Sociedade

Reações ao novo ministro da Saúde: entre o médico “no coração da ação” e o "homem do aparelho"

Reações ao novo ministro da Saúde: entre o médico “no coração da ação” e o "homem do aparelho"
Rui Duarte Silva

O eurodeputado Manuel Pizarro foi o escolhido de António Costa para suceder a Marta Temido. Que desafios enfrenta num momento delicado para o sector da Saúde? Ordens e sindicatos dos médicos e dos enfermeiros respondem

É “complicado” e até “injusto” fazer-se juízos de valor das pessoas antes de elas iniciarem funções. Carlos Cortes sabe disso e toma atenção às palavras. “É sempre complicado”, admite o presidente da secção regional do Centro da Ordem dos Médicos, em especial quando está latente uma grande expectativa à volta do novo ministro da saúde.

Para o dirigente, o nome de Manuel Pizaro não foi novidade. Para além de conhecer os corredores do Ministério da Saúde, por já ter sido secretário de Estado, no mandato de Ana Gomes, também é médico. E não só. “É médico internista, está no coração da ação”, descreve Carlos Cortes. A junção do conhecimento técnico e do político poderão ser o maior trunfo do homem do aparelho do Partido Socialista para fazer face ao “momento sui generis” que se vive na saúde.

“Estou a ver hoje uma desilusão que nunca tinha visto nesta dimensão. O Ministério da Saúde andou demasiados anos de costas viradas para os profissionais”, observa.

“Os profissionais de saúde esperam alguém corajoso, capaz de agilizar uma reforma. Esperam alguém dialogante tanto com os profissionais como com os doentes, alguém que saiba fazer as pontes”

Carlos Cortes, presidente da seccção do Centro da Ordem dos Médicos

“Sem preconceito com os privados”

Manuel Pizarro tem, à partida, uma vantagem no diálogo: é médico e partilha o mesmo código dos pares na prestação de cuidados. Além disso, “conhece bem o sistema, nacional e internacionais, e tecnicamente sabe o quer”, afirma o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães. Além da capacidade de diálogo, outra grande diferença face a Marta Temido é “a ausência de preconceito com os setores privado e social, é a favor das parcerias na Saúde” e “nesta e noutras matérias tem um pensamento conciliado com a Ordem”.

Mas o prognóstico para a governação de Manuel Pizarro tem vários riscos associados. “As pessoas querem reformas estruturais e se isso não começar a acontecer em breve será muito mau, pior até do que foi para Marta Temido, pois quando há um novo ministro há um aumento das expetativas”, afirma Miguel Guimarães.

Estará o primeiro-ministro preparado para alguma margem de manobra? “Acredito que sim, porque ao nomear alguém do aparelho comprometerá o próprio Partido Socialista se não o deixar fazer algumas reformas.” O bastonário vai esperar para ver: “Estou expectante que as políticas de Saúde se adaptem às necessidades reais das pessoas.”

Corrigir um erro

Para o maior grupo de profissionais do SNS, os enfermeiros, o novo ministro traz à memória uma má recordação. Em 2009, como secretário de Estado adjunto e da Saúde, retirou à classe parte do seu reconhecimento com uma promessa de valorização, que não cumpriu.

“Nesta nomeação, só há um dado importante e relevante: é uma grande oportunidade para corrigir o erro que cometeu ao acabar com a carreira dos enfermeiros. Tínhamos valorização dos graus académicos, das especialidades, escalões de progressão...e trocou-nos tudo por uma nova carreira que nunca entrou em vigor”, sublinha a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco.

Para a bastonária, no geral, este é um momento de espera. “Não temos expectativas. Vou no segundo mandato e já assisti à nomeação de três ministros da Saúde. Das outras vezes fomos muito otimistas, mas agora estamos mais cautelosos.”

“Homem do aparelho”

“É um homem do aparelho político”, critica João Proença, da Federação Nacional dos Médicos. Nesse aspeto, é uma vantagem, mas com efeitos negativos. “Conhece a reforma proposta. É uma escolha de continuidade e isso vai continuar a destruir o SNS”, diz.

Para o sindicalista, “se não mudarem as políticas, o SNS vai acabar” e Manuel Pizarro não deverá ser o motor dessa reforma. “Sendo do aparelho, vai seguir a política do Governo.” E nessa estratégia está a dedicação plena, que pode ser um presente envenenado.

“A dedicação plena só vai manter os médicos com a devida majoração, caso contrário, vão continuar a sair. Queremos também uma redefinição dos horários de trabalho, horas extraordinárias e trabalho na Urgência. Os serviços estão a fechar pelo que se paga aos médicos e enfermeiros”, avisa.

Sindicato espera que Pizarro saiba negociar com os enfermeiros

Pedro Costa, presidente do Sindicato dos Enfermeiros, afirma que a escolha de Manuel Pizarro tem a vantagem de ser um profissional de saúde que “conhece bem os problemas do SNS”, por nunca ter deixado de acompanhar o setor enquanto membro da Comissão Política do PS. O dirigente sindical espera que, sendo médico, o novo ministro tenha “capacidade e disponibilidade” para continuar a negociar com os profissionais.
“Manuel Pizarro é alguém que está no terreno diariamente, que conhece bem os problemas com que se debatem os enfermeiros e que, por isso, tem acrescidas responsabilidades na condução do ministério e na resolução da situação caótica que se vive na Saúde em Portugal”, afiança em comunicado o Sindicato.
Ao Expresso, Pedro Costa avança que há problemas urgentes a resolver na enfermagem, cuja resolução tem vindo a ser negociada com as estruturas sindicais nos últimos quatro meses, cenário de abertura que confia se mantenha. A confiança no sucessor de Marta Temida é justificada por Manuel Pizarro ter experiência governativa, acumulada enquanto secretário de Estado.
“Tem conhecimentos suficientes para saber que o maior problema do SNS reside na necessidade de reforçar e valorizar o capital humano”, aponta o Sindicato, mas advertindo que, sem um conjunto de medidas “concretas profundas”, os problemas não vão desaparecer. “ Não basta deitar dinheiro em cima do caos que se vive na saúde, é preciso reforçar os quadros de pessoal”, acrescenta.
Na reação à nomeação do eurodeputado, o líder dos enfermeiros afirma que a classe está disponível para dialogar com o titular da pasta e para contribuir para a resolução dos problemas. Sem tempo a perder, Pedro Costa espera que a nova tutela mantenha a reunião agendada para quarta-feira, dia 14, para dar continuidade ao processo negocial em curso desde maio.

“Homem do SNS”

Para Jorge Roque da Cunha, presidente do Sindicato Independente dos Médicos, apesar de “político experiente”, Manuel Pizarro terá uma “extraordinária e difícil tarefa” pela frente, na qual se espera que “não utilize a propaganda para esconder as falhas do SNS”. Isto porque, nas palavras do dirigente sindical, “não adianta que a reforma seja feita no papel sem ser feita no terreno”.
Contudo, o eurodeputado “tem demonstrado capacidade de diálogo, não esquecendo que enquanto secretário de Estado do governo de José Sócrates participou nos acordos para as carreiras dos médicos. É um homem do SNS”, diz Roque da Cunha.

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