Abusos

Abusos na Igreja: comissão recebeu 512 testemunhos validados de vítimas e enviou 25 casos para o MP

Pedopsiquiatra Pedro Strecht
Pedopsiquiatra Pedro Strecht
ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Coordenador da comissão de abusos de menores por padres revela que 97% dos abusadores eram homens e 77% padres. Só vinte cinco casos foram enviados para o Ministério Público. Rede de vítimas pode eventualmente chegar a “um número mínimo” próximo das 5 mil pessoas

Abusos na Igreja: comissão recebeu 512 testemunhos validados de vítimas e enviou 25 casos para o MP

Rui Gustavo

Jornalista

Abusos na Igreja: comissão recebeu 512 testemunhos validados de vítimas e enviou 25 casos para o MP

Hugo Franco

Jornalista

Pedro Strecht, coordenador da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja, revelou esta segunda-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, que houve 512 testemunhos validados de vítimas de padres, num total de 564 testemunhos. A rede de vítimas pode eventualmente chegar a “um número mínimo” de 4815 pessoas. Esse número é apenas a ponta do icebergue, revelou um sociólogo que trabalhou os dados recolhidos pela comissão.

Logo no início da conferência de imprensa, Strecht disse que o relatório final elaborado pela comissão é uma “homenagem sincera a todas as vítimas”. E fez uma referência a diversos testemunhos anónimos de vítimas: “É difícil que tudo fique igual no campo dos abusos sexuais”; “Sei que não fui só eu”; “Tenho 71 anos e nunca esqueci nem esquecerei dos abusos”; “Falar foi um ato libertador. Obrigado”;

Na sala, a ouvir os dados e os relatos dos membros da Comissão independente, estiveram membros da Conferência Episcopal Portuguesa que esta tarde realizam uma conferência de imprensa sobre o mesmo tema na Universidade Católica.

Pedro Strecht avançou também que 52% das vítimas de abusos de padres eram rapazes e 42% raparigas, um número superior ao de outros estudos independentes a abusos da Igreja na Europa. A esmagadora maioria das crianças foi abusada mais do que uma vez.

Segundo os dados da comissão, 58% das vítimas vivia com os pais, 20% em instituições e 7% viva apenas com a mãe.

Strecht adiantou que 25 dos casos seguiram para o Ministério Público abrir investigações. O responsável admite que é um número baixo explicado pela prescrição e anonimato.

As vítimas tinham em média 11,2 anos quando começaram a ser abusadas, um número um pouco mais baixo nos rapazes do que nas raparigas. A média atual de idades destas vítimas é de 52 anos, um número abaixo ao de comissões de outros países europeus e 20% têm menos de 40 anos. A maioria reside em território português e há casos em todos os distritos. Lisboa, Porto, Braga, Santarém e Leiria foram os distritos com mais casos relatados de abusos.

Maioria das vítimas nunca se tinha queixado à Igreja

O pico dos abusos deu-se entre os anos 60 e 90. Os principais locais de abusos foram os seminários, colégios internos geridos pela Igreja, casas paroquiais ou em agrupamentos de escuteiros. Mais concretamente, 23% dos abusos ocorreram nos seminários, 18% nas igrejas, 14% nos confessionários, 13% na casa dos padres. Outros dados importantes: 77% nunca se queixou à Igreja, 43 % das vítimas denunciaram o caso pela primeira vez e só 4% das que falaram à comissão tinham recorrido à Justiça.

O pedopsiquiatra revela que 97% dos abusadores são homens e 77% eram padres.

Stretch chamou ainda a atenção de que o número de abusadores é baixo e que é importante não confundir a parte com o todo.

Daniel Sampaio, membro da Comissão Independente, revelou que “existe um problema geral de abuso sexual de menores que tem de ser estudado”. O especialista lembra que os abusadores são pessoas inseridas profissionalmente e os tratamentos terapêuticos não têm corrido bem. “O acompanhamento espiritual é importante, mas não é suficiente”, diz o Daniel Sampaio.

Laborinho Lúcio, ex-ministro da Justiça, considera que não é "líquido" que os membros da igreja sejam obrigados legalmente a denunciar os casos de abusos sexuais de crianças de que tenham conhecimento, mas que há uma "obrigação moral" de o fazer. A esmagadora maioria dos casos já prescreveu, admite. Há até casos enviados cuja investigação é “praticamente impossível” mas “não podíamos deixar de comunicar”.

O ex-ministro avançou que o número de abusadores ainda no ativo não vai ser revelado pela comissão publicamente, mas que vai ser enviado para o Ministério Público. E explica que a idade limite para denunciar os casos antes de prescreverem deve aumentar dos atuais 23 anos para os 30. Mas terá de ser a Assembleia da República a fazê-lo. “É uma sugestão que deixamos porque é muito difícil verbalizar os abusos que se sofreram.”

Ana Vasconcelos, também membro da comissão, referiu, a propósito dos depoimentos das vítimas, que “há uma atitude de banalidade do mal”.

“Chegamos ao fim com a sensação de dever cumprido”, disse Stretch no final da conferência de imprensa. “A noite abriu meus olhos”, disse a citar o poeta e teólogo José Tolentino de Mendonça. “Deitamos pequenas sementes que, esperamos, germinem. A dor da verdade dói mas só ela liberta.”

A comissão deixa uma mensagem de esperança às testemunhas e de agradecimento ao seu testemunho.

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