Na informação divulgada esta segunda-feira, os cientistas sublinham que "ainda é possível atingir esta meta", mas que, para tal, é necessário que o pico de emissões seja atingido até 2025, assistindo-se a um corte global de 43% das emissões nos cinco anos seguintes.
Se o corte for apenas de 25% e a neutralidade carbónica só for atingida em 2070 em vez de em 2050, chegaremos aos 2°C de aquecimento médio acima da era pré-industrial, com uma probabilidade de 67%, indica o relatório. Se as emissões continuarem a subir para além de 2025, o aquecimento global deverá atingir entre 2,2 e 3,5°C até 2100.
Ferramentas e conhecimento não faltam
“Estamos numa encruzilhada. As decisões que tomarmos agora podem garantir um futuro habitável”, alertou o presidente do IPCC, Hoesung Lee, em nota à comunicação social. O professor de Economia das Alterações Climáticas, Energia e Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Seul (Coreia do Sul), que está á frente do IPCC desde 2015 reforça que “temos as ferramentas e o know-how necessários para limitar o aquecimento global”. Agora falta acelerar a ação.
A encorajar esta ideia estão os bons exemplos seguidos por vários países. Pelo menos 18 têm mantido reduções sustentadas de emissões de gases de efeito de estufa, como o CO2 e o metano, entre outros, nos últimos 10 anos.
A existência de novas leis e regulamentos que apostam na eficiência energética, na aceleração das energias renováveis e na redução da desflorestação, são apresentadas como positivas. Alargar esta via e estimular a inovação são formas efetivas de reduzir emissões, indica o o IPCC.
De acordo com o relatório, as emissões de gases de efeito de estufa com origem na atividade humana têm crescido em todos os sectores – dos transportes à indústria, passando pela agricultura e pelos edifícios. E apesar de uma ligeira redução das emissões nos sectores dos combustíveis fósseis e nos processos industriais, não compensam os aumentos verificados nos sectores da indústria, energia, transportes, edifícios e agricultura.
“Com as decisões políticas certas, com as tecnologias e infraestruturas necessárias a funcionar e com mudanças no nosso comportamento e estilo de vida podemos reduzir as emissões em 40% a 70% até 2050 e ainda melhorar a nossa saúde”, argumenta Priyadarshi Shukla, especialista indiano em energia e modelação ambiental e co-presidente do Grupo III do IPCC.
Opções para reduzir emissões até 2030
Não faltam opções para reduzir para metade as emissões em todos os sectores até final desta década e atingir a meta de 1,5°C.
A aposta em energias renováveis como a solar e a eólica, com os custos destas energias e das baterias a baixarem cerca de 85% na última década são um dos caminhos a seguir. A aposta em reduzir o recurso a combustíveis fósseis (como carvão, petróleo ou gás) no sector energético, reforçar a eficiência energética e e adotar combustíveis alternativos, como o hidrogênio estão também entre as soluções.
“As alterações climáticas são resultado de mais de um século de uso insustentável da energia e da terra. E este relatório mostra como podemos agir para termos um mundo mais justo e sustentável”, sublinha Jim Skea, professor de Energia Sustentável no Imperial College London e “co-chair” do grupo de trabalho III do IPCC.
A criação de cidades mais compactas, onde se pode chegar ao trabalho e aos serviços a pé, de bicicleta ou de transportes públicos elétricos, é um dos caminhos para reduzir as emissões de CO2 no sector urbano. Juntar a esta opção o aumento de espaços verdes para armazenar carbono e atenuar inundações e ondas de calor e a aposta em edifícios mais eficientes e neutros em carbono são outras opções.
Nos transportes, a aposta está nos veículos elétricos, sejam carros, scooters e bicicletas, combinados com uma boa rede de transportes públicos e modos suaves de deslocação.
Já na indústria – um sector que contribui para um quarto das emissões – a reutilização e reciclagem de produtos e matérias primas e a redução da produção de resíduos são uma das vias para cortar emissões. E a vantagem da mitigação, segundo os cientistas, passa não só por reduzir impactos ambientais, como por aumentar o emprego e as oportunidades de negócio.
O sector agrícola contribui para 22% das emissões globais. Novas práticas agrícolas e florestais e de uso da terra também podem permitem reduzir emissões e sequestrar ou armazenar carbono, ao mesmo tempo que preservam a biodiversidade e asseguram a segurança alimentar.
"Podem ser desenhadas opções de mitigação com base na gestão de solos que permitem remover carbono e beneficiar a biodiversidade e os ecossistemas, ao mesmo tempo que nos ajudam a adaptar às alterações climáticas, a assegurar bens alimentares e melhorar a segurança da água e dos alimentos”, defende Mercedes Bustamante, investigadora na Universidade de Brasília, que se dedica a conservação florestal e soluções baseadas na natureza em países em desenvolvimento.
Financiamento em baixa
Para para todas estas ações em marcha é preciso colmatar os investimentos em falta. O relatório do IPCC indica que o investimento financeiro está três a seis vezes abaixo do necessário para limitar o aquecimento abaixo de 2°C e que é necessário um maior alinhamento do sector financeiro e de políticas públicas para se atingir o objetivo.
O relatório dedicado à “Mitigação das Alterações Climáticas” é o contributo dos “grupo de trabalho III” para a Sexta Avaliação (Sixth Assessment Report) do IPCC, que será publicado em 2022. O documento contou com 278 autores de 65 países e a contribuição de mais de 59 mil peritos.
Entre 2021 e 2022, os grupos de trabalho I e II do IPCC apresentaram, respetivamente, um relatório sobre as bases científicas das alterações climáticas, que deu conta da “inequívoca” mão humana por detrás desta crise; e outro sobre os impactos, vulnerabilidades e a adaptação. A quinta avaliação (Fifth Assessment Report) foi fechada em 2014 e contribuiu para as decisões tomadas no Acordo de Paris, aprovado em 2015. A Sexta será fechada antes da próxima cimeira do clima (COP27), marcada para novembro, no Egito.