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Droga. ‘Olga’ destruiu “dois salários em dois meses” e “enterrou a vida até às orelhas”: consumo aumentou 25% em 2021 (e as recaídas 12%)

Tiago Praça tem uma olaria no centro de Lisboa, onde produz peças para vários clientes. “O pessoal falava em cheiros, agora fala logo de crack”
Tiago Praça tem uma olaria no centro de Lisboa, onde produz peças para vários clientes. “O pessoal falava em cheiros, agora fala logo de crack”

Recaídas aumentaram 12% num ano no serviço de tratamento por dependência de drogas. Fenómeno associado à perda de emprego. Equipas com falta de meios avisam que situação pode piorar

Vinte anos depois de ter estado internada numa unidade para desabituação de heroína, Olga (nome fictício, escolhido a pedido da própria) deu entrada noutra estrutura para tratar a dependência de drogas. Foi em janeiro deste ano, depois de vários meses sem conseguir parar de consumir. O início, desta vez, foi diferente. “Quando voltei a trabalhar presencialmente no ano passado, no desconfinamento, comecei a consumir cocaína. Saía de casa de manhã, metia-me na bicicleta, conduzia até ao bairro, consumia e depois ia para o trabalho”, conta Olga, que tem 48 anos e é funcionária numa junta de freguesia em Lisboa.

Cada explicação para o consumo de drogas é um tiro no escuro, mas Olga, que conversa com o Expresso numa das comunidades terapêuticas da associação Ares do Pinhal, na Rinchoa (Sintra), arrisca uma teoria: “As coisas estiveram a ser cozinhadas durante o confinamento. O regresso à normalidade foi uma explosão para mim.” Tinha várias tarefas nessa altura: dar atenção ao filho, de oito anos, que estava em casa sem aulas, preparar refeições, limpar a casa e trabalhar. A psiquiatra avisara-a de que tudo isso, a juntar à “vida vazia” que levava antes da pandemia, sem “encontros com amigos ou outros interesses”, poderia levar a uma recaída. Quando Olga se voltou a lembrar daquelas palavras, já estava “enterrada até às orelhas”, a “fazer vida de sem-abrigo” e a “cravar trocos na rua para sustentar o vício”. “Destruí dois salários seguidos em dois meses. Tive de entregar o meu cartão multibanco à minha mãe para não gastar mais dinheiro”, conta, acrescentando: “Caí no fundo, como todas as outras pessoas. Nesta guerra da droga não há heróis.”

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