Não fui contactada pelo Rui Rangel porque não temos qualquer tipo de relação e não falo com ele há uns três anos. Não me abordou e obviamente não me tentou influenciar para nada." A garantia é de Paula Sá Fernandes, juíza-desembargadora da Relação de Lisboa e relatora de um processo visado na 'Operação Lex', uma investigação da Polícia Judiciária e do Ministério Público que tem como principal suspeito Rui Rangel, também desembargador da Relação de Lisboa. Segundo os indícios recolhidos pelos investigadores da unidade anticorrupção da PJ, Rangel teria recebido dinheiro de José Veiga para "influenciar" um processo que opunha Pedro Sousa ao Sporting, clube para o qual trabalhou como assessor durante a presidência de Godinho Lopes, depois de sair da Rádio Renascença.

Contactado pelo Expresso, Pedro Sousa, que é amigo de José Veiga há 30 anos, garante que "não" pediu "nada a ninguém", "nem ninguém" lhe "prometeu ou ofereceu alguma coisa". O diferendo acabou com "um acordo com o Sporting". O objetivo de Veiga seria conseguir uma sentença favorável a Sousa, mas a decisão foi contrária. Paula Sá Fernandes indeferiu o recurso do ex--jornalista - que pretendia uma indemnização de 400 mil euros - e deu-lhe o previsto na lei, cerca de 38 mil euros.

Rui Rangel não teve qualquer interferência na decisão. O que não significa que não tenha cometido um crime, porque se ficar provado que aceitou dinheiro com a promessa de influenciar decisões de colegas pode ser condenado em tribunal, no mínimo, por tráfico de influências. O Expresso sabe que Paula Sá Fernandes não foi ouvida pelos inspetores da PJ e não reportou qualquer tentativa de abordagem de Rangel aos responsáveis da Relação de Lisboa.

O outro processo sob investigação envolve o próprio José Veiga, que tinha sido condenado com Rui Meireles e Luís Duque, ex-dirigentes do Sporting, e João Vieira Pinto, num processo de evasão e fraude fiscal. No recurso, apreciado na Relação, o desembargador Rui Gonçalves manteve apenas a condenação do antigo jogador.

Uma fonte da Relação garante que Rui Gonçalves não reportou qualquer tentativa de interferência, que seria "impossível" porque Rangel não tem qualquer relação com este desembargador, descrito como alguém com "uma personalidade muito própria, vincada". O Expresso tentou, sem sucesso, contactar este juiz.

Uma fonte judicial que participou nas buscas desta terça-feira da 'Operação Lex' - que fez até ao momento 13 arguidos, entre eles Rangel, a desembargadora Fátima Galante (sua ex-mulher), o presidente do Benfica, Luís Filipe Viera, o seu vice, Fernando Tavares, bem como três advogados e um oficial de justiça da Relação - garante que o juiz fazia promessas que não podia nem pretendia cumprir para apressar ou influenciar processos, muitos deles em tribunais fora da sua esfera de influência.

O que não invalidava que recebesse dinheiro, entre 300 a 400 mil euros.

"Suspeitamos que fazia aquilo a que se chama venda da banha da cobra", diz esta fonte ao Expresso, que garante não haver qualquer "rede de influências" no seio da magistratura a soldo do desembargador. Rangel e Galante foram suspensos pelo Conselho Superior da Magistratura.

Vieira prometeu lugar na direção

De acordo com os mandados de busca apresentados aos arguidos e divulgados em primeira mão pela SIC, Rui Rangel é igualmente suspeito de ter "mercadejado" a sua influência junto de Luís Filipe Vieira, através do advogado Jorge Barroso, que também é arguido. O presidente do Benfica terá oferecido "um futuro posto na direção do Benfica ou na universidade que o clube projeta instalar no Seixal". Em troca, Rangel terá prometido agilizar um processo que opõe "Luís Filipe Vieira e outros" ao fisco num caso que corre desde 2013 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra. Tiago Vieira, filho do presidente do Benfica, já explicou que o caso em questão envolve o pagamento de 1,6 milhões de euros de impostos. Houve duas juízas que tiveram contacto com o processo - Célia Coutinho e Isabel Fernandes - e o Expresso sabe que ambas garantiram não ter sido contactadas e muito menos influenciadas por Rui Rangel. O processo continua no gabinete da juíza Fernandes "à espera de vez". Viera garantiu estar "de consciência tranquila" porque "não" cometeu "qualquer ilícito".

Rui Rangel viu-se do lado errado da lei quando a PJ, no âmbito do caso 'Rota do Atlântico', encontrou recibos de depósitos e transferências em seu nome numa busca realizada ao escritório do advogado Santos Martins, amigo de longa data do juiz. A polícia descobriu várias transferências em nome de Rangel, sempre inferiores a dez mil euros, para não terem de ser comunicadas às autoridades.

O dinheiro seria depositado por José Veiga numa conta de Santos Martins, passava por outra conta do filho do advogado, e era depois transferido para Rangel. De acordo com a "Visão", até o seguro de um carro de Rui Rangel estava no nome de Santos Martins. O juiz Carlos Alexandre decidiu então extrair uma certidão do caso porque estava em causa um desembargador, que só poderia ser investigado no Supremo Tribunal de Justiça.

Quando foram interrogados pelo juiz, os dois principais arguidos da 'Operação Rota do Atlântico' confirmaram as suspeitas contra Rangel. "Era acelerar os processos, através de conhecimentos", disse Paulo Santana Lopes, apanhado numa vigilância da PJ num encontro com Veiga e Rangel. "O senhor Veiga não foi pedir a intervenção de Rangel, já o tinha feito antes. Naquele encontro o senhor Veiga foi pedir o ponto da situação". No mesmo interrogatório citado esta semana na "Sábado", José Veiga admitiu os contactos com Rangel: "Eu já o conheço. Ele (Rangel) fala e depois nada".

As operações policiais desta semana levaram à detenção de cinco dos treze arguidos, que foram já ouvidos pelo juiz de instrução Pires da Graça, no Supremo Tribunal de Justiça. Um deles é Otávio Correia, oficial de justiça que trabalha na mesma secção do Tribunal da Relação de Rangel e é igualmente um fervoroso benfiquista, e que alegadamente servia de intermediário para angariar clientes para Rangel. Uma missão semelhante à do advogado João Rodrigues, ex-presidente da Federação Portuguesa de Futebol, e também constituído arguido mal aterrou em Lisboa num voo proveniente de Angola, país onde a sua rede de contactos se estende até ao empresário luso-angolano Álvaro Sobrinho.

Suspeita-se ainda que outros arguidos, como é o caso de duas das três ex--companheiras de Rangel, escondiam nas contas bancárias milhares de euros angariados por Rangel. O juiz-desembargador, que vai ser inquirido na próxima semana, terá muito para explicar no Supremo, nomeadamente porque tinha escondido numa arrecadação do apartamento 10 mil euros em notas de 500.