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Anticiclone dos Açores está maior e mais intenso: clima mais seco é a consequência na Península Ibérica

Anticiclone dos Açores está maior e mais intenso: clima mais seco é a consequência na Península Ibérica
NUNO VEIGA/LUSA

Invernos com a expansão do tamanho e da intensidade do anticiclone dos Açores têm vindo a aumentar desde 1850, o que contribui para a diminuição da precipitação em regiões como a Península Ibérica. Investigação aponta que a causa está no crescimento da concentração de gases com efeito de estufa

A preocupação com a gravidade da seca em Portugal não é nova. Um estudo publicado na segunda-feira na revista científica Nature Geoscience demonstra que a questão é bem antiga – concluiu-se que o anticiclone dos Açores está maior e mais intenso desde 1850, algo classificado como “sem precedentes” ao longo do último milénio e que resulta em “condições anómalas de seca no Mediterrâneo ocidental, incluindo a Península Ibérica”.

O anticiclone dos Açores é um “sistema de altas pressões” e é “semipermanente”, o que significa que, geralmente, “a sua posição média é na zona dos Açores, daí o seu nome”, começa por explicar ao Expresso o meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), Pedro Sousa.

As variações de posição têm impacto na meteorologia porque esta é uma zona de “tempo estável, que evita a passagem de sistemas frontais e com precipitação”, ou seja, quando o anticiclone muda de posição, também os “sistemas que o contornam com precipitação vão ter outros trajetos”. O anticiclone dos Açores é, assim, “responsável por grande parte da variabilidade da precipitação e do estado do tempo no Atlântico Norte e em Portugal”.

Através da análise de dados e simulações de modelos climáticos, referentes ao período entre 850 e 2005, os investigadores concluíram que os invernos com um anticiclone dos Açores “extremamente grande” são “significativamente mais comuns” na era industrial. Enquanto até 1850 este aumento excecional da área do anticiclone acontecia, em média, num inverno a cada dez, entre 1850 e 1980 a frequência passou a ser a cada sete anos e, desde 1980, tal verifica-se a cada quatro anos. De acordo com a investigação, a “dramática expansão na era industrial do anticiclone dos Açores” é o “resultado do aumento antropogénico das concentrações atmosféricas de gases com efeito de estufa”.

Pedro Sousa explica que o anticiclone tem uma “posição média, mas sofre oscilações naturais”, algo que é considerado “normal”. No entanto, o que o estudo demonstrou num período de aproximadamente um milénio é que, “além dessa variabilidade que existe sempre a várias escalas”, a frequência dos episódios em que “o anticiclone está mais extenso, logo mais forte” aumentou “a partir do momento em que se deu a Revolução Industrial, em que o ser humano começou a ter influência na composição da atmosfera e, portanto, no clima”.

Maior o anticiclone, menor a precipitação

Uma das autoras do artigo, Caroline Ummenhofer, explicou ao diário espanhol “El País” que a investigação “centrou-se especificamente nos meses de inverno, uma vez que esta é a estação em que a Península Ibérica recebe a maior parte da sua precipitação”. “As nossas análises mostram que os invernos com um anticiclone dos Açores especialmente grande coincidem com condições invulgarmente secas na Península Ibérica durante o inverno”, esclarece a investigadora do Instituto Oceanográfico de Woods Hole, nos Estados Unidos.

Uma vez que a posição do anticiclone e a sua intensidade estão relacionadas com a “facilidade com que os sistemas frontais com precipitação chegam ou não à nossa região em todo ano, mas em particular no inverno, que é a nossa estação chuvosa”, quando está a “ocupar uma área maior, ele bloqueia mais a chegada desses sistemas com precipitação até Portugal”, explica o meteorologista Pedro Sousa. “Nesses episódios temos menos precipitação, ou seja, condições mais favoráveis a seca. Quantos mais episódios desses houver – de o anticiclone estar mais expandido e mais intenso – maior é a probabilidade de termos episódios de seca.”

De acordo com a investigação, o aumento do número de invernos com um maior anticiclone dos Açores na era industrial é “sentido de forma aguda na Península Ibérica, no norte da Europa e nas Ilhas Britânicas”. No caso da costa ocidental da Península Ibérica, a redução é de cerca de 33% da precipitação média no inverno.

Tendência deverá continuar

Apesar de considerar que é necessária alguma “cautela” ao fazer previsões, Pedro Sousa indica que “será de esperar que esta tendência continue”, tendo em conta que se demonstrou que o aumento do anticiclone dos Açores está “intimamente ligado” com o crescimento da “concentração de gases com efeito de estufa”, cuja emissão continua a subir.

Está “nas nossas mãos” diminuir a emissão, mas o problema reside no “tempo de resposta muito lento”, pois estes gases “têm um tempo de residência na atmosfera muito longo”. “Mesmo que parássemos totalmente de emitir agora, o que é uma utopia, eles iam persistir durante muitas décadas ou centenas de anos na atmosfera e o declínio da sua concentração ia ser lento e, consequentemente, os efeitos na atmosfera e no clima também não iam passar de um dia para o outro”, afirma o especialista, que ilustra com a imagem de um “comboio sem travões”.

Pedro Sousa aponta ainda que esta investigação é “coincidente” com outros estudos que têm mostrado que “um efeito muito relevante do aquecimento global sobre a circulação geral da atmosfera é que os anticiclones subtropicais que existem ao longo de todas as latitudes subtropicais, como o dos Açores, estão a expandir-se em direção aos pólos, para latitudes mais elevadas”.

Portugal encontra-se “numa zona um pouco acima do clima subtropical, a norte da zona árida”. “Com esta expansão e deslocamento para norte das zonas estáveis de altas pressões, a maior preocupação é que estes climas subtropicais mais áridos vão expandir-se também para norte na nossa região”, refere. Assim, a tendência é para que se verifiquem “cada vez mais situações anticiclónicas, propícias a episódios secos e quentes”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: scbaptista@impresa.pt

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