Sociedade

COP26. O mundo “a perder a paciência” perante “a montanha” que os responsáveis ainda dizem ter pela frente

O cientista sueco, Johan Rockström, numa conferência sobre os limites do planeta
O cientista sueco, Johan Rockström, numa conferência sobre os limites do planeta
picture alliance/dpa/Fotobanco

“O mundo lá fora está a perder a paciência e não podemos continuar a empurrar estes acordos para o futuro”, avisa o cientista sueco Johan Rockstrom. No dia em que se falou sobre a importância da igualdade de género no combate às alterações climáticas, também se ficou a saber que a presidência da COP teme ter até sexta-feira “uma montanha para subir”

COP26. O mundo “a perder a paciência” perante “a montanha” que os responsáveis ainda dizem ter pela frente

Carla Tomás

Jornalista

A três dias do fim, o presidente da Cimeira de Glasgow, Alok Sharma, admitiu que “há uma montanha para subir” para que a COP26 possa ser considerada bem-sucedida. “Temos hipótese de chegar a 2ºC mas não creio que cheguemos aos 1,5ºC”, afirmou por seu lado Johan Rockström em declarações ao “Expresso” e ao “Público”, à margem da entrega do Prémio Gulbenkian para a Humanidade.

O investigador na área das Ciências do Sistema Terrestre e diretor do Instituto Potsdam, que se dedica ao impacto das alterações climáticas, lembrou que “há cada vez mais planos e acordos que vão ao encontro do que pede a ciência”, mas que “ainda há muito em jogo e esta [COP] é a última oportunidade para atingir o objetivo”. Para Rockström, certo é que “Glasgow tem de ser o momento em que tudo isto fica acordado”, já que só assim “a COP26 terá credibilidade”. E alertou: “O mundo lá fora está a perder a paciência e não podemos continuar a empurrar estes acordos para o futuro”.

Admitindo que “há algum progresso” — destacou os compromissos apresentados por diferentes países relativamente a corte de emissões até 2030 e adoção de planos de neutralidade carbónica até 2050, assim como os acordos para parar com a desflorestação, reduzir as emissões de carbono e parar com extração de carvão —, assumiu que “está longe do suficiente”. Para Rockström são necessários acordos semelhantes destinados a investir em soluções baseadas na natureza que permitam ajudar agricultores a investir nas suas terras e florestas como sequestradores de carbono. Mas tudo isto terá de ser monitorizado, avaliado e quem se comprometeu terá de apresentar contas, defendeu.

Além destes pontos, o investigador lembrou que é preciso não só garantir o fundo climático verde com os prometidos 100 mil milhões de dólares (desde 2009), como “assegurar que existe financiamento idêntico nos 10 anos seguintes para ajudar os países em desenvolvimento a fazer a transição climática”.

Este dossiê tem estado bloqueado, tal como o fecho do livro de regras do Acordo de Paris, o “artigo sexto” do mercado de carbono e o financiamento para ajudar os países mais vulneráveis a enfrentar perdas e danos.

A dança de números

Mas, afinal, a quantos graus de distância andamos face à meta ambicionada? Esta terça-feira, os números do aquecimento global voltaram a dançar e apenas há uma certeza: a meta dos 1,5ºC não será alcançada. Entre as promessas a longo prazo de neutralidade carbónica até meados do século, feitas até agora na COP26 por 140 países que representam 90% das emissões, e as ações para as atingir há uma diferença de 1ºC, aponta o Climate Action Tracker.

No relatório divulgado esta terça-feira, o aquecimento previsto até final do século (comparado com o da época pré-industrial) varia entre 2,1ºC e 2,4ºC. Estes números contrastam com as projeções mais otimistas anunciadas por cientistas da Universidade de Melburne, na semana passada, que apontavam para subidas de 1,9ºC se fossem cumpridas as promessas feitas pelas partes até à semana passada, incluindo compromissos de longo prazo, como o da Índia atingir a neutralidade carbónica em 2070, 20 anos depois da maioria dos outros países.

Já a Agência Internacional de Energia apresentou um relatório com um cenário “extremamente otimista”, nas palavras de Pedro Nunes, da Zero. O ambientalista explica que esta “decalage de números se deve a terem bases diferentes”, contabilizando ou não medidas apresentadas apenas para 2030 ou as que apontam para prazos mais longos.

Dados científicos recentes indicam que se as temperaturas subirem 2ºC até 2010 o nível de stress de calor pode afetar cerca de mil milhões de pessoas no mundo, quase duplicando o número de seres humanos que já hoje são afetados por ondas de calor extremos.

Boris regressa de comboio

Neste nono dia de cimeira do Clima também se ficou a saber que o primeiro-ministro Boris Johnson vai regressar a Glasgow até ao final da semana para tentar desbloquear as negociações e encorajar “ações ambiciosas”. Desta vez, Johnson deverá deslocar-se de comboio entre Londres e Glasgow, depois de ter sido fortemente criticado pelas emissões dos seus voos para a COP.

Do outro lado do Atlântico, e sem hipótese de irem de comboio, aterraram de avião duas representantes do Congresso americano que voltaram a chamar a atenção nos corredores da COP e a encher as salas: a líder da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, e a congressista Alexandria Ocasio-Cortez.

No dia em que o tema central foi a igualdade de género e a ação climática, Pelosi disse que “se mandasse no mundo a coisa mais importante que faria era investir em educação de mulheres e crianças”.

Questionada pela Sky News sobre se considerava que a administração americana conseguiu recuperar a sua autoridade moral na luta contra a crise climática, depois de esta ter sido “deitada ao chão” por Donald Trump, Ocasio-Cortez disse que “não”. Segundo a congressista, os EUA estão a dar alguns passos “mas precisam de cortar emissões para ganhar novo crédito, respeito e autoridade a nível internacional”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ctomas@expresso.impresa.pt

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