O especialista em engenharia de estruturas admite que a queda da ponte de Génova tenha tido origem na falta de manutenção e na tecnologia usada na sua construção em 1969, que a torna muito vulnerável: basta partir-se um tirante para um dos três blocos (torres) da ponte desabar.
O que aconteceu em Génova?
A esta distância é muito difícil dizer. A ponte Morandi tem três blocos (torres) que a sustentavam e o maior caiu. Foi construída em 1969 e cada bloco só tinha um único tirante (cabo em tração) para cada lado. Esta estrutura é, assim, muito pouco redundante: se falha um dos elementos cai tudo. Basta que se parta um tirante para cada bloco se desequilibrar e desabar. Por isso estas pontes evoluíram para pontes do tipo da Vasco da Gama, em que há uma série de tirantes. Se rebentar um, a ponte não cai, os outros aguentam a estrutura.
Foi isso que percebeu nas imagens?
Quando vi tudo a cair de repente, pensei logo que, quase de certeza, foi um problema num dos tirantes. Mas é muito estranho que numa comunicação sobre os trabalhos de manutenção da ponte de Génova realizados em 2000, apresentada por um investigador do Departamento de Engenharia de Estruturas do Politécnico de Milão numa conferência em 2010, seja referido que não foi feita qualquer intervenção no bloco nº 9 da ponte — precisamente o que caiu — porque os seus tirantes estavam menos degradados do que os dos outros blocos. Para mim, houve claramente um problema de corrosão que não foi travado por falta de manutenção.
Como podemos ter a certeza de que uma ponte é segura?
As pontes são feitas para cair se não se fizer manutenção. No fundo, não há nenhuma ponte que seja segura.
Há materiais que duram para sempre?
Todos os materiais se degradam devido à ação do ambiente. Quando as pontes começaram a ser feitas em ferro, no século XIX, os técnicos perceberam que o ferro tinha corrosão, oxidava em contacto com o ar. Por isso surgiram sistemas de manutenção.
E o betão armado?
Apareceu no final do século XIX. É uma pedra artificial que tem aço lá dentro. Quando surgiu, os cientistas diziam que era um material ideal, porque o problema da corrosão do aço ficava resolvido: estando dentro do betão não ficava em contacto com o ar. Infelizmente os cientistas enganaram-se. Os problemas surgiram nos anos 70/80 do século XX, cerca de 50 anos depois do seu uso se generalizar. Quando a ponte de Génova foi feita (1969), penso que ainda não se conhecia este fenómeno.
Como é que o betão se degrada?
Há dois grandes fenómenos. O primeiro é a carbonatação. Quando é fabricado, o betão tem um pH básico, mas em contacto com o dióxido de carbono (CO2) ambiental e com a humidade vai-se transformando de básico em pH ácido e gera uma frente que vai avançando pelo betão dentro. E quando esta frente ácida chega aos ferros, estes começam a corroer. O outro fenómeno está relacionado com os cloretos, nomeadamente o sal marítimo, e é por isso que as estruturas de betão armado junto ao mar se degradam mais. O sal vai entrando pelos poros do betão e quando atinge o aço este começa a corroer e pode levar ao colapso das estruturas. Nos anos 70/80 do século passado, de repente surgiram estruturas degradadas por todo o lado. Mas a partir do momento em que o aço está corroído só há uma solução: substituí-lo por betão armado novo.
O que se passa em Portugal?
No Porto, a Ponte da Arrábida, por exemplo, construída nos anos 60, já foi toda reabilitada. A partir do desastre de Entre-os-Rios em 2001 tudo mudou em termos de manutenção e inspeção, tudo ficou mais rigoroso. O mais avançado foi feito na Ponte Vasco da Gama, em Lisboa (1998). Integrei a equipa que fez todo o lançamento do concurso para a sua construção e impusemos uma vida útil de 120 anos. Isto significa que aquela frente de degradação que vai avançando no betão não pode chegar ao aço em 120 anos. Isto obrigou a estudar betões especiais e um conjunto de medidas para evitar a corrosão, incluindo obras de manutenção.
A legislação também mudou?
Sim. As pontes eram projetadas para uma vida útil de 50 anos. Mas estes 50 anos não tinham que ver com a degradação dos materiais mas com outra questão. Quando se projeta uma ponte tem de se prever para essa vida útil as ações que vão ocorrer, ou seja, tem de estar preparada para resistir a um sismo de grande magnitude, ao vento mais forte, etc. Este era o conceito de segurança quando ainda não eram conhecidos os problemas do betão armado. Quando foram descobertos, criou-se uma nova legislação, uma norma europeia que define um conjunto de regras para garantir os 50 anos de vida útil. Isto significa que projetar uma ponte para 50 anos é ela estar preparada não só para suportar os sismos, os ventos, etc., mas também para não ter corrosão durante esses 50 anos.
FERNANDO BRANCO
Professor catedrático do Departamento de Engenharia Civil do Instituto Superior Técnico, onde dirige a Secção de Construção, é presidente da IABSE-International Association for Bridge and Structural Engineering (Zurique), a mais antiga associação científica mundial de engenharia de estruturas, onde participam 100 países
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