Coronavírus

Covid-19. Eleições em pandemia? O que fizeram estes quatro países em 2020

Eleitores no estado de Nevada, no dia da eleição presidencial dos EUA
Eleitores no estado de Nevada, no dia da eleição presidencial dos EUA
RONDA CHURCHILL

França, Itália, Brasil e Estados Unidos são alguns dos países que tiveram eleições em 2020. Entre adiamentos, as medidas sanitárias habituais ou regras nunca testadas, aqui ficam exemplos do que aconteceu em anteriores idas às urnas a meio de uma crise sanitária

A pouco mais de duas semanas das eleições presidenciais em Portugal, é já certo que a 24 de janeiro o país estará numa das fases mais críticas da pandemia.

O dia de voto, a um domingo, deve abrir uma brecha no confinamento parcial que tem sido regra aos fins de semana na maioria dos concelhos, mas as câmaras municipais vão fazer entrega e recolha de boletins de voto em casa, além de se prever uma possível corrida ao voto antecipado.

Esta quarta-feira, Ana Gomes criticou a falta de medidas mais abrangentes para o dia da eleição, sobretudo para o caso dos emigrantes, “que estão, muitos deles, em países impossibilitados de exercer o seu direito”. À frente da candidata estava Tino de Rans, também na corrida presidencial, que defendeu o adiamento das eleições.

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) lançou esta semana uma campanha, a que chamou “Votar é seguro”, que compara o ato eleitoral a uma ida ao café ou às compras. “Ir ao café é seguro, votar também”, ouve-se num dos anúncios já disponível online e que estará também nos canais tradicionais de televisão.

O CNE explicou à agência Lusa que a ideia é evitar “desculpas” para a abstenção e garantiu que os membros das mesas de voto farão uma fiscalização apertada do cumprimento das regras, como o distanciamento, as máscaras, as possíveis aglomerações à entrada e à saída. E informou que os idosos vão poder sair dos lares para votar, sem necessidade de quarentena.

Além dos avisos, o Governo vai gastar no dia da eleição cerca de 480 mil euros em equipamento sanitário, como máscaras, viseiras, batas, luvas e álcool, uma medida também tomada por outros países que tiveram eleições em plena pandemia.

O Expresso olhou para quatro exemplos próximos, geográfica ou culturalmente, para comparar com o que está — ou pode vir a estar — a acontecer por cá.

Estados Unidos

A pandemia redesenhou as eleições presidenciais no país a vários níveis. Não só politicamente, já que serviu para enfraquecer um Presidente que em fevereiro de 2020 parecia bem encaminhado para a reeleição, como porque mudou a configuração prática da votação.

Em setembro, após as primárias dos partidos, a Human Rights Watch publicou um relatório que acusava as autoridades estaduais de prejudicar o direito ao voto de alguns cidadãos. “What Democracy Looks Like: Protecting Voting Rights in the US during the Covid-19 Pandemic” ["Assim é a democracia: proteger o direito de voto nos EUA durante a pandemia de covid-19"] analisou as alterações promovidas por causa da pandemia em estados como o Arizona, a Pensilvânia, a Carolina do Norte e o Wisconsin e concluiu o seu impacto discriminatório, nomeadamente face a negros e latinos.

Com menos espaços de votação abertos, as filas acumularam-se e os acessos tornaram-se mais difíceis, o que prejudicou quem não podia abdicar de um dia de trabalho ou enfrentava maiores dificuldades de mobilidade e transporte.

O fecho de algumas secções de voto contradiz a recomendação de evitar aglomerações em pequenos espaços. Vários foram também os relatos de cidadãos que temeram que o uso de transportes públicos os tornasse mais vulneráveis ao contágio.

“Durante as primárias de 2020 nos EUA, muitos eleitores depararam-se com locais de votação fechados ou longas filas, ou tiveram que escolher entre o direito ao voto ou a sua saúde”, disparou Alison Parker, diretora adjunta da organização nos EUA e autora do relatório.

Voto por correspondência foi decisivo nas eleições presidenciais norte-americanas
Kent Nishimura

Nas eleições presidenciais de 3 de novembro, em que Joe Biden recuperou para o Partido Democrata a cadeira ocupada por Donald Trump, o cenário alterou-se. Como forma de incentivar a participação eleitoral, vários estados flexibilizaram o voto antecipado, quer fosse por correio, quer presencial.

O primeiro método foi suficiente para virar o resultado da eleição (os votos por correio desempataram a corrida a favor de Biden). Entre uma e outra forma, mais de 100 milhões de norte-americanos votaram antes do dia 3 de novembro, evitando juntar-se às filas.

O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) emitiu uma série de recomendações para agilizar a votação no próprio dia. Entre elas, o apelo a que cada eleitor levasse todo o material necessário, como uma caneta, os formulários preenchidos e a documentação preparada, além dos materiais relacionados com a pandemia, como máscaras e álcool gel.

Cem milhões de norte-americanos votaram antecipadamente, e fugiram às filas no dia da eleição

Às pessoas a cumprir quarentena ou com confirmação de estarem infetadas foi pedido que avisassem os responsáveis das mesas de voto e tomassem cuidados extra.

Certo é que, se a logística complicada podia fazer antever uma abstenção maior, o resultado foi uma votação recorde de quase 160 milhões de norte-americanos.

Brasil

Neste caso, as eleições foram municipais, já no fim do ano. E o primeiro impacto da pandemia foi alterar-lhes a data: de 4 de outubro (a 1.ª volta) e 25 de outubro (a 2.ª), as municipais do Brasil foram adiadas para 15 e 29 de novembro, após uma emenda constitucional aprovada pelo Congresso.

A decisão teve por base os dados entregues ao Congresso e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por epidemiologistas, virologistas e outros especialistas de saúde pública, que previram uma queda do número de infeções para novembro.

Horário de votação foi alargado uma hora para dispersar eleitores no Brasil, mas nem isso fez cair a abstenção. Medo de contágio pode explicar parte da recusa em votar

Não é certo que o contágio tenha sido menor graças a esse mês de diferença, mas a incerteza em relação à pandemia, e os números elevados de contágio no Brasil, puseram de parte a ideia de adiar a votação para 2021.

No final das duas voltas, as municipais do Brasil foram as menos participadas das duas últimas décadas. Ainda que o resultado não possa ser apenas atribuído à pandemia, o receio de contágio pode ter desincentivado alguns eleitores, o que levou o presidente do TSE, Luís Barroso, a ver o copo meio cheio. “Em plena pandemia, tivemos um índice de abstenção pouca coisa superior ao das eleições passadas.”

As medidas de segurança incluíram um aumento do horário de votação — início às 7h em vez de às 8h, para distribuir os eleitores —, sendo que nos primeiros horários, entre as 7h e as 10h, pessoas com mais de 60 anos tiveram prioridade.

Além de máscaras, álcool e viseiras, no Brasil foi alargado o horário de votação, que deu prioridade nas primeiras horas a pessoas com mais de 60 anos
NELSON ALMEIDA

Ao contrário dos EUA, no Brasil uma pessoa infetada com covid-19 era desaconselhada de ir votar. Como o voto no país é obrigatório, estar a fazer quarentena por sintomas ou contágio era justificação suficiente para ausência e isenção de multa.

França

Já as restrições tomavam conta da rotina dos franceses quando chegou a data de mais uma eleição. A 15 de março, dia da primeira volta das municipais em França, houve um alívio das medidas para que a votação não fosse prejudicada. No entanto, a abstenção foi alta e as críticas não cessaram. Por essa altura, havia 5400 franceses com infeção e 120 tinham morrido por causa dela.

Para a segunda volta, marcada para dali a uma semana, 22 de março, o Governo francês não arriscou fazer o mesmo. Decidiu-se pelo adiamento, para 28 de junho, mais de três meses depois da primeira volta.

Apesar das fortes medidas sanitárias, nem por isso a abstenção foi menor. Apenas quatro em cada dez eleitores compareceram nas mesas de voto, que obrigavam ao uso de máscara e garantiam aos eleitores álcool gel para desinfetar as mãos antes e depois do voto.

Itália

O país mais afetado pela primeira vaga da pandemia na Europa tinha eleições marcadas para março. O tempo verbal é mesmo esse: não teve, já que o adiamento foi inevitável.

Em Itália, os idosos, incluídos nos grupos de risco, tiveram prioridade nas filas para votar no referendo e nas eleições regionais de 2020
NurPhoto

A 29 de março, o dia em que os italianos deviam ter sido chamados às urnas para votar uma proposta de redução do número de deputados no Parlamento, o país estava em confinamento total. O referendo, a que se juntaram sete eleições regionais, foi adiado para setembro, com fortes medidas de segurança.

Os eleitores com mais de 65 anos tiveram acesso prioritário às mesas de voto e foram conduzidos através das filas por membros da proteção civil italiana

Além de máscaras e distanciamento físico, os eleitores com mais de 65 anos tiveram acesso prioritário às mesas de voto e foram conduzidos através das filas por membros da proteção civil italiana. As cédulas de voto, ao contrário do que acontecia anteriormente, foram depositadas nas urnas pelos próprios eleitores, e não pelos responsáveis das mesas. E mostrar o rosto foi possível só mesmo durante alguns segundos, para cumprir o processo de identificação dos votantes.

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