Processo contra 33 países por inação climática vai ser julgado pela instância mais alta do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
Lukas Schulze
Caso pioneiro foi apresentado por seis jovens portugueses em 2020 e vai ser julgado pelos 17 juízes da Grand Chamber do Tribunal Europeu, que lida apenas com uma minoria dos processos mais importantes: atualmente 22 casos em mais de 72 mil. Se for dada razão aos queixosos, países ficam "legalmente obrigados" a diminuir emissões poluentes
O caso apresentado por seis jovens portugueses no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) contra 33 países por falta de ação contra as alterações climáticas, incluindo Portugal, vai ser julgado pela instância mais alta deste tribunal: a Grand Chamber, composta pelo Presidente do TEDH e outros 16 juízes internacionais.
A informação foi avançada esta quinta-feira em comunicado pela Global Legal Action Network (GLAN), uma associação que presta apoio jurídico em casos que envolvem violações de direitos humanos. “O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tomou a decisão excecional de enviar este caso climático sem precedentes para a sua Grand Chamber”, diz a GLAN.
A decisão é rara: neste momento, há apenas 22 casos em apreciação na Grand Chamber do TEDH, o que corresponde a 0,03% do total de 72 100 casos atualmente em apreciação neste tribunal europeu sediado em Estrasburgo. “A decisão abre caminho para uma audiência em que as políticas climáticas dos governos serão escrutinadas numa sessão aberta do tribunal”, sublinha a associação. Os queixosos exigem aos estados europeus uma redução de 65% das emissões poluentes até 2030.
Sofia Oliveira, uma das jovens portuguesas que pôs os 33 países europeus em tribunal, mostra-se satisfeita com a decisão judicial. “Estamos a passar por mais vagas extremas de calor em Portugal em comparação com o ano passado, por isso ouvir dá-nos esperança que o Tribunal tenha decidido que o nosso caso é tão importante que precisa de ser ouvido por 17 juízes”, afirmou a jovem, citada no comunicado.
Cláudia Agostinho (23 anos), Catarina Mota (21), Martim Agostinho (19), Mariana Agostinho (10), quatro jovens de Leiria que processaram 33 países europeus por falta de ação contra as alterações climáticas. O processo foi aceite pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
Se o TEDH der razão aos seis queixosos portugueses, os vários governos ficarão “legalmente obrigados” a acelerar a diminuição das suas emissões poluentes. Além disso, terão de alterar as consequências para as alterações climáticas que as suas ações causam a nível internacional – incluindo, por exemplo, as emissões poluentes das suas empresas multinacionais.
O processo foi movido contra 33 países, incluindo a Ucrânia, mas o TEDH decidiu suspender as acusações contra o país devido à guerra levada a cabo pela Rússia.
“O facto de o Tribunal ter passado este caso para a sua Grand Chamber é um desenvolvimento extremamente significativo, [porque] mostra que o Tribunal considera que as alterações climáticas são um assunto sério de direitos humanos”, aponta Gearóid Ó Cuinn, diretor da GLAN.
Caso português foi pioneiro e abriu caminho a outros dois casos climáticos no Tribunal Europeu
O processo deu entrada no TEDH em setembro de 2020 e tornou-se o primeiro caso relacionado com alterações climáticas a ser apresentado no mais alto tribunal europeu. Desde então, outros dois processos de inação climática foram iniciados: um deles levantado por uma associação ambiental suíça devido ao impacto da crise climática na saúde e condições de vida dos cidadãos; e o outro iniciado por um cidadão francês, Damien Carême, argumentando que o Estado francês não está a fazer o suficiente para travar o aquecimento global. À semelhança do caso ‘português´, estes dois processos também transitaram para a Grand Chamber do TEDH.
Em dezembro, Gerry Liston, um dos advogados da GLAN envolvidos no processo, disse ao Expresso que o caso apresentado é “sólido”: foi preparado com tempo (desde 2017) e envolveu uma equipa de advogados e de especialistas e académicos “na organização dos argumentos científicos.” Além disso, a ação recebeu o apoio de vários cientistas das Nações Unidas e outros representantes de movimentos climáticos europeus, que pediram permissão ao tribunal para participar como “intervenientes” externos no processo. Entre estas organizações está a Climate Action Network (CAN) Europe, uma coligação que agrega mais de 170 movimentos pró-climáticos em 38 países europeus.
Os seis jovens responsáveis por isto são: Cláudia Agostinho (23), Catarina Mota (21), Martim Agostinho (19), Sofia Oliveira (17), André Oliveira (14), Mariana Agostinho (10).
E os 33 países processados: Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, República Checa, Alemanha, Grécia, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Croácia, Hungria, Irlanda, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Letónia, Malta, Países Baixos, Noruega, Polónia, Portugal, Roménia, Rússia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido, Turquia e Ucrânia (processo suspenso devido à guerra).
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