Sustentabilidade, inteligência artificial e igualdade entre homens e mulheres entram para o Código de Governo das Sociedades
O Código de Governo das Sociedades, em Portugal, passou a ter um novo capítulo dedicado ao tema da sustentabilidade. João Moreira Rato, presidente do IPCG, explicou ao Expresso SER as principais alterações e garante que à medida que a nova geração de millennials vai acumulando riqueza e capacidade de tomar decisões, as preocupações com a sustentabilidade vão aumentando
João Moreira Rato trabalhou na banca de investimento em Londres em instituições como a Goldman Sachs, a Lehman Brothers e a Morgan Stanley, e em Portugal os portugueses lembram-se dele quando esteve à frente do IGCP, a agência que gere a dívida pública. É professor na Nova, chairman do Banco CTT e Senior Advisor da Morgan Stanley, cargos que acumula com a presidência do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG).
Foi com os sapatos de presidente do IPCG que João Moreira Rato conversou com o Expresso SER para explicar as alterações que o Instituto fez no Código de Governo das Sociedades. Este código é um documento que em 2020 substituiu o Código de Governo da CMVM e que é utilizado, atualmente, por quase 40 grandes empresas, contendo princípios e recomendações sobre as boas práticas de governo societário.
Este ano o Código de Governo das Sociedades foi revisto e passou a incluir um novo capítulo sobre sustentabilidade. E é logo o primeiro. O Código passa a determinar que as empresas, “na sua organização, no seu funcionamento e na definição da sua estratégia” contribuam “para a prossecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos no quadro da Organização das Nações Unidas, em termos que sejam ajustados à natureza da sua atividade e à respetiva dimensão”. E recomenda às empresas que passem a identificar “as principais políticas e as principais medidas adotadas no que respeita ao cumprimento dos seus objetivos ambientais e sociais”.
Porque estas alterações? João Moreira Rato, explica que “existe um aumento da preocupação dos investidores com o tema, mas também por parte de outros stakeholders como os bancos credores, clientes ou fornecedores. À medida que a nova geração de millennials vai acumulando riqueza e capacidade de tomada de decisão nos diferentes campos profissionais, estas preocupações vão tendendo a aumentar”.
Além de um novo capítulo, há novos conceitos relacionados com sustentabilidade e ESG (sigla inglesa para ambiente, responsabilidade social e governança) que são introduzidos em vários outros capítulos do novo Código. Por exemplo, no capítulo sobre o perfil dos membros dos órgãos sociais, pede-se “particular atenção à igualdade entre homens e mulheres”. No capítulo sobre o controlo interno, passa-se a recomendar igualmente às empresas uma “análise do risco climático”.
As novas regras e canais de denúncia de whistleblowing e a transparência quanto à utilização de inteligência artificial como instrumento de tomada de decisão pelos órgãos sociais são outras das novidades do Código de Governo das Sociedades que João Moreira Rato explica em discurso direto.
O Código de Governo das Sociedades sofreu este ano uma nova revisão. Quais foram as principais alterações ao Código? Esta revisão do Código de Governo das Sociedades pretendeu dar outro destaque ao tema da sustentabilidade, que passa a merecer um novo capítulo e um destaque especial nos princípios gerais. Incluem-se também recomendações para que sejam levados em consideração os riscos climáticos.
Foi também, no que diz respeito aos órgãos sociais, aprofundado o papel dos administradores não executivos, tal como o papel da comissão ou comité de risco e da comissão de remuneração. Passaram a ser consideradas as ações especiais com direito ao voto plural.
Densificou-se a recomendação de whistleblowing, com o alargamento da recomendação, para que o canal de denúncia interna esteja acessível a não trabalhadores e com vista à publicação de regras claras, transparentes e públicas quanto ao processo a seguir em caso de denúncia.
Considerou-se a recomendação de transparência quanto à utilização de inteligência artificial como instrumento de tomada de decisão pelos órgãos sociais.
Porquê acrescentar um capítulo sobre Sustentabilidade? Nos últimos anos tem-se assistido a um aumento da apresentação de propostas em Assembleia Geral, pelo mundo fora, relacionadas com preocupações de sustentabilidade. Existe um aumento da preocupação dos investidores com o tema, mas também por parte de outros stakeholders como os bancos credores, clientes ou fornecedores. À medida que a nova geração de millennials vai acumulando riqueza e capacidade de tomada de decisão nos diferentes campos profissionais, estas preocupações vão tendendo a aumentar.
Nesta nova versão pedem às empresas para estarem atentas às relações com “com acionistas, partes interessadas e a comunidade em geral” e já não só com os “investidores”. Porque esta alteração de abrangência? Por um lado, torna-se cada vez mais evidente que para que uma empresa crie valor no médio e longo prazo, terá de levar em consideração o entorno em que opera. O aumento da qualidade de vida dos seus colaboradores é vital para a evolução da sua produtividade.
Por outro lado, a satisfação dos seus clientes e dos seus fornecedores é também um fator de resiliência para a empresa no longo prazo. Por outro lado, os impactos negativos que a empresa possa ter na sociedade são cada vez mais levados em consideração pelos investidores. Existe uma pressão cada vez mais forte para se minimizarem decisões nocivas e irreversíveis. Um exemplo clássico é o da utilização de antibióticos na produção de frangos, que tende a aumentar a resistência aos mesmos na população, com efeitos muito negativos em termos de saúde pública. Nestes casos, é de esperar que os próprios acionistas destas empresas exerçam pressão para que esta utilização seja mais contida.
TIAGO MIRANDA
“Os impactos negativos que a empresa possa ter na sociedade são cada vez mais levados em consideração pelos investidores.”
Sente que as empresas em Portugal estão sensibilizadas para estes temas de sustentabilidade e para os ODS? Penso que ainda existe uma diferença grande, e de alguma forma natural, de sensibilização entre as maiores empresas, boa parte delas cotadas, e as PME: As primeiras têm mais obrigações de reporte e maior escrutínio por parte dos acionistas, as segundas vão aos poucos sentindo a pressão por parte dos bancos e dos clientes.
Preocupa-o fenómenos como o greenwashing ou o socialwashing no mundo corporativo? Penso que ainda existe muito caminho a percorrer em termos da materialidade da informação que se divulga em matérias de ESG. Ainda se perde muito espaço na divulgação de medidas simbólicas.
Acha que as empresas deveriam ter alguém/uma equipa/um administrador focado no tema da sustentabilidade? A resposta é sim, penso que para as grandes cotadas vai ser cada vez mais importante ter equipas com um maior grau de especialização nestes temas. Mas também as PME, com a necessidade de fornecer mais informação aos clientes, quando se integram num supply-chain, e aos bancos com que operam, vão ter de fortalecer equipas nestas áreas.
No capítulo II do Código sobre a composição dos órgãos sociais, introduzem uma frase nova a chamar a atenção para a igualdade entre homens e mulheres. A igualdade de género ainda é um problema nas nossas empresas? Basta olhar para a composição dos órgãos sociais das empresas para se concluir que ainda é um tema, apesar de se ter evoluído muito nos últimos anos.
O Código de Governo das Sociedades do IPCG substituiu o então Código da CMVM em 2020. Quantas empresas seguem o Código de Governo das Sociedades? É de aplicação obrigatória para algumas empresas? No último processo de monitorização participaram 36 empresas, onde apenas uma era não cotada. Por lei, as cotadas têm de adotar um Código de Governo, e em Portugal o do IPCG é o que é utilizado, após a CMVM ter revogado em 2018 o seu próprio Código, abrindo assim espaço para o surgimento deste novo sistema de monitorização. Temos tido o cuidado de dar informação pública sobre as alterações que vamos introduzindo, primeiro em 2020 e agora em 2023, para ajudar as empresas a melhor se prepararem para a adoção do Código.
Como tem evoluído o grau de cumprimento das recomendações feitas pelo Código? 88% das recomendações presentes no Código de Governo das Sociedades do IPCG foram implementadas pelas empresas que integram o índice PSI, verificando-se um aumento de 5 pontos percentuais face ao ano de 2020. No grau de implementação do universo monitorizado tem denotado uma estabilização, mas este tem vindo a integrar cada vez mais empresas.
As novas diretivas europeias que estão a caminho, como a do “dever de diligência”, já influenciaram ou vão influenciar os princípios/recomendações feitas pelo Código? As revisões do Código visam integrar as alterações no entorno regulatório já anunciadas, mas também a tendência esperada em termos de evolução regulatória pelos especialistas que fazem parte da CAM (Comissão de Acompanhamento e Monitorização).