Outro argumento contra o aeroporto do Montijo: o risco de sismos
Existe ainda a possibilidade de tsunamis, não muito elevada mas confirmada por diversos eventos na História portuguesa, segundo um professor do Instituto Superior Técnico
Existe ainda a possibilidade de tsunamis, não muito elevada mas confirmada por diversos eventos na História portuguesa, segundo um professor do Instituto Superior Técnico
Jornalista
As discussões sobre o futuro aeroporto no Montijo têm-se centrado ultimamente em questões políticas, nomeadamente o requisito de obter o acordo de todos os municípios afetados. Mas há obstáculos de outros tipos a enfrentar. João Duarte Fonseca, coordenador do laboratório de sismologia do Instituto Superior Técnico, menciona alguns que têm a ver com a natureza. "Uma grande obra de engenharia tem de considerar os riscos a que ela vai ficar exposta", diz. "Estamos a falar em perdas potenciais, quer económicas quer de vidas".
Em termos gerais, ambas podem acontecer. "É claro que hoje em dia existe uma panóplia muito larga de opções para se mitigar esses riscos, através de técnicas construtivas, etc. Mas quando ainda estamos a considerar várias possibilidades de localização de uma infraestrutura, essa questão deve influenciar a decisão".
"Não se vislumbra que isso tenha acontecido", diz. "Houve algumas críticas feitas por meios académicos em relação a ausência de estudos de risco adequados no âmbito do estudo de impacto ambiental, mas eu iria mais longe. Esta avaliação não é do âmbito do impacto ambiental, que trata dos riscos para a natureza, para o ecossistema, para a fauna, para a flora, para os aquíferos, etc. Aqui estamos a falar de outra coisa".
Nota que um aeroporto promove o desenvolvimento industrial na sua zona. "Em torno dele há depósitos de combustível, toda uma série de estruturas melindrosas que ficam sujeitas às ameaças da natureza - no caso concreto, os sismos, e, no estuário do Tejo, também os tsunamis. A nossa história mostra que no passado aconteceram cenários que causaram inundação nas margens do mar da palha. Curiosamente, havendo indícios de que parte desses tsunamis podem ter origem no interior do próprio rio".
Lamenta que as críticas já vindas a público tenham ficado sem resposta. "Não se vê uma clarificação pelos responsáveis das opções que estão a ser feitas. Fica-se com a impressão de que elas são ditadas por razões de ordem política ou económica, mas não técnica".
Nos estudos de que se trata teria de participar o IST? "Não necessariamente. O Instituto Superior Técnico é considerado uma referência neste tipo de estudos, e tem estado envolvido em vários ao longo do tempo, por exemplo na construção de barragens, ou com municípios que estão preocupados com o ordenamento do território". Contudo, para obras de vastas dimensões, independentemente do papel que organismos como o IST, o LNEC e o IPMA possam ter, é frequente recorrer-se a empresas internacionais. "Recentemente, por exemplo, o governo espanhol contratou uma empresa especializada nos Estados Unidos para fazer um estudo do risco sísmico ligado às centrais nucleares no país", diz. "Essa empresa recorreu ao Instituto Superior Técnico como especialista na área".
O facto de não terem sido noticiados estudos sobre os riscos naturais para o aeroporto do Montijo significa que eles não foram realizados? "Ou não foram feitos, ou não houve transparência suficiente, para tranquilizar as pessoas em relação à maneira como o assunto foi tratado".
Aquela zona do vale do Tejo é a que tem o risco mais elevado no país, explica. "Isso não é necessariamente impeditivo da construção de uma infraestrutura. Mas junta-se o facto de a zona da base aérea do Montijo ser formada por terrenos aluvionares, isto é, que foram transportados pelo rio e depositados ali. Esses terrenos são os mais desfavoráveis do ponto de vista sísmico, pois amplificam as vibrações sísmicas. E estão sujeitos a outros tipos de fenómenos, como a liquefação, que é a perda completa de consistência dos solos quando sujeitos a vibrações sísmicas. Todas estas questões requerem estudos detalhados no local para avaliar o grau de risco associado. Não se avança para uma obra desta natureza sem os fazer".
A título de ilustração, invoca a História. Em 1755, os blocos do cais que havia no Terreiro do Paço desapareceram completamente, causando perplexidade. "As pessoas costumavam ir passear ali à beira-mar, estavam muito familiarizadas com aquela zona. A construção era recente, do tempo de D. João V. Com o terramoto, o chamado cais da pedra desapareceu completamente. Os blocos de pedra sumiram. Hoje em dia, isso é visto como um indício claro de que ocorreu liquefação. Os solos em que assentavam os blocos de mármore perderam completamente a consistência. Os blocos afundaram-se e desapareceram".
"É preciso investigar em cada local, e há técnicas para fazer a avaliação do potencial de liquefação dos solos", diz. "Mas, por regra, se há uma opção que permite evitar a construção do aeroporto numa zona com uma geologia propícia à ocorrência destes fenómenos, isso pesa a favor de uma outra escolha".Refere Alcochete, onde a geologia é diferente, designamente por os solos não serem compostos por depósitos aluvionares.
Quanto ao risco de tsunami, diz existirem estudos que indicam ser significativo na costa portuguesa. "Claro que é maior mais a sul, no Algarve, na zona de Cádis, do que ao nível do rio Tejo e do mar da Palha". Cita dois tsunamis, um em 1755 e o outro em 1531, proveniente de um sismo que aconteceu não no oceano mas no próprio Vale do Tejo. "Perturbou suficientemente a água do rio Tejo para causar inundações das margens no mar da Palha, segundo descrições em textos da época".
Ainda em 1979, um outro tsunami foi registado pelos aparelhos. "Não causou danos, mas prova que o problema existe", conclui.
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