SER

Ser ou não ser verde? Não podemos fugir à nossa natureza

A nossa sobrevivência depende da Natureza e do que ela nos proporciona. Portanto é bom que olhemos para ela, mas, mais do que isso, que oiçamos os sinais que nos dá

Eliminar preconceitos é uma parte fulcral da transição para um planeta mais sustentável. Na raiz de todos os grandes problemas da sociedade contemporânea, reside um enorme aglomerado de presunções erradas sobre factos, eventos atuais ou passados, pessoas, ideias, raças, culturas, interpretações ou significados. Diria mesmo que o preconceito é um dos grandes males da atualidade, sobretudo quando é acompanhado de ignorância, falta de consciência ou soberba.

Um bom exemplo disso são os preconceitos ligados às pessoas que gostam da Natureza e que utilizam a observação que fazem do seu funcionamento, dos padrões que detetam na sua evolução ou simplesmente da sua existência, para produzir conhecimento, significado ou propósito nas suas vidas. Quantas vezes não ouvi considerações várias sobre como essas pessoas são alheadas da realidade, ou que vivem numa utopia. Ou ainda que deviam era ir trabalhar, em vez de andarem a olhar para as flores ou para o movimento dos rios, para a resiliência das árvores ou para a adaptabilidade da biodiversidade. Ou a fazer festivais que não resolvem nada. Tipo Greenfest e outros.

Este tipo de afirmações não só demonstra a minha hipótese – a de que o preconceito e a ignorância são o cancro da sociedade – mas também valida a necessidade não de um, mas de muitos festivais. Tantos quantos sejam necessários para arrancar esta camada de presunção e absurdo da pele. É certo que algumas ações inócuas de ativismo verde, não só não resolvem nada, como a única coisa que despertam são ódios e mais preconceitos, em vez de consciências e vontades. Mas ainda assim, que isso não sirva de desculpa para não se usar a cabeça.

Porque é que é de uma tremenda ignorância e preconceito não entender que a ligação do ser humano à natureza e aos ensinamentos que esta nos pode trazer, são fundamentais para a sustentabilidade?

- Em primeiro lugar, e se outros argumentos não bastassem, porque a nossa sobrevivência depende da Natureza e do que ela nos proporciona. Portanto é bom que olhemos para ela, mas, mais do que isso, que oiçamos os sinais que nos dá – quer no ruído ensurdecedor de uma tempestade, quer no silêncio avassalador do que dela vai desparecendo, fruto dos nossos comportamentos descontrolados, vorazes e egoístas.

- Depois, porque, no reverso da medalha, a sobrevivência da Natureza que nos rodeia depende absolutamente de nós. E do nosso comportamento consciente. E se ela não sobreviver, nós também não vamos sobreviver. Parece óbvio? Sim. Mas pelos vistos, ainda não é o suficiente. Pelo menos assim o dizem os relatórios preliminares ao COP28, que acontecerá em breve, no Dubai, quando anunciam o retrocesso no cumprimento dos objetivos do Tratado de Paris.

- Também é, por outro lado, incompreensível como é que, assim sendo, não conseguimos perceber – pelo menos não ao ponto de agir decisivamente sobre estas matérias, no nosso dia a dia – o papel de cada um de nós para a preservação desta simbiose entre o ser humano e o ecossistema natural em que se insere. A começar por não rejeitar quem tem consciência destas necessidades, e talvez tentar perceber algumas das coisas que dizem.

Algumas das pessoas mais competentes e visionárias que conheci na história, guiaram-se pelos ensinamentos da Natureza e pelo que as suas leis nos têm para dizer sobre o mundo e sobre nós próprios. Aristóteles, Leonardo da Vinci, Gandhi, Einstein, Jean Jacques Rosseau – e a lista segue por aí fora sem fim. Toda a história da evolução da humanidade foi uma história não de conquista da Natureza, mas de dança com ela, num permanente buscar de um equilíbrio.

Mas, se considerações históricas ou filosóficas não convencem, então atenham-se a evidências científicas e factos. Porque, quanto a estas, não existem praticamente divergências. Apenas existem na sua interpretação. E, como diz uma pessoa que gosto muito, a natureza não engana e é sempre o que é. Por isso é certo que se a forçarmos, as reacções vão acontecer. E não são boas.

Por isso a questão de ser verde ou não, é para mim, uma não questão. Porque a derradeira verdade é que ser verde é uma inevitabilidade tão grande como a morte seguir à vida – não podemos fugir à nossa natureza. E a nossa existência está integrada na natureza que nos rodeia. Não existe separação. Somos manifestações diversas de uma mesma Lei Base. Quanto mais depressa tomarmos consciência disso, mais depressa existirão bases sólidas para um otimismo e uma esperança que já calhavam bem. E reparem – digo sempre nós. Porque também eu, muitas vezes, tropecei e tropeço neste caminho. E não interessa tanto se errámos ou não no passado. Interessa mais perguntar: o que é que ainda não estamos a fazer hoje? Deixo a pergunta no ar.

Mário Henriques

Oiça aqui os episódios do podcast Ser ou não ser:

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