Sociedade

Estudantes de música brilham em todas as notas

Escola de Música Calouste Gulbenkian de Braga
Escola de Música Calouste Gulbenkian de Braga
Rui Duarte Silva

Das sete escolas de ensino artístico, seis estão no top 50 das médias mais altas nos exames nacionais do 9º ano

Estudantes de  música brilham em todas as notas

Isabel Leiria

Jornalista

Estudantes de  música brilham em todas as notas

Rui Duarte Silva

Fotojornalista

A resposta pode parecer estranha num primeiro momento: “Se me pergunta se fiquei muito, muito satisfeita (por ter os melhores resultados nos exames nacionais do 9º ano entre as escolas públicas), não posso dizer que sim. Até cheguei a questionar se a escola tinha cumprido o seu papel”, diz Ana Caldeira, diretora do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga.

A explicação surge a seguir: “Somos uma escola do ensino artístico de música. Mas os alunos que terminaram o ensino básico no ano passado saíram tão bem preparados em termos académicos, tiveram notas tão altas, que muitos pais preferiram que mudassem para o ensino secundário regular para depois irem para as medicinas e para as engenharias. Só ficaram oito na escola”, lamenta a diretora, não escondendo a “frustração” pelo facto de a maioria dos alunos não terem ficado “entusiasmados o suficiente para continuar o seu percurso na música”.

Coincidência ou não, entre os estabelecimentos privados foi também numa escola do ensino artístico que se registaram as notas mais altas nas provas nacionais do 9º ano: na Academia de Música Santa Cecília, em Lisboa, cerca de meia centena de alunos chegaram quase aos 90% de média nos exames de Português e de Matemática. E no topo do ranking do Expresso (que ordena as escolas onde se realizaram 50 ou mais provas) outras se seguem.

Em sete escolas do ensino artístico — onde, além do currículo regular, os alunos têm formação musical ou, em alguns casos, da dança — seis estão entre os primeiros 50 lugares num conjunto nacional de 1053 estabelecimentos de ensino. A outra escola está na 123ª posição.

“É muito óbvio para nós que os alunos que estudam música no âmbito dos cursos de ensino artístico especializado desenvolvem competências que são extremamente benéficas para as outras aprendizagens”, reconhece Rui Paiva, da direção da Academia de Música de Santa Cecília. Capacidade de concentração e de raciocínio são duas delas. E que fazem com que muitas vezes os alunos no topo da avaliação académica sejam também os que se destacam na componente musical e até no desporto.

Uma grande família

Luísa Coelho, da direção da Academia de Música de Vilar do Paraíso, em Gaia, confirma a avaliação, que é relatada pelos próprios jovens. “Na semana passada vieram cá antigos alunos e, apesar de não terem seguido o ensino artístico, foram eles que falaram sobre os benefícios de terem tido uma formação artística”, conta. “Com as horas a mais que têm no currículo, o treino do instrumento que tocam e os ensaios para os concertos, são obrigados desde muito cedo a ganhar uma capacidade de organização e de trabalho adicional em relação aos outros colegas.”

Além da concentração, da memorização e da criatividade há também o trabalho em equipa — nas orquestras ou nas performances de dança — que os leva a “respeitar o outro e a perceber que se um falhar compromete o trabalho de todos”, acrescenta a diretora.

“O nosso objetivo é formar músicos. Mas sabemos que uma das consequências deste ensino é o desenvolvimento de competências que vão ajudar noutras áreas. Este efeito está estudado e provado”, comenta, por seu turno, Jorge Campos, diretor pedagógico da Escola de Música de São Teotónio, em Coimbra. “Em cima de um palco não há possibilidade de erro. E essa noção de que há um tempo de mecanização, de assimilação e que é preciso esforço para se atingir um resultado dá-lhes uma persistência que é benéfica nas outras disciplinas”, exemplifica.

Os pais reconhecem-no e, em muitos casos, mais do que a aptidão artística ou um eventual talento detetado nas suas crianças, confiam que a escola garanta o sucesso académico que permitirá mais tarde ter todas as escolhas à disposição.

Não se estranha pois que o Conservatório Calouste Gulbenkian de Braga, que oferece o ensino integrado de música desde o 1º ciclo do básico e que se tem distinguido nos rankings das notas mais altas — 3º lugar entre as públicas em 2016, 2º em 2017 e 1º em 2018 — seja uma das escolas mais procuradas da região. “São 300 ou mais candidatos para 48 vagas que abrimos nas duas turmas do 1º ano”, descreve a diretora.

Como escola do ensino artístico, as regras de seleção dos alunos são diferentes das escolas públicas. Nestes casos, são os testes de aptidão musical (melódicos, rítmicos e tonais) que determinam ou não a entrada das crianças. E a pressão pode ser intensa, reconhece Ana Caldeira. “Eles vêm por três vezes à escola e nota-se que às vezes estão muito nervosos. Outros não. Depende da pressão que a família exerce em casa.”

Por incapacidade de crescer mais ou por opção, a dimensão relativamente pequena é outra das características que estas escolas têm em comum e que ajuda aos bons resultados, referem todos os diretores. “Toda a gente se conhece e isso ajuda. É como se fosse uma grande família”, descreve Rui Paiva, da Academia de Santa Cecília.

“É uma realidade muito diferente da dos mega-agrupamentos que o Ministério criou, ao mesmo tempo que diz que quer combater o insucesso. Isso não ajuda. Aqui, os professores conseguem detetar qualquer dificuldade ou problema pelo qual o aluno possa estar a passar. Um aluno que se queira desviar não tem hipótese. Não temos abandono, absentismo, nem me lembro de alunos a ficarem retidos no 1º ou 2º ciclo. Se algum chumbou no 9º foi uma situação excecional”, reforça Ana Caldeira.

O conservatório de Braga é frequentado por 600 alunos, do 1º ao 12º, quando há escolas que têm perto desse número de estudantes apenas no 10º ano. Ainda assim, o tamanho não será condição essencial para o sucesso. No segundo e terceiro lugar do ranking do 9º ano surgem os colégios Nossa Senhora do Rosário (Porto) e D. Diogo de Sousa (Braga), cada um com cerca de 1500 alunos.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ILeiria@expresso.impresa.pt

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