Sociedade

Há uma nova campanha na guerra ao plástico, mas continuam a existir lóbis no contra-ataque

80% do lixo encontrado nas praias são plásticos, metade dos quais descartáveis
80% do lixo encontrado nas praias são plásticos, metade dos quais descartáveis

Arranca esta sexta-feira uma nova campanha nacional, promovida pelo “Pacto Português para os Plásticos”, que pretende sensibilizar os consumidores para a redução do consumo de materiais descartáveis e acabar com a poluição provocada pelo plástico no prazo de cinco anos. Mas o lóbi da “indústria do descartável” continua a jogar nos dois tabuleiros e a tentar boicotar a aplicação de nova legislação que proíbe o plástico de uso único em Portugal e no mundo, segundo um relatório de um grupo de organizações ambientalistas internacionais

Há uma nova campanha na guerra ao plástico, mas continuam a existir lóbis no contra-ataque

Carla Tomás

Jornalista

“Vamos Reinventar o Plástico” é o lema da nova campanha promovida pelo “Pacto Português para os Plásticos”— plataforma liderada pela Associação Smart Waste Portugal e que conta com mais de 80 entidades aderentes —, que arranca esta sexta-feira. “Desde meados do século XX que o plástico tem sido reinventado. Começou por servir para fazer pentes e hoje serve para fazer partes de aviões ou roupa”, conta ao Expresso Pedro São Simão, coordenador do Pacto Português para os Plásticos. “Está na hora de reinventarmos o plástico utilizando apenas o que precisamos mas garantindo que nunca se converta em poluição”, acrescenta o economista e empresário que está agora à frente desta plataforma colaborativa, que conta com o apoio do Governo.

O objetivo da nova campanha é “sensibilizar os consumidores portugueses para uma utilização responsável do plástico e mobilizar a sociedade no processo de transição para uma economia circular em que continuamos a beneficiar das características do plástico sem impactos no ambiente”, sublinha Pedro São Simão. Para o economista e empresário, especializado em cadeias de valor sustentáveis, “é necessário envolver os portugueses nesta nova fase”, de forma a alterarem hábitos e assim irem ao encontro das metas definidas no início de 2020 e a que os signatários deste pacto se comprometerem atingir até 2025.

Entre os compromissos — assinados por marcas, produtores, retalhistas, recicladores, entidades gestoras de resíduos, Governo, universidades, municípios e organizações não governamentais — constam a meta de incorporar em média 30% de plástico reciclado nas novas embalagens; fazer com que pelo menos 70% das embalagens sejam efetivamente recicladas; produzir ou utilizar embalagens de plástico em materiais 100% reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis; definir até final deste ano uma lista de plásticos de uso único “problemáticos ou desnecessários” que possam ser eliminados do mercado até 2025; e promover atividades de sensibilização junto dos consumidores.

A campanha de sensibilização arranca agora, visando também, segundo Pedro São Simão, “dar a conhecer ao público o que está efetivamente a ser feito pelas empresas” para atingir os compromissos feitos há sete meses. O coordenador do Pacto Português para os Plásticos garante que “até ao fim do ano” estará pronta a listagem de plásticos de uso único considerados problemáticos ou desnecessários e a definição das medidas para a sua eliminação, através de redesenho, inovação ou modelos de entrega alternativos; e que “são cada vez mais as empresas que estão a colocar no mercado novos produtos 100% recicláveis ou que incorporam plástico reciclado nas novas embalagens”. Entre estes surgem embalagens de detergentes, baldes, garrafões, roupa, calçado e até óculos de sol feitos com plástico reciclado. E lembra que “o potencial de ter mais de um milhão de garrafas de bebidas recolhidas em três meses no sistema de depósito distribuído por 23 pontos no país durante a pandemia demonstra o potencial deste tipo de medidas para fazer recuperação e reutilização de materiais”. O sistema de depósito com retorno deverá ser implementado em larga escala em Portugal a partir de janeiro de 2022, permitindo que 90% de todas as embalagens de bebidas sejam reaproveitadas ou convertidas em novas embalagens.

Taxa de deposição de resíduos em aterro duplica

Até 2025, as metas comunitárias impõem a reciclagem de 50% das embalagens de plástico e a recolha seletiva de 77% das garrafas de plástico. Contudo, Portugal está longe destas metas. Dados da Agência Portuguesa do Ambiente de 2018 indicam que o país reciclou 44% das embalagens declaradas pelas entidades gestoras (Sociedade Ponto Verde, Novo Verde e Eletrão) com base nas 163.039 toneladas que pagaram ecotaxa nesse ano, das quais 72.360 foram recicladas. Porém, a associação Zero concluiu que “só se reciclaram 72 mil das 600 mil toneladas de plástico que saem das casas dos portugueses”, ou seja, 12% de todo o plástico que entra em casa dos portugueses, já que incluiu neste bolo de plástico não só os resíduos de copos de iogurte, garrafas de água, pacotes de leite ou embalagens de detergente ou champô, entre outras que pagam ecotaxa, como todos os outros resíduos de plástico que ficam fora deste fluxo, como escovas de dentes, alguidares ou brinquedos.

Pedro São Simão está confiante de que “a taxa de reciclagem de plástico vai aumentar já em 2020”. E sobretudo a partir de 2021, já que para tal também deverá contribuir o aumento da taxa de gestão de resíduos em aterro - que vai passar de 11 euros por tonelada para 22 euros (para os resíduos recolhidos de forma indiferenciada) a partir de janeiro de 2021. A alteração ao regime geral de gestão de resíduos foi aprovada pelo Governo esta quinta-feira em Conselho de Ministros. “Dá-se assim mais um passo no conjunto de instrumentos de política necessários para que Portugal possa cumprir com as metas, cada vez mais exigentes, de desvio de resíduos de aterro e de preparação para reutilização e reciclagem nos próximos meses”, indica o Ministério do Ambiente em comunicado.

Contudo , enquanto se dão uns passos à frente, dão-se outros atrás. Em finais de agosto, o Governo concedeu uma moratória que permite que a lei que proíbe a disponibilização de louça de plástico de utilização única nas atividades do sector de restauração e/ou bebidas e no comércio a retalho só entre em vigor em abril em vez de setembro, permitindo a proliferação de louça, palhinhas e outros materiais descartáveis por mais seis meses. Para os ambientalistas da Zero, “isto foi um péssimo sinal”. Esta legislação antecipava a entrada em vigor da diretiva comunitária que pretende reduzir e punir os chamados “plásticos de uso único” na restauração a partir de 2021.

Sabotagem da indústria dos plásticos

Entretanto, esta quinta-feira uma investigação realizada pela Changing Markets Foundation e a coligação Break Free From Plastic, da qual fazem parte as associações Sciaena e a ZERO, divulgou um relatório a acusar a indústria do descartável de “sabotar as soluções para a crise dos plásticos”. O relatório tem por base dados de 15 países de cinco continentes e “demonstra a discrepância que existe entre o discurso e os compromissos públicos de grandes supermercados e marcas da área alimentar e de bebidas e as suas manobras de bastidores, que visam boicotar qualquer legislação que procure fazer frente ao problema das embalagens descartáveis”, resume a Zero em comunicado enviado às redações .

Com base neste relatório, os ambientalistas acusam as empresas de “atrasar e obstruir legislação progressista, isto ao mesmo tempo que procuram distrair os consumidores e governos com promessas vazias e falsas soluções”. Entre os exemplos citados no documento “Talking Trash - manual sobre falsas soluções das empresas para a crise do plástico” constam dez dos maiores poluidores de plástico do mundo — Coca-Cola, Colgate-Palmolive, Danone, Mars Incorporated, Mondelēz International, Nestlé, PepsiCo, Perfetti Van Melle, Procter & Gamble e Unilever —, que, segundo os dados disponíveis, colocam no mercado “uma pegada plástica conjunta de quase 10 milhões de toneladas por ano”.

Susana Fonseca, da Zero, lembra que “várias destas empresas assumem compromissos públicos de reciclagem com objetivos quantificáveis que não cumprem ou aderem a iniciativas para resolver o problema dos resíduos de plástico ao mesmo tempo que têm feito lóbi contra a implementação de sistemas de depósito ou outra legislação para regulamentar o uso de plástico descartável”. E sublinha: “Já não há tempo para as falsas soluções ou promessas. Ou apostamos de vez em soluções de redução e reutilização, ou arriscamo-nos a causar danos irreversíveis ao ambiente e à nossa saúde”.

A Zero faz parte do Pacto Português para os Plásticos e elogia a iniciativa, alertando contudo para o facto de que “estes pactos são importantes, mas não são só por si suficientes”. E conclui: “Os governos devem regulamentar e os cidadãos devem agir e mostrar às empresas que mais do mesmo já não serve”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ctomas@expresso.impresa.pt

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