Sociedade

Ora Eça, excelência: a única escola pública no pódio do básico e do secundário

Ora Eça, excelência: a única escola pública no pódio do básico e do secundário
Rui Duarte Silva

E o êxito não se fica por aqui. Reportagem na Póvoa de Varzim

Um escadote é carregado pelo franzino senhor José. É premente trocar a lâmpada de um dos antigos candeeiros exteriores, para fazer sobressair o ferro matizado de verde dos portões abertos ao saber. Tarefa concluída. Faz-se luz na Escola Secundária Eça de Queirós (ESEQ), onde José Mateus trabalha como porteiro há 14 anos.

É ele quem recebe os alunos — com um sorriso escondido sob o bigodinho aparado — , à entrada do liceu, vizinho do Tribunal da Póvoa de Varzim, onde 102 professores decidem o futuro de 1180 adolescentes do concelho e municípios limítrofes. Bastante eclética e sem ser “chique a valer”, como diria o queirosiano Dâmaso, a ESEQ preserva um ramalhete de sucesso e prestígio.

A 500 metros, mas muito distante no ranking, encontra-se quase cem posições abaixo a concorrente Escola Secundária Rocha Peixoto, mais vocacionada para o ensino profissional e com 34% de alunos carenciados. A ESEQ, que acolhe 28,6% de estudantes beneficiários de ação social, assume-se como o caminho a seguir para a universidade. “Há poucas pessoas que não tenham na família pais, avós, bisavós ou trisavós com um passado na Eça. Isso pesa na escolha”, defende o diretor José Eduardo Lemos sobre a “rivalidade sadia” que “alarga o leque de opções”.

A fachada, construída em 1952, indicia o classicismo e a tradição estendidos nos longos corredores. O som estridente da campainha dá o toque de saída, ouve-se o barulho das cadeiras arrastadas nas salas de aula, enquanto as paredes guardam silenciosamente uma história iniciada em 1904, com o Liceu Nacional da Póvoa.

Mais de um século depois, o sucesso da Eça de Queirós salta à vista nos rankings. É a única escola pública a conseguir um lugar no pódio das classificações dos exames, conseguindo o terceiro melhor desempenho a nível nacional, tanto no ensino básico como no secundário. E o êxito não se fica por aqui. O único curso profissional oferecido no estabelecimento — Multimédia — conta com uma taxa de conclusão de 100%. O sumário? Ora Eça, excelência.

Rui Duarte Silva

“Alunos com pinta”

A aula é de Filosofia. “Stôr, o que sai no teste?” A turma do 11º ano do curso de Ciências e Tecnologias está ansiosa. De pé, do alto do estrado com soalho de madeira, o professor Fernando Souto esclarece as dúvidas, num tom apaziguador, perante 25 jovens a sorver os ensinamentos de um homem que há 30 anos faz parte da mobília. “Milagres não há, é tudo fruto do trabalho”, assevera, ao Expresso, o docente. Fernando não se limita a ensinar a matéria. Quer ensiná-los a ser cidadãos. “Não podemos preparar os alunos apenas para os exames. Devemos prepará-los para a vida”, explica o professor, ouvido atentamente por Filipa Figueiredo e Gabriela Correia, as amigas geniais, de 16 anos, assíduas no quadro de honra.

São colegas de turma desde o 7º ano, quando iniciaram o percurso escolar na Eça de Queirós. Sonham seguir Medicina. Filipa “vai sempre bem preparada para os testes” para sustentar o peso da média de 19,5, enquanto Gabriela estuda “muitas horas em casa” para manter os 18,5 valores. “Quando digo a alguém que sou aluna da ESEQ, as pessoas reconhecem o prestígio”, conta Gabriela Correia. Os estudantes com menor aproveitamento não ficam sem apoio, pois a escola disponibiliza aulas suplementares aos primeiros sinais de dificuldade.

Da sala de aula somos levados ao gabinete do diretor. É uma conversa em privado, para uma lição disciplinar. “São alunos com pinta” e “não podem ser baldas”, avisa Eduardo Lemos. “Somos exigentes para que estudem, trabalhem e se preparem para os exames”, afirma o ‘dinossauro’, que lidera a direção da escola desde 1994. O momento é de celebração, mas o diretor não gosta de foguetes. “Não queremos ter salas muito bonitas, pufes... Isso é conversa fiada! A flexibilidade curricular é zero, porque preferimos a solidez. A base é a disciplina”, explica Eduardo Lemos, desvalorizando as novas tendências do ensino, que apostam na criação de espaços e métodos alternativos. “A Eça de Queirós é como uma parede robusta em que cada um é um tijolo”, diz. Firme, a valer.

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