Gritar alto pode ser bom para se fazer ouvir. Alertar para a necessidade de olhar para determinado problema é certamente necessário. Criar números de circo que, no final, se traduzem apenas em maior resistência por parte de cidadãos ativos que poderiam fazer parte de uma solução, é disparatado e inconsequente
Acredito que estamos, atualmente, diante da geração mais consciente de sempre da história da Humanidade, segundo os dados históricos e os vários indicadores que tenho à minha disposição. Jovens adultos que usam como orientação profissional critérios relacionados não apenas com o tipo de trabalho que querem fazer, mas com a forma como as organizações para as quais trabalham se comportam com os seus diversos stakeholders, e com a razão de ser e finalidade última daquilo que fazem (o propósito).
Por outro lado, muito por via da evolução tecnológica e dos processos de descentralização e democratização do acesso à informação, estamos também diante das sociedades mais informadas de sempre, ainda que com a dificuldade adicional de filtrar e selecionar a informação, o que exige capacidades digitais e sentido crítico apurado. Mas, ainda assim, é fácil, havendo interesse e algum foco e paciência, aceder a conteúdos relevantes em quase todas as áreas da sociedade, em diversos clusters de conhecimento.
Numa sociedade assim, faz sentido sermos ativistas? Perante esta aparente falta de necessidade de ser informado que, pelo menos nos países mais desenvolvidos, ainda parece existir? Diria que sim. Mas talvez se deva refletir sobre qual o tipo de ativismo mais eficaz, perante a real necessidade que temos de soluções concretas para os desafios que enfrentamos.
Na sua definição mais comum, o ativismo compreende 3 elementos fundamentais:
- A firme convicção (do ativista ou da organização ativista) relativamente à importância de defender determinada causa – normalmente implicando uma diferente abordagem relativamente a um problema da sociedade, seja ele social, ambiental ou económico - as 3 dimensões da sustentabilidade);
- A crença de que é necessário marcar uma posição e dar voz a essa causa, alertando a sociedade para a existência desse problema e para a urgência de o abordar de forma eficaz, normalmente através de uma teoria ou uma ideia base que é transmitida como a “perspetiva certa” a adotar;
- Por último, mas talvez mais importante, o ativismo implica, como a própria etimologia da palavra indica, ação. E não qualquer tipo de ação, mas uma ação que seja eficaz, na palavra e no resultado da consciencialização, mas, sobretudo, que se traduza em construções e não, apenas, em meras contestações ou críticas, em diferentes graus de alcance, quer ao nível de comunicação, quer ao nível dos protestos.
Assumindo isto, já não faz sentido, no mundo em que vivemos, “fazer apenas barulho”. As manifestações e os protestos são, naturalmente, uma expressão da liberdade de opinião e expressão, garantidos pelos normativos nacionais e internacionais, mas, por si só, não chegam. E, sobretudo, não são eficazes, se não respeitarem outros direitos adquiridos. Nomeadamente, se se traduzirem em danos morais ou materiais de terceiros, em nome de uma causa.
E, pelo que consigo perceber sobre a forma como as pessoas e organizações vêem e praticam o seu ativismo, nos dias que correm, na maior parte dos casos, diria que o ativismo atual é, também ele, consciente de tudo isto. Mas, infelizmente, é muitas vezes manchado pelas ações inócuas, ineficazes e agressivas de outros que não entendem (ou, pior, entendem e decidem ignorar, muitas vezes por razões ideológicas), o prejuízo que o descrédito e falta de credibilidade das iniciativas pode trazer para todos os que, de uma forma séria e comprometida, trabalham com afinco para denunciar situações graves e criar espaço para alternativas.
Em modo de conclusão: o ativismo que defendo é, pois, não só um ativismo que tem consciência dos efeitos eventualmente negativos da sua prática inconsciente e despreocupada, mas, muito mais que isso, um ativismo que seja construtivo. Como? Simples. Um ativismo que fomente o diálogo, que ofereça caminhos e soluções viáveis e que seja empreendedor, no sentido de procurar demonstrar, pela força dos factos, que podem existir soluções alternativas viáveis a sistemas e processos obsoletos - e, por isso, ineficazes -, injustos ou declaradamente mal-intencionados.
Gritar alto pode ser bom para se fazer ouvir. Alertar para a necessidade de olhar para determinado problema é certamente necessário. Criar números de circo que, no final, se traduzem apenas em maior resistência por parte de cidadãos ativos que poderiam fazer parte de uma solução, não é só disparatado. É inconsequente e não resolve nada.