“Não paramos”: milhares de professores protestaram em Lisboa, poucos têm esperança no Governo [com fotogaleria]
TIAGO MIRANDA
TIAGO MIRANDA
122
Do Marquês de Pombal ao Terreiro do Paço, em Lisboa, milhares de profissionais do setor da educação ocuparam as ruas em protesto. Entre professores com mais de 30 anos de carreira e outros acabados de chegar à profissão, as reivindicações são transversais: reposição do tempo de serviço e acesso aos 5º e 7º escalões. Mas há mais. Pedem menos burocracia e redução nas horas de trabalho. Quanto a resultados, a esperança é a “última a morrer”, mas temem que fique “tudo igual”
Faltavam duas horas para o início da manifestação dos professores, convocada pela Fenprof, pela Federação Nacional da Educação (FNE) e por outros sete sindicatos independentes, e já se viam muitas dezenas de profissionais espalhados pelo Marquês de Pombal, em Lisboa, neste sábado. As 600 camionetas previstas, oriundas de vários pontos do país – e o catamarã do Barreiro –, contribuíram para adensar a mancha de pessoas que ocupou toda a Avenida da Liberdade, culminando no Terreiro do Paço onde estava montado o palco dos sindicatos.
Com faixas, cartazes, apitos e cânticos, foram milhares os profissionais do setor da educação que se uniram para reivindicar melhores condições de trabalho, sempre com o foco nas duas maiores exigências: a recuperação do tempo de serviço – os 6 anos, 6 meses e 23 dias que ficaram por descongelar – e o fim das quotas e vagas de acesso ao 5º e 7º escalões. Mas as queixas não se ficam por aqui. O pessoal docente e não docente diz sentir-se desvalorizado pelo Governo e pede melhores condições de trabalho. Se o Governo não ceder, voltam para as ruas. Nisso, todos concordam.
De Castelo Branco até Lisboa, Jorge Gameira foi um dos professores que fez questão de marcar presença na manifestação deste sábado. Com 35 anos de carreira, passou 10 anos com a “casa às costas” quando ainda não havia acesso ao subsídio de desemprego entre contratos. “Nesse aspeto, as coisas estão melhores. Mas ainda há muito a fazer”. O professor de Português e Francês na Escola Ribeiro Sanches de Penamacor, em Castelo Branco, fez 225 quilómetros num dos 11 autocarros que se deslocaram do seu distrito.
À semelhança de grande parte dos seus colegas, quer ver o tempo de serviço ser reposto integralmente. “O Governo vem dizer que não há dinheiro quando já se investiu milhões na TAP, nos bancos e a situação dos professores permanece igual. Há dinheiro para tudo menos para os professores”, queixa-se. A par disto, o professor denuncia ainda o salário que fica “cá para trás” quando comparado com a “restante carreira técnica” e o “serviço cada vez mais burocrático”. “Em vez de estarmos a leccionar, estamos perdidos entre burocracia”. O somar destas situações levam a um “descontentamento generalizado” entre o setor.
Elsa Viola, porta-voz da Escola Secundária Gago Coutinho, em Alverca, é presença frequente nos protestos do seu setor. Tal como Jorge Gameira, também a professora de História reclama a “carga burocrática” e defende que as “horas letivas” são uma “falácia”. “Os professores muitas vezes trabalham 50 horas semanais”. Além destas reivindicações, este grupo de professores mostra-se ainda contra a “municipalização e o conselho de diretores”. “Essa ideia prolonga a corrupção e o nepotismo que já existe”. Elsa Viola aproveita para apelidar os serviços mínimos decretados pelo Governo como “aberração” e “ilegalidade”. “Nunca serão os nossos alunos a sair prejudicados porque faremos tudo para os compensar. Não estamos aqui a brincar aos professores”, atira ao ministro da Educação.
O pedido por melhores condições de trabalho é ouvido quase na mesma frequência que os cânticos que repetem “não paramos” ou que adaptam músicas como o “Bella Ciao” (para ""Costa Ciao"). Cláudia Carvalho, professora de Matemática no Agrupamento de Escolas de Esmoriz – Ovar Norte, no distrito de Aveiro, é uma dessas vozes. “Se melhorassem as condições de trabalho que temos valeria muito mais do que o salário”. A diretora de turma garante que a sua classe vive “mergulhada em burocracia” e lembra “pequenos benefícios” que podiam fazer a diferença na satisfação do setor da educação. “Não consegui arranjar vaga para os meus filhos na escola onde leciono e fui obrigada a colocá-los no privado”. Tal como os colegas de profissão, Cláudia Carvalho queixa-se das “horas letivas” que nunca são “realmente reduzidas” porque é necessário “prestar apoio aos alunos”.
Para quem acaba de integrar a profissão, as perspetivas também obrigam a marcar presença nestas contestações. “No ano em que me formei, só se formaram cinco professores. Não é uma profissão apelativa porque não há boas condições”, partilha com o Expresso Catarina Ferreira, de 27 anos, que iniciou a carreira de docente há dois. As colocações e a falta de apoio na habitação são duas das dificuldades apontadas pela professora de Português no Agrupamento de Escolas Alapraia, no distrito de Lisboa.
Aos docentes e não docentes, juntam-se ainda vários estudantes de Educação. “As condições atuais dos professores não são justas. Se quero ser professora tenho de começar a lutar já pelo futuro que vou ter”, explica Joana Gomes, de 19 anos, estudante de Educação Básica na Escola Superior de Educação de Lisboa (ESELx). A falta de professores que já se está a sentir e também se reflete no ensino superior. “Notamos que cada vez entram menos pessoas [na ESELx] e tem tudo a ver com as condições que são dadas”.
“Não vi o início nem o fim desta manifestação”
Com uma adesão prevista de 120 mil pessoas – um número semelhante ao da megamanifestação de 2008 que pedia a demissão ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues –, o protesto deste sábado contou com “mais de 150 mil pessoas”, avançou Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, durante o discurso de encerramento. “Hoje estamos a apontar, sem medo de errar, para dizer que nas ruas, [entre] professores, as famílias e gente solidária, esta manifestação teve mais de 150 mil a descer a Avenida [da Liberdade]”. O dirigente sindical chegou a dizer que esta foi “provavelmente” a “maior manifestação de sempre de professores e educadores em Portugal”. A verdade é que já passava das 19 horas e centenas de professores continuavam a descer as ruas da baixa lisboeta em direção ao Terreiro do Paço.
“É enorme. Ainda não vi o princípio nem o fim desta manifestação”, partilhou Margarida Santos, professora de Português no Agrupamento de Escolas de Santiago do Cacém, no distrito de Setúbal, enquanto ocupava uma das laterais da Avenida da Liberdade. A professora, com 26 anos de serviço, deixou uma crítica ao executivo socialista: “Quem não ouve quem está na rua, não está a ouvir o país. E não estamos só a falar do ministro da Educação, estamos a falar do Governo que está a fazer ouvidos moucos a este problema e aos professores”.
Apesar da enorme adesão à manifestação, a esperança de que esta se traduza numa mudança efetiva por parte do Governo é baixa. “[A presença na manifestação] para nós, professores, faz a diferença, sentimo-nos mais unidos. Mas em relação ao Governo, duvido. Não acho que seja só porque é o PS, se fosse outro partido qualquer [no Governo] era igual. As injustiças não são de agora”, entristece-se uma educadora do Agrupamento Pinheiro e Rosa, em Faro, que preferiu não ser identificada. Contudo, garante que a luta do setor da educação não vai ficar por aqui se as reivindicações não forem tidas em conta pelo poder político. “Viremos [para a rua] as vezes que forem necessárias”.
Elsa Viola, também mantém um tom pesado, mas convicto. “A esperança é a última a morrer, mas o que está em cima da mesa ainda não nos satisfaz”. A par da recuperação dos 6 anos, 6 meses e 23 dias – que aparecem não só em inúmeros cartazes, mas também em balões nas mãos de alguns dos participantes –, a professora da Escola Secundária Gago Coutinho, em Alverca, exige ainda a inclusão do pessoal não docente “nas negociações”. “[Até aqui] não tem existido abertura nenhuma, mas não vamos parar. Vamos continuar a lutar. Estamos unidos”, garante. A esta resistência junta-se Margarida Santos: "A Avenida da Liberdade está cheia e voltará a ficar as vezes que forem precisas até haver soluções e cedências”.
Na próxima semana, a 15 e 17 de fevereiro, arranca a nova ronda negocial entre os sindicatos de professores e o Ministério da Educação. Durante o discurso no Terreiro do Paço, a Fenprof anunciou que, caso não resulte nenhum acordo destas negociações, avançará a “chamada negociação suplementar”, que deverá ocorrer nos dias 2 ou 3 de março. Ainda assim, o sindicato propõe já que os profissionais da Educação voltem às ruas nesses mesmos dias. “Todos os distritos do país, de Coimbra para Norte, façam greve” a 2 de março, com a inclusão do Porto. No dia seguinte, a Fenprof apela a uma “grande manifestação em Lisboa” e em “todos os distritos de Leiria para Sul”.