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Mau tempo: vem aí nova carga de água e para prevenir inundações a APA esvazia barragens em cascata

Mau tempo: vem aí nova carga de água e para prevenir inundações a APA esvazia barragens em cascata
TIAGO MIRANDA

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) tem estado a gerir as bacias hidrográficas através de descargas nas barragens. Quando não chove abrem-se as comportas para que haja mais capacidade de encaixe nas albufeiras quando a chuva cair

Está aí a chegar uma nova intempérie que traz precipitação forte, sobretudo sobre as regiões Centro e Norte, esta segunda e terça-feira. Aparentemente, as regiões de Viseu, Coimbra, Pombal, Viana do Castelo e Setúbal são as que mais estão debaixo deste torrente. Mas é cedo para a área metropolitana de Lisboa respirar de alívio, já que as imprevisibilidades meteorológicas são muitas e os solos estão demasiado saturados, alertam os especialistas do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e da Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

A autoridade ambiental continua a fazer o que tem feito desde que a seca deu lugar às cheias: a gerir a água que escorre nos rios de umas barragens para outras, de forma a ganhar mais encaixe e evitar inundações fluviais e urbanas. “Em Castelo de Bode, no Torrão e no Tâmega já aumentaram os turbinanamentos para ganhar encaixe e na barragem da Aguieira, no Mondego, mantinham-nos este sábado nos 300 metros cúbicos por segundo”, explica ao Expresso o vice-presidente da APA, José Pimenta Machado.

A Agência Portuguesa do Ambiente monitoriza e faz gestão de barragens
TIAGO MIRANDA

Articulando-se com Espanha, com as empresas que gerem as barragens e com as autoridades nacionais, regionais e municipais de proteção civil, a equipa do departamento de recursos hídricos da APA tem conseguido controlar os caudais dos rios de forma a atenuar os efeitos das chuvas conjugadas com as descargas vindas do lado de lá da fronteira.

Gerir caudais para que bordeje, mas não galgue margens

Se não tivesse sido feito este trabalho de prevenção, a situação teria sido pior durante os dois eventos extremos a que assistimos nas últimas semanas”, garante Pimenta Machado. Esta gestão de caudais permitiu, segundo este responsável, “olhar para as previsões meteorológicas do IPMA, decidir o que fazer nas barragens e avisar as autoridades de proteção civil ao nível nacional, regional e municipal”.

Foi assim que foi acionado o Plano de Emergência Hidrográfica do Tejo na semana passada e se evitaram situações mais complicadas em Constança, na zona ribeirinha do estuário do Tejo ou na de Coimbra.

Em Coimbra, o Mondego bordejou, mas não galgou a margem”, frisa o vice-presidente da APA, devido a esta gestão e ao efeito das intervenções de reabilitação recente dos diques destruídos nas cheias de 2019.

Segundo este responsável, também a gestão das águas da barragem de Castelo de Bode permitiu reduzir descargas na altura da preia-mar na área de Lisboa no evento extremo de 12 de dezembro. Isto porque ao Tejo e ao Zêzere muita água chegou, com Espanha a libertar 5000 m3 de água por segundo para a albufeira de Alcântara que, por sua vez, descarregava para a de Cedillo, chegando a fazer entrar no Tejo do lado de cá da fronteira 2500 m3 por segundo. As contas foram feitas com base nos dados das estações de medição de caudal que existem no Tejo e que a APA controla à distância no centro de operações na sua sede na Amadora.

Existem 917 estações de medição espalhadas pelas bacias hidrográficas nacionais (301 hidrométricas e 616 meteorológicas). E por vezes, algumas ficam “cegas” para esta monitorização, conta a Diretora do Departamento dos Recursos Hídricos da APA, Felisbina Quadrado, isto “porque são regularmente alvo de vandalismo, por roubo de painéis solares ou alvo de tiros de caçadores, por exemplo”. Todos os anos a manutenção desta rede custa ao Estado 1,2 milhões de euros.

Soluções de base natural

No início da semana que passou, a estação de Pavia, no rio Sorraia, chegou a marcar uma cheia centenária com 5,5 metros de altura, o que colocou esta bacia sob alerta vermelho. “A precipitação acumulada em sete dias no período de 9 a 15 de dezembro variou entre 105 mm e 135 mm, o que mostra que que foi um evento excepcional, que atingiu em particular o Tejo e a região de Lisboa”, frisa Pimenta Machado.

Além da gestão de barragens, a APA tem colaborado com vários municípios em soluções de base natural para atenuar cheias, como é o caso da renaturalização de um rio em Braga, das intervenções em ribeiras em Cascais, ou na recuperação de um parque verde em Setúbal que serve de bacia de retenção.

“É crucial o ordenamento do território sobretudo nas margens de rios”, sublinha ao Expresso o presidente da APA, Nuno Lacasta. E espera que o novo Plano de Gestão de Risco de Inundações (em consulta pública) – que identifica 63 áreas críticas ao risco de inundações – seja revertido para os Planos Diretores Municipais.

Contudo, vários têm sido os atropelos às identificações de áreas de leito de cheia ou de máxima infiltração nos PDM, com os municípios a autorizarem construções em sítios de risco, como tem acontecido em Lisboa, Loures ou Oeiras, por exemplo.

Chuva atenua a seca

Até Setembro apontava-se para a pior seca do século, que atingiu todo o território continental e mais gravemente o litoral alentejano e o barlavento algarvio. Estas duas regiões estavam ainda em situação de seca meteorológica e hidrológica no final de novembro. E, se bem que a situação possa ter atenuado um pouco, não foi o suficiente para saírem desse estado.

As bacias do Mira (Santa Clara), Sado (Monte da Rocha e Campilhas) e Barlavento algarvio (Bravura), continuavam a menos de 50% da sua capacidade, com a Bravura a não ultrapassar 10% na semana passada, após as chuvadas que inundaram a área de Lisboa, indica a APA.

A forte precipitação, entre 12 e 14 de dezembro, permitiu fazer subir a água cerca de 785 hm3 em 71 das 80 albufeiras monitorizadas, deixando-as a 72% da capacidade total de armazenamento. Várias das reservas de água recuperaram, designadamente as das bacias hidrográficas do Vouga (+20%), do Mondego (+14%), do Tejo (+17%), do Sotavento (+10%) e do Guadiana (7%).

A albufeira de Alqueva recuperou cerca de 350 hm3 e Castelo de Bode, cuja água abastece a área metropolitana de Lisboa (cuja captação é, em média, de cerca de 450 mil m3/dia), recuperou cerca de 180 hm3”, indica Pimenta Machado, sublinhando que isto “garante água para mais três ou quatro anos”.

Um país cujo mapa estava pintado de castanho, refletindo que em muitas áreas o teor de humidade no solo não ia além de 1%, está agora pintado a azul, com índices de 100% de humidade no solo.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ctomas@expresso.impresa.pt

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