Quando William López se deitou na última noite sabia que quando acordasse teria más notícias. Entre os seus contactos e redes sociais já circulavam rumores de que a Rússia poderia atacar. Acordou e as notícias mostravam o que ele não acreditava ser possível.
“Pode parecer hipocrisia, mas não é. Há 48 horas nada disto estava a acontecer”, diz ao Expresso o luso-brasileiro que há dois dias, quando falou pela primeira vez com este jornal, dizia tranquilamente que não tinha intenção de deixar a Ucrânia, país onde vive há quase uma década. Reside em Tcherkássi, a 200 quilómetros de Kiev e a mais de 400 da fronteira russa. Ali não chegaram as explosões ou bombardeamentos. “Naquele momento, a situação era outra, nunca se pensou que iria acontecer tudo isto, a situação hoje é outra e o meu discurso também.”
Há 210 portugueses na Ucrânia e estes dois não querem sair. “A não ser que aviões com bombas me passem por cima da cabeça não penso nisso”, diz Alexandre. “E fazia o quê? Largava tudo e ia para Portugal?”, pergunta William
William continua a não pensar sair. Mesmo assim está preparado para ter de o fazer caso se sinta inseguro. As malas estão prontas e o carro preparado. Leva comida enlatada, garrafas de águas, lanternas, pilhas e rádio. “Tenho um plano de fuga aso seja necessário”, conta. Quarta-feira à noite foi comprar o que poderia faltar, esta quinta-feira já voltou ao supermercado duas vezes.
“Na cidade onde estou não se passa nada por agora. As pessoas estão a ir de forma bastante civilizada aos supermercados, às farmácias e aos bancos levantar dinheiro. Há filas para entrar, mas nas prateleiras não falta comida. Em alguns casos, apenas esgotou a água engarrafada”, descreve, assegurando que não tem medo apesar das precauções que decidiu tomar. “Não estou em pânico, estou a fazer os preparativos de forma ordenada e responsável. São estrangeiros que estão mais aflitos porque não estão habituados. A mentalidade ucraniana é totalmente diferente.”
Os familiares da mulher de William e uns amigos próximos vão agora ter a casa do português. Vão reunir-se todos ali para, em caso de necessidade, irem todos juntos para um dos pontos de encontro definidos pela embaixada portuguesa para retirar pessoas da Ucrânia. “A embaixada ligou-me a perguntar qual era o meu agregado e, oficialmente, sou eu, a minha mulher e o nosso filho. Mas já esta manhã liguei a explicar que não saíramos sem a família dela nem os nossos dois gatos. Ninguém fica para trás. Hoje a situação está pior, se fossemos os três para Portugal será que conseguíamos dormir em paz sabendo que a família ficou?”
A William, a embaixada deu a garantia que quem estivesse com ele no momento de ir embora “passaria” a fronteira. Vão ficar todos juntos, ainda faltam alguns chegarem ao apartamento. “Onde cabe um, cabem dois ou três. Em tempo de guerra, dormem 20 aqui se for preciso.”
Neste momento, conta ainda, a circulação entre cidades é quase impossível. As vias estão bloqueadas para a passagem de tanques e militares.
“Ir para aí de paraquedas? Que ajuda teríamos?”, questiona, recordando que tudo o que têm está na Ucrânia. “Claro que estou a tentar reunir condições financeiras para não ter de viver à custa de ninguém, mas quero que saibam que se for para Portugal não porque quero é por uma questão de sobrevivência.”
William falou ao telefone com o Expresso poucos minutos depois de ter sido confirmada a entrada de militares russos em Kiev. Um vídeo filmado pela janela do seu outro apartamento em Irpin, nos subúrbios de Kiev “mostra a guerra”.
“Foi tudo muito rápido, confesso que a minha cabeça está tipo barata-tonta. A parte dos ataques foi inesperada, mas também não podemos falar de um ataque em grande escala”, diz William. “Em Kiev as explosões foram provocadas por bombas que já lá estavam, não foram aviões a bombardear. Neste momento, estão em confrontos em Kiev, se são separatistas ou russos e quantos são, não sei. Está tudo muito confuso. Eu acredito que [Vladimir] Putin não quer a Ucrânia, quer subjugar Kiev e meter um governo pró-russo”, descreve.
O Governo ucraniano pediu a toda a população para não sair de casa, acompanhar as notícias nos meios de comunicação ucranianos, respeitar os estados de alertas em cada região — há níveis diferentes de acordo com o perigo —, não partilhar fotografias ou vídeos com movimentações militares e ter sempre água.
“Hoje já não vou ao parque com o meu filho, embora o estado de alerta aqui seja menor do noutras regiões do país.” Em situação normal, do apartamento de William até à fronteira com a Polónia são entre 600 e 700 quilómetros, são cerca de cinco ou seis horas a conduzir. “Se nos sentirmos inseguros, é só pegarmos nas malas.”
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