Tabaco aquecido preocupa especialistas
Mais de 100 mil portugueses já ‘fumam’ tabaco aquecido. Peritos alertam para riscos deste produto
Mais de 100 mil portugueses já ‘fumam’ tabaco aquecido. Peritos alertam para riscos deste produto
Jornalista
O uso de tabaco aquecido e de cigarros eletrónicos está a alarmar os médicos portugueses. Depois do boom dos cigarros eletrónicos entre 2013 e 2014, aumenta em Portugal o consumo de tabaco aquecido. Mais de 100 mil portugueses já ‘fumam’ IQOS — dispositivo de tabaco aquecido — comercializado desde 2016 pela Tabaqueira, subsidiária da Philip Morris em Portugal. Em média, cerca de 200 fumadores portugueses optam diariamente por este produto. Em todo o mundo, esse número ultrapassa já os cinco milhões, segundo dados da empresa.
Estudos elaborados pela Philip Morris referem que esta alternativa sem fumo e sem cinza assenta na redução de 90% a 95% da exposição aos constituintes nocivos e potencialmente nocivos do cigarro tradicional que resultam da combustão. Avaliações externas feitas na Holanda (pelo RIVM), na Alemanha (pelo BfR) e no Reino Unido (pelo COT), entre outros, também confirmam os dados da indústria. Mas as opiniões dividem-se. Alguns especialistas defendem que os cigarros eletrónicos e o tabaco aquecido são alternativas potencialmente menos nocivas e podem ajudar a deixar o tabaco tradicional. Outros insistem que estes produtos são prejudiciais, causam dependência e podem atrair mais jovens.
Estratégia para reduzir risco
Para Hayden McRobbie, diretor clínico do Dragon Institute for Innovation (NZ) e professor da Queen Mary University of London, apesar de as novas alternativas ao tabaco não serem inócuas, as autoridades devem incentivar o uso de cigarros eletrónicos em detrimento dos cigarros tradicionais. “Se acertarmos isso, diminuiremos a probabilidade de as futuras gerações de crianças se tornarem dependentes de cigarros tradicionais, permitiremos que mais fumadores viciados parem e que os adultos consumam nicotina através de produtos menos nocivos”, defendeu o especialista na E-cigarette Summit, que decorreu no mês passado em Washington. Também Clive Bates, antigo consultor da ONU e atual diretor da Counterfactual Consulting, advoga que os cigarros sem combustão apresentam menores riscos para a saúde e que o quadro regulatório dos novos produtos deve ter em conta esse aspeto. “A realidade está sempre a mudar. Não há respostas simples. Mas, por enquanto, o que sabemos é que estes produtos representam a hipótese de melhorar a saúde pública. Não devemos ficar paralisados pela incerteza”, afirmou o responsável.
Efeitos a longo prazo?
Contudo, especialistas portugueses ouvidos pelo Expresso defendem que este tipo de produtos não são inócuos, nem se podem antever os seus efeitos a longo prazo. “Uma vez que há uma grande incerteza em relação aos efeitos a longo prazo do cigarro eletrónico e do tabaco aquecido, a legislação deve ser absolutamente restritiva e semelhante à do cigarro tradicional”, declara o médico Ricardo Fontes Carvalho, da Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC). O tabaco é diretamente responsável por 30% de todas as mortes por doença cardiovascular, sendo o fator de risco que, isoladamente, mais contribui para a mortalidade cardiovascular. Só em 2016, mais de 11.800 pessoas morreram em Portugal por doenças relacionadas com o tabaco. Embora existam alguns estudos a sugerir que o tabaco aquecido e os cigarros eletrónicos são potencialmente menos nocivos, os resultados disponíveis relativos ao sistema respiratório referem-se também apenas ao curto prazo. “As evidências sobre os malefícios do tabaco demoram décadas a ser demonstradas, porque muitos deles se instalam de forma lenta. Sabemos de alguns aspetos, como o alívio imediato da tosse ou a redução do cansaço, mas desconhecemos ainda se continua o risco da doença cardiovascular, doença pulmonar obstrutiva crónica [DPOC], e menos ainda se reduz ou não o risco de cancro”, alerta Paula Rosa, médica pneumologista e representante da comissão de trabalho da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.
O ceticismo relativo à indústria surge após terem sido ignorados durante décadas os efeitos nocivos dos cigarros. Se por um lado as tabaqueiras tentam adaptar-se às novas tendências, por outro os médicos e reguladores alertam para as estratégias de lobbying e para os interesses económicos associados ao sector. “À luz da evidência científica atual, o que vários estudos demonstram é que a mediação dos derivados de aerossol e/ou dos metabolitos dos cigarros eletrónicos e do tabaco aquecido encontrou substâncias tóxicas, irritantes e/ou cancerígenas”, afirma a médica pneumologista Sofia Ravara, coordenadora da Unidade de Cessação Tabágica do Hospital Universitário da Covilhã e membro da Federação Portuguesa do Pulmão. Segundo esta especialista, as tentativas anteriores do sector para desenvolver produtos potencialmente menos tóxicos não só falharam como aumentaram a sua toxicidade. Questionada sobre a estratégia de redução de risco em controlo de tabaco, Sofia Ravara explica que terá “consequências muito diferentes em países pioneiros” como os EUA e o Reino Unido, que têm reduzido a prevalência de tabagismo ao longo do tempo de uma forma consistente — em cerca de 50% —, “do que em Portugal, que nunca seguiu uma política abrangente e eficaz em termos de controlo de tabaco, e como tal nem o consumo de tabaco nem a exposição ao fumo de tabaco na população estão controlados”.
PMI quer futuro sem fumo
No Cubo, o centro de inovação da Philip Morris International (PMI) em Neuchâtel (Suíça), trabalham mais de 400 especialistas que desenvolvem novos produtos com vista a um futuro sem fumo. Ignacio Gonzalez Suarez, cientista e gestor do Programa de Verificação Externa da PMI, admite que existem dúvidas sobre os estudos realizados pela empresa, mas garante: “Nós não estamos aqui a falsificar dados. E a prova disso é que estamos abertos à verificação externa.” No futuro, a PMI diz que quer continuar a desenvolver produtos de risco reduzido e conseguir que 40 milhões de fumadores adotem melhores alternativas até daqui a sete anos. Desde 2008, a PMI já investiu mais de 3 mil milhões de euros em investigação e desenvolvimento de produto.
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