No final da apresentação do relatório final da comissão que avaliou os abusos sexuais de menores na Igreja e que chocou pela crueza dos relatos, os membros deste órgão que cessa funções neste 13 de fevereiro responderam a perguntas dos jornalistas sobre as dúvidas que ficaram no ar.
O número de casos enviados ao MP é uma desilusão?
Laborinho Lúcio, ex-ministro da Justiça e juiz conselheiro já jubilado foi cristalino: “Não podemos esperar grandes resultados do ponto de vista criminal.” A esmagadora maioria dos 512 caos denunciados e validados pela comissão independente “já prescreveu” ou têm proveniência “anónima” e por isso não foram enviados ao Ministério Público para serem devidamente investigadas. E parte dos 25 casos que foram enviados “são praticamente impossíveis” de provar, admite o jurista que argumenta que isso não pode ser “uma desilusão”: “O Estado tem mãos-largas e passam muitos casos entre os dedos. Não podemos ter a tentação de, perante um caso concreto, mudar as regras e a lei. Não somos um Estado totalitário. E a Lei diz que, passado determinado número de anos, os casos prescrevem. E é assim que tem de ser. Mas o objetivo desta comissão não é nem nunca foi o de punir. O importante era dar a conhecer o que aconteceu. E isso foi feito”.
Quantos padres são suspeitos?
Segundo o coordenador da comissão, “no final do mês o número de padres suspeitos ainda em atividade vai ser enviado à conferência episcopal Portuguesa”. Pedro Strecht não revelou o número total de padres denunciados e disse esperar que a Igreja não “arquive” a lista dos que ainda estão em atividade. “Eu, parafraseando Humberto Delgado, obviamente demitia-os”. Para o pedopsiquiatra, “nestes casos não bastam retiros espirituais”. “Não há millagres”, acrescentou.
Vítimas devem ser indemnizadas?
Strecht revelou que nenhuma das vítimas ouvida pela comissão afirmou estar à espera de ser indemnizada. Mas ainda assim, de acordo com Laborinho Lúcio, esta comissão sugeriu a criação de outra comissão para que os casos fossem avaliados individualmente e calculado um valor a ser pago. “O que as vítimas querem é um pedido formal de desculpas que se materialize em algo simples e simbólico. Não precisa de ser um altar de cinco milhões”, ironizou Pedro Strecht. Daniel Sampaio defendeu que as vítimas passem a ser seguidas por especialista de saúde mental.
Quantos bispos ocultaram estes casos?
Para Laborinho Lúcio, “é claro que houve abusos e é inequívoco” que houve "ocultação por parte da Igreja". Mas mais importante do que “fazer sangue” e apontar o dedo a quem ocultou “com respaldo da lei, porque o crime de abuso sexual de crianças só se tornou público desde 2007” é “mudar a cultura e instituir uma desocultação que eu penso que já está acontecer". “Apesar de muitos desejarem um retorno a essa cultura, a maioria das pessoas da igreja não quer que isso aconteça. Preferimos isso do que ir atrás de meia dúzia de ocultadores”, disse.
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