Sociedade

Pandemia aumentou o risco de exclusão nas crianças

Na academia aprende-se a reagir às adversidades. E “logo a seguir continuam a treinar, mais e melhor”
Na academia aprende-se a reagir às adversidades. E “logo a seguir continuam a treinar, mais e melhor”
Goncalo Villaverde

Projetos Expresso. São as vítimas silenciosas do surto. A covid-19 obrigou pais e filhos ao confinamento e levou a um aumento da violência doméstica sobre os mais frágeis: idosos e crianças

André Rito

O encerramento das escolas arrancou-lhes as rotinas, acentuou as diferenças e deixou-as mais expostas à violência doméstica. As crianças são dos grupos de menor risco da covid-19, mas os danos colaterais da pandemia nos mais novos têm sido objeto de uma ampla discussão a nível mundial. Mais do que em qualquer altura, o trabalho das associações do terceiro sector, da economia social e da solidariedade tornou-se essencial — mas foi também dificultado pelo surto do novo coronavírus.

O sociólogo António Barreto notou isso mesmo, esta semana, durante a entrega dos Prémios BPI “la Caixa” Infância, enaltecendo “o trabalho das instituições premiadas, desenvolvido em condições ainda mais difíceis devido aos diferentes condicionalismos provocados pela crise da pandemia de covid-19”. Foram 31 os projetos portugueses [ver caixa] que dividiram o prémio de €750 mil, atribuído para melhorar a qualidade de vida de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social.

Com a quebra de rendimentos das famílias, uma crise pela frente e a incerteza do vírus, o risco de pobreza e exclusão infantil tornou-se mais evidente em tempo de pandemia. Maria de Belém, ex-ministra da Saúde que esteve na fundação do Instituto de Apoio à Criança, lembra que a pobreza na infância é uma realidade que “impede o acesso a uma alimentação de qualidade, às tecnologias que a escola exige, e vai comprometer em definitivo capacidades cognitivas” das crianças. “Numa altura destas, em que se encontrou uma alternativa ao ensino presencial, e tendo Portugal um problema de qualificação das pessoas, quem vai sofrer são as crianças. [Este modelo] é uma solução de recurso que puxa muito pelos pais e educadores. Se as crianças não tiverem os pais para acompanhar, vão ficando para trás. E muitos destes pais não pararam de trabalhar durante o confinamento, muitos nem computador tinham.”

António Tavares, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, também teme que os efeitos da pandemia provoquem um aumento da exclusão social das crianças e jovens. “As crianças estão muito afastadas e fragilizadas, tal como os idosos, porque são as peças mais fracas do sistema. É preciso haver um acompanhamento a funcionar em rede com várias organizações da sociedade civil e da própria Segurança Social”, diz ao Expresso, acrescentando que “a situação seria bem mais caótica sem as instituições de solidariedade que estão na linha da frente”. Questionado quanto às políticas públicas de promoção do desenvolvimento das crianças, o provedor diz que há um longo caminho a percorrer.

“Portugal não trata bem as suas crianças. Os números da violência doméstica e infantil mostram que as políticas não são eficazes. É preciso dotar a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens [CPCJ] com mais meios técnicos, fomentar o apoio psicológico e social nas instituições. Às vezes, as crianças são entregues a uma família com base num relatório”, afirma António Tavares. Em 2019, a violência doméstica foi das situações de perigo mais comunicadas à CPCJ, embora a negligência continue no topo dos diagnósticos. Em maio e junho deste ano, durante a pandemia, houve 800 situações de perigo comunicadas pelas escolas.


Ténis solidário
Perante o atual cenário de crise — económica e sanitária —, o terceiro sector, da economia social e da solidariedade, assumiu particular importância. A Academia dos Champs, por exemplo, fundada em 2009 com o estatuto de IPSS, foi um dos projetos vencedores dos Prémios BPI “la Caixa” Infância. De cariz social, destinada a crianças e jovens entre os 5 e os 18 anos, é através do ténis que 300 crianças em situação de vulnerabilidade são apoiadas diariamente. Quando a pandemia chegou, a instituição suspendeu a atividade mas reinventou-se para manter o contacto e acompanhamento dos menores.

“Embora seja uma modalidade individual, na nossa academia as aulas são em grupo, e o material é partilhado. Não era possível manter as portas abertas, mas conseguimos produzir alguns vídeos com exercícios, jogos didáticos e questionários sobre a modalidade e sobre o nosso projeto, para que os miúdos pudessem fazer em casa”, conta ao Expresso o diretor da instituição, Pedro Carvalho, lembrando que “mesmo com todas as condicionantes” mantiveram o acompanhamento do desempenho escolar das crianças da Academia dos Champs. “A taxa de retenção foi baixíssima, quase não houve chumbos.”

Sinais de perigo

A pandemia acentuou os casos de violência contra menores e revelou desigualdades no ensino à distância

Foi das questões mais debatidas quando o Executivo de António Costa decidiu encerrar as escolas devido à pandemia, a três dias de ser decretado o estado de emergência. A mudança de aulas presenciais para o ensino à distância veio acentuar as desigualdades sociais, sobretudo nas crianças. Calcula-se que haja pelo menos 50 mil alunos que não têm acesso à internet em casa — algo que no limite pode significar dificuldade no acesso ao ensino. “A falta de meios e de apoio escolar teve um grande impacto em muitas famílias e crianças, que se sentiram discriminadas em relação a outras crianças”, revela ao Expresso o provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, António Tavares.

Com o confinamento imposto pelas autoridades de saúde, a permanência em casa também fez disparar os casos de violência doméstica e contra crianças. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde, só na Europa registou-se um crescimento de 60% nos casos sinalizados, e as denúncias online aumentaram até cinco vezes durante o mês de abril. Em Portugal, a Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica (RNAVVD) também aferiu um aumento das comunicações à Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, e os professores foram desafiados a identificar sinais de perigo e a estarem atentos ao comportamento dos menores durante as aulas online. A quebra de rendimentos, a falta de condições na habitação, a exclusão social e a violência parental esteve na origem de um aumento significativo de crianças acolhidas em instituições e estruturas da RNAVVD.

DISTINGUIDOS NO PRÉMIO INFÂNCIA

﷯﷯Academia dos Champs
﷯Ajuda de Mãe — Associação de Solidariedade Social
﷯ART — Associação 
de Respostas Terapêuticas
﷯Associação do Centro Social de Escapães
﷯Associação 
de Solidariedade 
Social Viver 
em Alegria
﷯Casa do Povo 
de Resende
﷯Casa do Povo 
de Santo António
﷯Casa do Povo 
do Concelho de Óbidos
﷯CCD DESPORTALEGRE
﷯Centro de Caridade 
Nossa Senhora 
do Perpétuo 
Socorro
﷯Centro de Solidariedade 
de Braga — Projeto Homem
﷯Centro de Solidariedade 
e Cultura de Peniche
﷯Cercimor, CRL
﷯Cruz Vermelha Portuguesa — Delegação de Arcos 
de Valdevez
﷯Cruz Vermelha 
Portuguesa — Delegação 
de Coimbra
﷯Focus, CRL
﷯Fundação Rui 
Osório de Castro
﷯Fundação Santa 
Rafaela Maria
﷯Gondomar Social 
— Associação de 
Intervenção Comunitária
﷯Instituto de Desenvolvimento 
e Inclusão Social (IDIS)
﷯Amigos da Montanha
﷯Liga dos Pequeninos
﷯Misericórdia de Gaia
Mundo A Sorrir
PASEC
﷯Pressley Ridge 
— Associação de Solidariedade Social
﷯PROBRANCA — Associação para o Desenvolvimento Sociocultural da Branca
﷯Santa Casa da Misericórdia da Ribeira Grande
﷯Santa Casa da Misericórdia de Alcáçovas
﷯Santa Casa da Misericórdia de Miranda do Douro
﷯Santa Casa 
da Misericórdia 
de Montemor-o-Velho

Textos publicados na edição de 1 de agosto do Expresso

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