Já ouviu falar da Quinas? Vem aí um crowdfunding para seguir os passos da tartaruga mais famosa deste verão
Ferida e emaranhada em cabos de pesca, foi avistada na Meia Praia, em Lagos, e horas depois salva pela Polícia Marítima. Juntou-se à beira-mar um grupo de gente para ajudar a puxar 300kg de tartaruga para terra. Agora está em reabilitação no Zoomarine, mas os portugueses já não a querem perder de vista. Quinas tem movido mundos e fundos. O próximo passo, antes do regresso ao mar, é juntar 15 mil euros para comprar um aparelho de localização por satélite. A angariação de fundos arranca na próxima segunda-feira, dia 8 de julho
Rúben Tiago Pereira
Tudo o que precisa saber sobre esta tartaruga-de-couro:
20 de junho de 2019 Uma tartaruga marinha é avistada por pessoas na Meia Praia, em Lagos (Algarve)
Salvamento Foi resgatada nas 3h seguintes pela Polícia Marítima e levada até à praia, onde várias pessoas ajudaram a arrastá-la, até chegar a equipa do Zoomarine. Na altura ainda não se sabia, mas esta tartaruga pesa 300 kg
Reabilitação Ainda no mesmo dia foi transportada por uma equipa de biólogos e veterinários para o Porto d’Abrigo do Zoomarine, em Albufeira, aquele que foi o primeiro Centro de Reabilitação de Espécies Marinhas a ser criado em Portugal em 2002
Bilhete de identidade É macho e faz parte da maior das espécies das tartarugas. Esta tartaruga-de-couro tem cerca de 10 anos, 1,5m de comprimento e 300 quilos. Vinha traumatizado e com ferimentos causados quer pelos cabos de pesca em que se emaranhou, quer pelo próprio manuseamento. Está neste momento a tentar ser despistada a possibilidade de infecções causadas quer pelos ferimentos, quer pela inalação de água
Presente Foi transportada para um tanque maior. Comer ainda continua a ser um desafio, mas o estado clínico está estável, pelo que começa a ser despistada a possibilidade de infeção. O nome foi decidido numa votação online nas redes sociais. Entre Quasimodo, Quimero e Quinoa, ganhou o Quinas, mas sem maioria absoluta, com 35,7% dos votos
Próximos passos O futuro passa pelo regresso à vida selvagem, que será feito assim que o Quinas estiver clinicamente capaz. Também está a ser planeada uma angariação de fundos online para se comprar um aparelho de GPS e tempo de satélite para colocar no Quinas, a fim de seguir o percurso dele e estudar a sua evolução
Reveja o momento em que várias pessoas ajudaram a trazer Quinas até à costa:
“Mãos ao Mar”
Era apenas mais uma ida ao Zoomarine para a jornalista Daniela Ferreira, a assessora Paula Nunes e o informático Pedro Ávila, lisboetas de visita ao parque aquático. Naquela tarde, porém, o ambiente na Guia, em Albufeira, estava diferente. Tinha acabado de chegar uma tartaruga de 300 quilos resgatada da Meia Praia, em Lagos, onde havia passado horas a lutar contra uma arte de pesca errante.
“Havia muita gente interessada, a perguntar como podia ajudar. Era um ambiente incrível de cooperação e aprendizagem”, afirma Daniela Ferreira ao Expresso. O sentimento era de incitação e o momento impeliu-os a agir. Foi então que surgiu a ideia de angariar fundos para instalar um GPS na tartaruga antes de ser devolvida ao mar.
Depois de várias reportagens feitas na área do ambiente, Daniela conhecia bem Élio Vicente, director do Porto d’Abrigo do Zoomarine. Fez-se luz e a instituição apadrinhou imediatamente a iniciativa. A angariação de fundos online chama-se “Mãos ao Mar” e vai estar disponível na plataforma www.ppl.pt a partir de segunda-feira, dia 8 de julho.
“O nosso objectivo é pedir a 15mil portugueses que deem um euro”, explica Daniela. “A plataforma PPL é o ideal porque é portuguesa e, se não conseguirmos reunir a quantia anunciada ou se a tartaruga não sobreviver, o dinheiro volta automaticamente ao doador”.
A angariação de fundos tem como objectivo a compra de um aparelho GPS e tempo de satélite - este último é, aliás, a parte mais cara.
Não é a primeira vez que isto acontece com uma tartaruga marinha. Em 2009, o Zoomarine levou a cabo a operação Regresso Adiado, onde libertou 3 tartarugas com aparelhos localizadores. Duas delas tinham vivido 30 anos em aquários, a outra havia sido confiscada no aeroporto de Lisboa, dentro de uma mochila. Durante 3 anos, estas tartarugas emitiram informação que foi registada pela plataforma internacional Seaturtle e ainda hoje está disponível. Os dados resultaram em conhecimento científico. Se tiver interesse, pode consultar aqui o artigo escrito a partir da informação gerada pelos 3 animais (nota: está em inglês).
Para o biólogo Élio Vicente, que tem como responsabilidade coordenar os esforços para reabilitar o dito quelónio, não há dúvida de que este será um contributo em nome da ciência. “Sabe-se muito pouco sobre estes animais e é uma espécie vulnerável”, explica o biólogo ao Expresso. “Só há 7 espécies de tartarugas marinhas no mundo e esta é a maior de todas”. Uma tartaruga-de-couro adulta pode ultrapassar os 900 quilos, os 2,20m de comprimento de carapaça e os 2,80m de envergadura das barbatanas peitorais. São répteis que nunca param de crescer durante a sua vida.
Élio Vicente continua: “este GPS é importante por dois motivos: 1) permite-nos voltar a resgatar este animal traumatizado caso ele não se adapte ao seu habitat e 2) podemos analisar a rota, a temperatura da água, a profundidade, a velocidade das correntes e, a partir daí, extrapolar. Por exemplo, podemos perceber, através da localização, se o Quinas está a passar muito tempo em águas de pouco alimento".
A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) considera estes animais vulneráveis, porque a população está a decrescer. Há várias causas, mas o aquecimento global e a actividade humana são as principais. Ou morrem asfixiados em artes de pesca, como quase aconteceu com o Quinas, ou ingerem plásticos que lhes enganam o apetite, ou são contaminados com pesticidas e insecticidas, ou são atropelados por embarcações quando vêm à superfície apanhar sol e respirar. Para Élio Vicente, importa “estudá-los agora, enquanto ainda podemos”.
“O Zoomarine dá a cara, mas o esforço é de todos”
Esta tartaruga não é de ninguém e é de todos. Está à guarda do Estado português, que tem um protocolo com o Porto d’Abrigo do Zoomarine. Toda a gente tem ajudado, o que leva Élio Vicente a declarar-se emocionado com o interesse e o esforço colectivo que se fizeram sentir nas últimas semanas.
O esforço a que o biólogo se refere é das pessoas que avistaram o animal a partir da praia. É da Polícia Marítima, que deu início ao seu resgate. É de todos os que, já na praia, ajudaram a tirar a tartaruga da água, em posição de peso-morto, um peso-vivo com 300 quilos. É também o esforço da equipa de veterinários e biólogos que atenderam à chamada com urgência e estão agora a reabilitar o animal. De Pedro Patacas e do mestre Anselmo, os pescadores do Barreiro e do Guadiana que se voluntariaram para pescar as quantidades necessárias de medusas. Do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), que, através do programa GelAvista, tem enviado, todas as manhãs, relatórios pormenorizados sobre o avistamento de medusas em toda a costa portuguesa. E dos três lisboetas que vão agora tentar angariar fundos para o aparelho de GPS.
Élio Vicente termina: “este esforço é coletivo e vai muito para além da recuperação clínica desta tartaruga. Pode contribuir muito para a forma como lidamos com estes animais daqui para a frente. Quem salva esta tartaruga tem a mentalidade necessária para salvar qualquer animal”.
Reportagem da SIC Notícias no dia 28 de junho no Zoomarine.