua produção, seja na sua área de implementação ou de vendas - é fundamental para manter a integridade de um conjunto que, se colapsar, afeta cada uma das suas partes.

Obviamente, se formos perguntar a qualquer organização se está de acordo e se implementa estes princípios na sua organização, acredito que mais de 95% delas dirão que sim. Como fazer o “teste do algodão? Simples. Ver o que fazem, e o que acontece no seu dia-a-dia. Olhar para processos, práticas e ambiente interno, com um olhar atento. Rapidamente se verão incoerências, e se detetarão os pontos a que chamo de ”pontos de verdade radical“. Aqueles que, referindo-se a práticas básicas de respeito pelas pessoas e pelo ambiente, se revelam estar à míngua. E, muito importante, avaliando também a ”vox populi“ dominante nas chefias intermédias, e nas pessoas que são as raízes desta grande árvore de produção que são as empresas.

E qual a conclusão? Vale ou não vale a pena “estar ao serviço”? Diria que sim. Que o retorno de uma aposta constante de valorização dos ativos mais importantes de qualquer organização - as pessoas - compensa sempre. Mas demora tempo a criar esta base de confiança e credibilidade. Tal como os seus resultados que, tipicamente, virão no médio e longo prazo. E, se não for genuíno, e não nascer de um sítio de verdade, a probabilidade maior é a da sua falência prematura. E o consequente falhanço. É difícil. Mas, fazendo contas simples, acredito que o investimento necessário - atitude e coragem - é baixo, face ao potencial custo de não o fazer.

Diz a sabedoria popular que “até ao lavar dos cestos, é vindima”. E dizia a sabedoria natural da minha avó, que era francesa que “a chacun sa conscience”. Cada um com a sua consciência.

Mário Henriques

Oiça aqui os episódios do podcast Ser ou não ser:

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