O canil que ardeu sábado na sequência de um fogo que deflagrou numa zona florestal da Freguesia de Sobrado, Valongo, e que se propagou para a freguesia de Agrela, Santo Tirso, já tinha sido alvo de uma investigação em 2017. O Ministério Público decidiu, no entanto, arquivar o processo um ano depois por considerar que “não existe crueldade em manter animais num espaço sujo, com lixo, dejetos e mau cheiro”.
De acordo com o PAN, que denunciou no domingo a existência de dezenas de animais mortos na sequência do incêndio - e também a recusa das autoridades em deixar entrar habitantes e organizações no local para prestar socorro aos animais ainda vivos - o abrigo, de nome Cantinho das Quatro Patas, estava “ilegal”. Ao Expresso, Inês Sousa Real, deputado do partido, afirmou que isso já seria do conhecimento tanto da Câmara como da GNR de Santo Tirso. Ao Ministério Público terão inclusive “chegado queixas de maus-tratos infligidos aos animais”. “Mesmo assim nunca foi ordenado o encerramento dos espaços pela autarquia, como determina a legislação.”
Em dezembro de 2017 soube-se, de facto, que o Ministério Público (MP) estava a investigar maus-tratos em dois abrigos de cães em Santo Tirso, sendo um deles o Cantinho das Quatro Patas (o outro era o Abrigo de Paredes, ambos situados na Serra do Sobrado).
Segundo uma notícia publicada nesse ano pela agência Lusa, o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Porto movera um processo-crime a dois abrigos de animais em Santo Tirso, o Cantinho das Quatro Patas e o Abrigo de Paredes, após uma denúncia de maus-tratos e “negligência”, que “se arrastavam há anos”, a centenas de cães. No momento da acusação, os promotores da denúncia alertaram para “um cenário dantesco”, com “cães acorrentados por todo o lado, saudáveis, doentes, novos, velhos, alguns que já desistiram da vida e estão apenas a aguardar que a morte chegue”, lia-se na mesma notícia.
Um ano depois, em 2018, o processo era arquivado, tendo o MP considerado “não haver crueldade em manter animais num espaço sujo, com lixo, dejetos e mau cheiro”, conforme tinha sido denunciado, lia-se no despacho. “Apesar de não prestar as ideais condições aos animais que ali estão acolhidos, pois poderia e deveria estar mais limpo, não existe crueldade em manter animais num espaço sujo, com lixo, dejectos e mau cheiro”, afirmou o MP no despacho do arquivamento. “Apesar de [os animais] viverem num local muito sujo, não estavam em sofrimento”, não tendo portanto este enquadramento “relevância jurídico-penal”, referia a mesma nota.
Entretanto, todos os animais foram retirados do abrigo e “muitos deles levados para clínicas e hospitais veterinários”, conforme adiantou a Associação Portuguesa de Busca e Salvamento, uma das organizações que se deslocaram este domingo para o local. Morreram cerca de 50 animais no incêndio. De acordo com a associação, os animais viviam em “condições muito degradantes, desumanas”, no interior do abrigo. “Ando há oito anos nisto e nunca vi uma coisa assim tão má”, disse, em declarações à RTP, um responsável da associação.
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