Sociedade

“Santo Graal” da fusão nuclear pode estar acessível em poucas décadas, diz investigador

Central Nuclear de Ascó, em Tarragona, na Catalunha, Espanha
Central Nuclear de Ascó, em Tarragona, na Catalunha, Espanha
Willtron

Segundo o investigador Eduardo Alves, membro de um projeto que junta cientistas de 35 países, a fusão nuclear, que permitiria acabar com os problemas energéticos, poderá estar ao alcance em 40 a 50 anos

"É o maior projeto de sempre da humanidade em termos científicos", afirma o cientista Eduardo Alves, do Campus Tecnológico e Nuclear, que considera que apesar de os países mais desenvolvidos investirem "biliões" e estarem apostados no projeto, "os progressos têm sido relativamente lentos" para chegar à produção de energia limpa a partir da fusão nuclear.

O projeto ITER, cuja ideia foi lançada em 1985, visa construir no sul de França um reator de fusão que permita à humanidade produzir energia sem combustíveis fósseis, sem emissões de dióxido de carbono e sem resíduos radioativos, a partir do mesmo processo físico que alimenta o Sol e "todas as estrelas do Universo".

"Se o que vamos testar nesse reator provar que estamos no bom caminho, eu diria que mais 40 ou 50 anos e já podemos começar a ter reatores a fornecer energia", afirma Eduardo Alves em entrevista à Lusa.

"A partir daí, teríamos uma forma de produzir energia mais barata, porque o combustível existe em todo o lado e não haveria possibilidade de o esgotarmos. São isótopos de hidrogénio que existem em todo o lado. Basta partir uma molécula de água e temos combustível. Se isto funcionar, deixaremos de ter preocupações com a energia", antecipa.

Eduardo Alves participa no Programa Europeu de Fusão Nuclear responsável pela construção do ITER na área dos materiais e o foco do seu trabalho é a construção do invólucro para conter "um pequeno Sol".

Na reação de fusão, há "dois elementos leves, um átomo de deutério e um de trítio, dois isótopos de hidrogénio, que se juntam dando origem a um elemento mais pesado (Hélio)" e libertação de muita energia, sem produção de radioatividade ou resíduos.

"Estes isótopos são aquecidos a temperaturas elevadas, o que faz com que se fundam num único elemento. A massa dos dois iniciais é superior à do final. Essa diferença de massa é convertida em energia que depois é aproveitada e parte dela usada para produzir energia elétrica. É assim que funciona o Sol e todas as estrelas do universo", explica o cientista.

Nesse processo, "há partículas muito energéticas que batem nas paredes da câmara do reator e por enquanto não temos forma de validar o comportamento dos materiais quando estiverem a ser bombardeados".

Parte do trabalho conduzido no Campus Tecnológico e Nuclear, que faz parte do Instituto Superior Técnico de Lisboa, é usar aceleradores de partículas para irradiar materiais como o tungsténio e o berílio que vão ser utilizados para construir as paredes da câmara do ITER e ver como se comportam.

No caso dos reatores de fissão nuclear, que são os utilizados atualmente a energia é produzida devido à fissão de um elemento pesado em dois mais leves, processo que gera grandes quantidades de radioatividade.

Dos cerca de 400 reatores nucleares de fissão em funcionamento em todo o mundo, todos usam o isótopo urânio 235 (235U) como combustível físsil e "uma grama de urânio produz tanta energia como uma tonelada de carvão".

Num reator nuclear provoca-se uma desestabilização do núcleo do elemento pesado,235U, que se divide em dois, e nesse processo é libertada energia. Mais uma vez esta energia resulta da diferença de massa que existe no início e fim do processo que é convertida em energia que se utilizada para gerar energia elétrica.

"A energia que existe no Universo é a mesma desde o instante inicial. Não criamos massa nem energia, transformamos uma forma de energia noutra", ilustra, seguindo a famosa equação de Einstein, 'E=mc2'.

Numa central nuclear, a energia produzida no reator gera calor que é transferido para o líquido de arrefecimento - em 90 por cento dos quase 400 reatores em funcionamento é água a alta pressão - que absorve esse calor. Essa água sobreaquecida é arrefecida num circuito secundário por água à pressão atmosférica que vai entrar em ebulição gerando vapor que aciona turbinas com geradores que transformam a rotação em energia elétrica.

Nas centrais a carvão, o processo é semelhante, mas o combustível é diferente, é o carvão.

Nos reatores mais modernos, chamados de quarta geração, a eficiência energética pode chegar a 60% da conversão da energia em eletricidade porque o reator funciona a temperaturas mais elevadas que o limite atual de 400 graus, podendo atingir os mil graus.

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