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Crise climática: IPCC diz que é possível limitar aquecimento a 1,5ºC, mas é preciso acelerar cortes de emissões

Crise climática: IPCC diz que é possível limitar aquecimento a 1,5ºC, mas é preciso acelerar cortes de emissões
Lukas Schulze/Getty Images

As emissões de CO2 subiram continuamente na última década e só cortando-as para metade até 2030 se consegue travar a subida da temperatura em 1,5ºC, aponta o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), aprovado esta segunda-feira. O tempo para fazer os cortes necessários está em contagem decrescente, mas os cientistas dizem que “ainda é possível” atingir a meta

Crise climática: IPCC diz que é possível limitar aquecimento a 1,5ºC, mas é preciso acelerar cortes de emissões

Carla Tomás

Jornalista

A concentração de emissões de gases de efeito de estufa nunca esteve tão alta como na década 2010-2019, mas a taxa de crescimento das emissões tem vindo a abrandar, comparada com a da década anterior, indica o relatório de 2022 sobre "Mitigação das Alterações Climáticas", aprovado pelo painel científico da ONU (conhecido pela sigla IPCC).

Só com cortes profundos das emissões de GEE (gases de efeito de estufa) em todos os sectores é possível atingir a meta definida no Acordo de Paris e impedir um aquecimento médio global acima de 1,5ºC (face às temperaturas médias da segunda metade do século XIX) até final do século, frisam os cientistas no sumário feito para os decisores políticos pelo grupo de trabalho III do IPCC.

Na informação divulgada esta segunda-feira, os cientistas sublinham que "ainda é possível atingir esta meta", mas que, para tal, é necessário que o pico de emissões seja atingido até 2025, assistindo-se a um corte global de 43% das emissões nos cinco anos seguintes.

Se o corte for apenas de 25% e a neutralidade carbónica só for atingida em 2070 em vez de em 2050, chegaremos aos 2°C de aquecimento médio acima da era pré-industrial, com uma probabilidade de 67%, indica o relatório. Se as emissões continuarem a subir para além de 2025, o aquecimento global deverá atingir entre 2,2 e 3,5°C até 2100.

Ferramentas e conhecimento não faltam

“Estamos numa encruzilhada. As decisões que tomarmos agora podem garantir um futuro habitável”, alertou o presidente do IPCC, Hoesung Lee, em nota à comunicação social. O professor de Economia das Alterações Climáticas, Energia e Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Seul (Coreia do Sul), que está á frente do IPCC desde 2015 reforça que “temos as ferramentas e o know-how necessários para limitar o aquecimento global”. Agora falta acelerar a ação.

A encorajar esta ideia estão os bons exemplos seguidos por vários países. Pelo menos 18 têm mantido reduções sustentadas de emissões de gases de efeito de estufa, como o CO2 e o metano, entre outros, nos últimos 10 anos.

A existência de novas leis e regulamentos que apostam na eficiência energética, na aceleração das energias renováveis e na redução da desflorestação, são apresentadas como positivas. Alargar esta via e estimular a inovação são formas efetivas de reduzir emissões, indica o o IPCC.

De acordo com o relatório, as emissões de gases de efeito de estufa com origem na atividade humana têm crescido em todos os sectores – dos transportes à indústria, passando pela agricultura e pelos edifícios. E apesar de uma ligeira redução das emissões nos sectores dos combustíveis fósseis e nos processos industriais, não compensam os aumentos verificados nos sectores da indústria, energia, transportes, edifícios e agricultura.

“Com as decisões políticas certas, com as tecnologias e infraestruturas necessárias a funcionar e com mudanças no nosso comportamento e estilo de vida podemos reduzir as emissões em 40% a 70% até 2050 e ainda melhorar a nossa saúde”, argumenta Priyadarshi Shukla, especialista indiano em energia e modelação ambiental e co-presidente do Grupo III do IPCC.

Opções para reduzir emissões até 2030

Não faltam opções para reduzir para metade as emissões em todos os sectores até final desta década e atingir a meta de 1,5°C.

A aposta em energias renováveis como a solar e a eólica, com os custos destas energias e das baterias a baixarem cerca de 85% na última década são um dos caminhos a seguir. A aposta em reduzir o recurso a combustíveis fósseis (como carvão, petróleo ou gás) no sector energético, reforçar a eficiência energética e e adotar combustíveis alternativos, como o hidrogênio estão também entre as soluções.

“As alterações climáticas são resultado de mais de um século de uso insustentável da energia e da terra. E este relatório mostra como podemos agir para termos um mundo mais justo e sustentável”, sublinha Jim Skea, professor de Energia Sustentável no Imperial College London e “co-chair” do grupo de trabalho III do IPCC.

A criação de cidades mais compactas, onde se pode chegar ao trabalho e aos serviços a pé, de bicicleta ou de transportes públicos elétricos, é um dos caminhos para reduzir as emissões de CO2 no sector urbano. Juntar a esta opção o aumento de espaços verdes para armazenar carbono e atenuar inundações e ondas de calor e a aposta em edifícios mais eficientes e neutros em carbono são outras opções.

Nos transportes, a aposta está nos veículos elétricos, sejam carros, scooters e bicicletas, combinados com uma boa rede de transportes públicos e modos suaves de deslocação.

na indústria – um sector que contribui para um quarto das emissões – a reutilização e reciclagem de produtos e matérias primas e a redução da produção de resíduos são uma das vias para cortar emissões. E a vantagem da mitigação, segundo os cientistas, passa não só por reduzir impactos ambientais, como por aumentar o emprego e as oportunidades de negócio.

O sector agrícola contribui para 22% das emissões globais. Novas práticas agrícolas e florestais e de uso da terra também podem permitem reduzir emissões e sequestrar ou armazenar carbono, ao mesmo tempo que preservam a biodiversidade e asseguram a segurança alimentar.

"Podem ser desenhadas opções de mitigação com base na gestão de solos que permitem remover carbono e beneficiar a biodiversidade e os ecossistemas, ao mesmo tempo que nos ajudam a adaptar às alterações climáticas, a assegurar bens alimentares e melhorar a segurança da água e dos alimentos”, defende Mercedes Bustamante, investigadora na Universidade de Brasília, que se dedica a conservação florestal e soluções baseadas na natureza em países em desenvolvimento.

Financiamento em baixa

Para para todas estas ações em marcha é preciso colmatar os investimentos em falta. O relatório do IPCC indica que o investimento financeiro está três a seis vezes abaixo do necessário para limitar o aquecimento abaixo de 2°C e que é necessário um maior alinhamento do sector financeiro e de políticas públicas para se atingir o objetivo.

O relatório dedicado à “Mitigação das Alterações Climáticas” é o contributo dos “grupo de trabalho III” para a Sexta Avaliação (Sixth Assessment Report) do IPCC, que será publicado em 2022. O documento contou com 278 autores de 65 países e a contribuição de mais de 59 mil peritos.

Entre 2021 e 2022, os grupos de trabalho I e II do IPCC apresentaram, respetivamente, um relatório sobre as bases científicas das alterações climáticas, que deu conta da “inequívoca” mão humana por detrás desta crise; e outro sobre os impactos, vulnerabilidades e a adaptação. A quinta avaliação (Fifth Assessment Report) foi fechada em 2014 e contribuiu para as decisões tomadas no Acordo de Paris, aprovado em 2015. A Sexta será fechada antes da próxima cimeira do clima (COP27), marcada para novembro, no Egito.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ctomas@expresso.impresa.pt

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