Coronavírus

Covid-19. Para ultrapassar “este período terrível”. Media discutem crise no sector com o Presidente da República

Francisco Pedro Balsemão, presidente executivo da Impresa, foi um dos líderes de grupos de comunicação social recebidos pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa
Francisco Pedro Balsemão, presidente executivo da Impresa, foi um dos líderes de grupos de comunicação social recebidos pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa
MIGUEL FIGUEIREDO LOPES / LUSA

Incentivos à produção e à exportação, apoios para acelerar a transformação digital, harmonização de regras sobre as gigantes tecnológicas e apoio à produção nacional de ficção e entretenimento foram algumas das medidas que os líderes dos grupos de media apresentaram a Marcelo Rebelo de Sousa. Vários consideram que a compra antecipada de publicidade institucional pelo Estado é “insuficiente”

Um dia depois de ter renovado, no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o apelo para que o Estado apoie a comunicação social “de forma transparente e não discriminatória”, o Presidente da República decidiu ouvir os líderes de alguns dos principais grupos de comunicação social em Portugal: RTP, Impresa (dona do Expresso), Media Capital, Cofina, Lusa e Renascença Multimédia.

Muitos foram recordar as fortes quebras nas receitas que estão a sentir com a atual crise provocada pelo novo coronavírus, com quedas acentuadas nas receitas publicitárias.

“O sector dos media tem uma grande dependência da publicidade, uma vez que grande parte da sua faturação vem daí”, afirmou o presidente executivo da Impresa, depois da audiência com Marcelo Rebelo de Sousa. “Apesar de nunca ter havido tanta audiência em televisão e tanta gente a ir aos nossos sites e a comprar jornais, como o país e o mundo pararam, há uma grande dificuldade em captar investimento publicitário. Há quedas no mercado de 50% a 60%, não só em Portugal, mas em todo o mundo.”

Foi por isso que Francisco Pedro Balsemão aproveitou o momento para apresentar um conjunto de soluções ao Presidente da República. Defendeu não só o desagravamento de “algum tipo de temas fiscais, como é o caso dos anunciantes” (pois poderá levar a mais investimento publicitário), mas também a harmonização das regras sobre as gigantes tecnológicas, “que se apropriam muitas vezes indevidamente dos investimentos publicitários”. Incentivos à produção e à exportação, medidas para acelerar a transformação digital e apoios para a VASP, distribuidora de títulos de imprensa, foram também outras das propostas apresentadas.

A estas, o presidente executivo da Media Capital acrescentou outra: “apoio à produção nacional de ficção e entretenimento, assegurando postos de trabalho bem como a nossa imagem no mundo”. Esta é uma proposta bastante relevante para o grupo, tendo em conta que Luís Cabral divulgou esta segunda-feira que recorreu ao lay-off (que prevê redução de horário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho) na produtora Plural, uma vez que teve “uma verdadeira paragem de atividade na produção de novelas”. “À semelhança de todas as produtoras de ficção, estamos parados”, acrescentou, sem adiantar ao Expresso detalhes sobre a data de início do lay-off e o número de pessoas abrangidas.

O impacto da atual crise na dona da TVI “está a ser enorme” e todos os dias o grupo está “a acompanhar os acontecimentos e a fazer ajustes nas empresas e nos conteúdos”, com vista a ultrapassar “este período terrível”, explica ao Expresso. O foco está agora no “controlo muito grande de custos” e na “gestão muito racional e equilibrada”, diria também aos jornalistas, depois da audiência com Marcelo. Recorde-se que a Media Capital tem, neste momento, em cima da mesa uma proposta de compra de 30,22% por Mário Ferreira, dono da empresa turística Douro Azul – depois da proposta da Cofina, na qual o empresário participava, ter sido abortada.

Já o presidente do grupo Renascença Multimédia, Américo Aguiar, aproveitou o dia de hoje para defender que “é fundamental garantir” que as empresas de comunicação social “possam funcionar”, alertando para os riscos da desinformação que se propaga nas redes sociais.

Lusa negoceia moratórias de três meses com os clientes

Também a Lusa e a RTP foram recebidas no Palácio de Belém pelo Presidente da República. Apesar de nenhuma das duas ser abrangida pelo apoio do Estado ao nível da compra antecipada de publicidade institucional, recebem uma indemnização compensatória de 12,8 milhões de euros, um valor igual ao dos últimos três anos.

Mas isso não é suficiente para a Lusa enfrentar as dificuldades vividas junto dos seus clientes, nos quais estão incluídos os órgãos de comunicação social. “Estamos a negociar moratórias por três meses: maio, junho e julho”, garante o presidente do conselho de administração da Lusa. “Há casos mais problemáticos, outros que pensamos que serão passíveis de recuperação ao longo do ano. A situação não é fácil.”

Ainda assim, Nicolau Santos espera que haja “alguma retoma na segunda metade do ano, nomeadamente em matéria de publicidade, e que também as assinaturas digitais compensem sobretudo os órgãos de comunicação escritos que precisem desses apoios”. Acredita que o orçamento da Lusa chegará até ao final do ano, conseguindo “acomodar as principais perdas” que tenha até lá.

Gonçalo Reis, por sua vez, rejeita a necessidade de “ajudas financeiras adicionais” à RTP. “O que está em cima da mesa é um pacote de estímulos ao sector da comunicação social, nomeadamente à imprensa, e a RTP não deve beneficiar desses estímulos”, sublinha, acrescentando que a crise já não é nova – como foi, aliás, evidenciado na conferência organizada no final do ano passado pelo Sindicato dos Jornalistas, com o patrocínio da Presidência da República. “Nessa altura já se falava sobre uma situação exigente e de muita transformação. Face a um panorama já de si exigente, vivemos agora uma situação ainda mais exigente.”

Tanto o líder da RTP como o da Lusa consideram o apoio do Governo aos media privados, através da compra antecipada de publicidade institucional no montante global de 15 milhões de euros, é “generoso” (nas palavras de Nicolau Santos) e “perfeitamente razoável, equilibrado e expectável” (nas palavras de Gonçalo Reis).

Luís Cabral mostra-se “muito agradecido”, diz ao Expresso que o apoio “é uma ajuda importantíssima e um sinal de que o Governo e o Presidente da República reconhecem a excecionalidade deste sector”, mas realça que “não é suficiente”. “A quebra [nas receitas] que sentimos é superior ao apoio que vamos ter”. Francisco Pedro Balsemão, por sua vez, refere que este modelo “não assistencialista” faz sentido, mas o valor “fica aquém das expectativas” e abaixo da proposta apresentada pela Plataforma de Media Privados, à qual a Impresa pertence.

Marcelo Rebelo de Sousa parece reconhecer as críticas, ao sublinhar que a compra antecipada de publicidade institucional pelo Estado é uma boa “medida de urgência” do Governo, adiantando que é necessário olhar para as “evoluções possíveis”. Foi isso que procurou fazer com os grupos de comunicação social que recebeu esta segunda-feira no Palácio de Belém, em Lisboa.

Referindo que “esta crise económica e social naturalmente tem repercussões” no sector dos media, o Presidente da República rematou: “Não há democracia sem liberdade de imprensa e não há liberdade de imprensa se os jornais, as rádios e as televisões estiverem falidos”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mjbourbon@expresso.impresa.pt

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