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A geração mais qualificada de sempre “pode ser uma geração perdida”? Cinco respostas sobre os jovens e a educação

Na última década, os números do abandono escolar caíram. Inversamente, Portugal assistiu à massificação do ensino secundário e superior
Na última década, os números do abandono escolar caíram. Inversamente, Portugal assistiu à massificação do ensino secundário e superior
Peter Cade

Menos abandono escolar, mais pessoas a completar o secundário, mais licenciados e mestres. Este é o retrato estatístico dos jovens portugueses, mas há dois obstáculos grandes a vencer que impedem a entrada no mercado de trabalho

Somos um país de velhos? Os mais jovens e talentosos estão em fuga? Portugal só serve para pensionistas e nómadas digitais? Clara Ferreira Alves argumenta que sim.

“Um país que exporta os melhores, os mais jovens, os mais aptos, os mais qualificados, os mais trabalhadores, um país que exporta os jovens que educou com os impostos dos portugueses, é um país falhado (...) um país sem futuro”, acusa no artigo de opinião publicado no Expresso sob o título “A tal geração mais qualificada de sempre”.

Mas o que nos dizem efetivamente os dados estatísticos? O recém-publicado ‘Livro Branco “Mais e Melhores Empregos para os Jovens”’ dá algumas pistas sobre o tema.

Estamos a ficar mais tempo na escola?

Sim. Há muito que os governantes assumiram a necessidade de colmatar os “atrasos estruturais” da qualificação da população portuguesa.

Medidas como o alargamento do ensino obrigatório até aos 18 anos ou 12.º ano, os investimentos no ensino secundário e superior, o crescimento da via profissionalizante e a reorganização da rede escolar produziram efeitos.

O abandono escolar caiu significativamente na última década. Desde 2020 está abaixo da média europeia.

Se em 2010 mais do que 1 em cada 4 jovens entre os 18 e 24 anos tinha abandonado a escola sem terminar o ensino secundário, em 2021 esse número caiu para menos de 1 em cada 10 (8,9%).

Em 2020, apenas 21% dos portugueses entre os 25 e 34 anos não tinham completado o secundário (uma redução para cerca de metade numa década). Inversamente, em 2021, 36% dos jovens nesta faixa etária tinham completado este ciclo de ensino.

Frequentamos mais a universidade?

Sim. Tal como o número de alunos a completar o secundário cresceu, também os graduados do ensino superior aumentaram significativamente.

Em 2021, quase 48% dos jovens portugueses entre os 25 e 34 anos tinha curso superior. E o fenómeno estendeu-se também ao número de mestres. Se em 2011, os jovens com mestrado eram apenas 4% nesta faixa etária, em 2021 o número de jovens que completou mestrado disparou para 38%.

“A massificação do ensino secundário e do ensino superior entre os mais jovens, aliado ao histórico défice de qualificações da sua população ativa, faz com que Portugal seja o país com diferenças intergeracionais mais fortes nos níveis de qualificações da sua população ativa”, lê-se no Livro Branco.

As diferenças acontecem também por género, com a massificação do ensino a acontecer mais rapidamente entre as jovens. Em 2021, 57% das mulheres eram graduadas face a 38% dos homens, uma diferença de 19 pontos percentuais.

E as nossas competências gerais?

Aqui a resposta é menos direta. “Enquanto os dados sobre a escolaridade são promissores e revelam o sucesso das reformas realizadas pelos sucessivos governos, as competências detidas pelos jovens suscitam ainda interrogações”, introduz o Livro Branco.

Por um lado, os resultados do PISA (Programme for International Student Assessment) mostram uma “evolução muito positiva”. Entre 2006 e 2018, a literacia em leitura, ciências e matemática dos alunos portugueses com 15 anos melhorou. Matemática é o domínio onde mais diminuiu o número de alunos com baixos níveis de competência - eram 31%, agora são 23%.

Da mesma forma, os jovens portugueses estão muito acima da média europeia na aprendizagem de uma língua estrangeira (mais de 60% vs. cerca de 40% no resto da Europa). Os resultados são bem diferentes se considerarmos a segunda língua estrangeira (que apenas 7% dos estudantes em Portugal aprende).

Por outro lado, há um “elevado défice” nas competências digitais - vistas como centrais dado o “panorama do progresso tecnológico e da premência do uso de tecnologias de informação e comunicação no mercado de trabalho”.

Embora a situação seja menos gravosa entre os jovens do que na generalidade da população, em 2019, 37% dos jovens (16-24 anos) ainda não detinha competências digitais básicas. Este número subia para 46% na faixa etária seguinte (25-34 anos).

Há ainda uma lacuna em ‘soft skills’ (competências comportamentais). De acordo com o Livro Branco, as empresas reportam “falta de maturidade, de capacidades de comunicação e adaptação, e desconhecimento da realidade do trabalho, mesmo entre os diplomados do ensino superior.”

Onde fica o ensino profissional no meio disto?

A via profissionalizante no ensino secundário teve um reforço a partir de 2005, quando foi alargada à generalidade das escolas públicas, dá conta o Livro Branco. E isso contribuiu para aumentar o número de estudantes que completaram o ensino secundário.

Em 2020, 45% dos jovens (20 a 34 anos) tinham seguido esta via, mais 8% do que em 2014. Contudo, a percentagem de estudantes do secundário a optar pelo ensino profissional continua muito abaixo da média europeia (62%).

“As vias profissionalizantes tendem a sofrer de uma fraca reputação em Portugal e existe a perceção de que o ensino profissional representa uma alternativa para estudantes menos favorecidos em termos socioeconómicos, designadamente jovens que provêm de famílias com baixos níveis de escolaridade e de profissões pouco qualificadas”, explica o Livro Branco.

Isto quando, de entre os jovens que terminam o secundário sem seguir para o ensino superior, os alunos da via profissionalizante tenderem a ter uma “transição mais facilitada para o mercado de trabalho”.

Entre 2016 e 2020, a taxa de emprego jovem foi sempre superior para estes jovens do que para os que completaram o secundário por via científico-humanística. 2021 mostrou uma inversão nesta tendência, mas ainda é cedo para perceber se esta será uma realidade estrutural ou conjuntural.

Qual é então o problema?

Apesar do aumento mensurável das qualificações, a nova geração está a ter dificuldades na transição para o mercado de trabalho e particularmente vulnerável a momentos de crise.

“A coexistência da sobre-qualificação, do desemprego e de défice de mão-de-obra é, de facto, o paradoxo da economia portuguesa, que importa reduzir”, defende o Livro Branco.

“É preciso evitar a todo o custo a possibilidade de uma geração perdida”, urgem o Observatório do Emprego Jovem, Fundação José Neves e o escritório de Lisboa da Organização Internacional do Trabalho (autores do Livro Branco).

Há questões por resolver na empregabilidade, na oferta de formação, na qualidade do emprego e no perfil de especialização da economia portuguesa.

Este texto faz parte de um conjunto de conteúdos que o Expresso publica para falar diretamente com os leitores mais jovens e sobre aquilo que os afeta mais de perto. Ao longo da próxima semana serão aprofundados os resultados do Livro Branco. Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: calmeida@expresso.impresa.pt

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