Sociedade

Associação de defesa da mulher na gravidez questiona ministra sobre crise nos serviços de obstetrícia

Associação de defesa da mulher na gravidez questiona ministra sobre crise nos serviços de obstetrícia
Science Photo Library - IAN HOOT

Numa carta aberta dirigida a Marta Temido, a associação considerou “difícil de encarar” a situação da obstetrícia em Portugal, aludindo à morte de dois bebés, um deles na semana passada, no hospital de Santarém, e outro em junho, no Hospital das Caldas da Rainha, no distrito de Leiria

A Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto questionou esta sexta-feira a ministra da Saúde sobre quanto bebés têm que morrer até que seja resolvida a crise estrutural dos serviços de obstetrícia dos hospitais nacionais.

Numa carta aberta dirigida a Marta Temido, a associação considerou “difícil de encarar” a situação da obstetrícia em Portugal, aludindo à morte de dois bebés, um deles na semana passada, no hospital de Santarém, e outro em junho, no Hospital das Caldas da Rainha, no distrito de Leiria.

A associação afirma que na passada quarta-feira “após consultar o portal do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para saber a que unidade de saúde se devia dirigir, uma mulher em trabalho de parto percorreu mais de 100 km até Santarém, após verificar que o serviço de urgência de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Abrantes, na sua área de residência, estava fechada. À chegada, constatou-se que o bebé se encontrava morto. Em junho passado, uma grávida perdeu o bebé, após ter sido atendida no Hospital das Caldas da Rainha, onde, no momento, a urgência de obstetrícia se encontrava encerrada”.

Dois casos que levaram a alertar a possibilidade de consulta no portal ‘online’ do SNS da informação relativa aos serviços de urgência de ginecologia/obstetrícia e bloco de partos “não resolve as insuficiências no atendimento nesta especialidade”, afirma a Associação, defendendo que o problema “só se resolve com uma rede real e efetiva de serviços de saúde pública e de qualidade, que garanta o acesso de todas as pessoas a cuidados de saúde de excelência”.

Sublinhando que as grávidas e respetivas famílias precisam do livre acesso aos cuidados de saúde a que têm direito, a Associação lamenta que atualmente, “nem o acesso aos cuidados de saúde esteja garantido” e que em Portugal se morra “no parto tanto como há 38 anos atrás”.

“Quantas mulheres e bebés terão ainda de morrer, senhora Ministra? Por ser agosto, pelas férias, por falta de médicos e meios? Pelo desinvestimento sucessivo no nosso Serviço Nacional de Saúde? Pelas desculpas de uma pandemia que já passou, mas que serviu e continua a servir para adiar e cancelar consultas, exames de diagnóstico e ilibar os decisores políticos de olhar de frente para o colapso que se está a desenrolar diante dos nossos olhos”, questiona a associação na carta divulgada hoje.

Aludindo às diferenças entre as grávidas que podem recorrer a serviços de saúde privados e aquelas que não têm possibilidades de o fazer a associação faz notar que “o fosso entre as que podem e as que não podem alarga-se, com consequências graves para a populações mais vulneráveis, e nada se faz”.

Considerando que a Obstetrícia em Portugal enfrenta “um problema estrutural e profundo, que não se vai resolver quando os obstetras voltarem de férias”, a Associação recomenda ao Governo a mobilização imediata de meios pelo Estado, à semelhança do que aconteceu durante a pandemia, para resolver a crise nas urgências de obstetrícia, “evitando mais situações potencialmente fatais na assistência às parturientes, seja através do reforço da contratação por entidades públicas seja pela articulação – temporária e com caráter provisório – com os serviços privados, para atendimento das populações sem acesso a urgências públicas de obstetrícia”.

As recomendações passam ainda por um efetivo investimento no SNS, assegurando a serviços de saúde de qualidade em todo o território nacional; a promoção do respeito pelos direitos humanos dos utentes e que sejam considerados outros modelos de assistência ao nascimento para mulheres com gravidez de baixo risco, assim como a inclusão de outras opções de locais de nascimento, como, por exemplo, Unidades de Cuidados de Maternidade integrados numa rede de assistência mais alargada.

Ainda a nível político a Associação defende um diálogo efetivo, sistemático e transparente entre sociedade civil, profissionais de saúde, instituições de saúde, Direção-Geral da Saúde e poder político e que seja assegurando o acesso dos cidadãos aos dados relativos às intervenções durante o parto em cada instituição de saúde.

Na carta, a Associação vinca a necessidade de garantir boas condições de trabalho aos profissionais de saúde e de se respeitar a legislação no que toca os direitos das utentes, bem como que seja incluída na monitorização da qualidade dos cuidados de saúde materna, indicadores que tenham em conta a experiência das mulheres e dos profissionais de saúde, inseridos em estratégias orientadas pela promoção e proteção dos direitos humanos.

A necessidade de providenciar formação a todos os profissionais de saúde sobre os direitos das mulheres na gravidez e no parto, o respeito pela lei do acompanhante e o acesso a formação e investigação mais atualizada relativamente aos procedimentos relativos à gravidez e parte são outras das recomendações expressas na carta.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate