Um filme sobre a saudade para nos proibir de dizer a palavra saudade
Uma das figuras mais importantes da vida portuguesa, aquela que mais terá pensado sobre a identidade nacional, fez 95 anos esta quarta-feira. Eduardo Lourenço, o homem que atravessa a vida interrogando-se e interrogando a nossa alma. Um documentário de Miguel Gonçalves Mendes homenageia-o. Também nos questiona enquanto portugueses. O filme estreia nos cinemas esta quinta-feira
“O Labirinto da Saudade” é um livro. A partir de agora é também um filme. Um documentário, ou ensaio documental que procura levar a todos o pensamento de uma das mais importantes figuras da vida portuguesa ou o pensamento que ele expressou num livro que percorre a história portuguesa e alguns dos seus traumas. Um filme feito em jeito de celebração, tributo, despedida, onde o homenageado, Eduardo Lourenço, se vê rodeado de amigos que partiram, de amigos que ainda o rodeiam.
Entrar na cabeça de alguém é tarefa impossível, mas Miguel Gonçalves Mendes desafia-se. “O Labirinto da Saudade” segue, por isso, o caminho mental de um homem que nunca deixou de colocar questões, de investigar, de estudar, de pensar. Do homem que, como diz o realizador, “sendo genial tem humildade e inteligência de não se afirmar como tal”.
Numa missão que o próprio realizador considera alucinada (13 dias de rodagem) e que contraria trabalhos anteriores – como aqueles em que fez retratos intimistas de Mário Cesariny ou de José Saramago e Pilar Del Río –, Miguel Gonçalves Mendes opta por construir um labirinto: “Pela primeira vez faço um argumento totalmente fechado. Nos outros filmes tinha um esqueleto de argumento, sabia para onde queria ir, mas tinha abertura total”. Aqui Miguel Gonçalves Mendes tem um plano a cumprir: “O filme é a adaptação do livro, mas não é um retrato. Uma série de pessoas que conceberam a nossa ideia de Portugal está a desaparecer. Pessoas que nós admirávamos e admiramos. Tento, por isso, cristalizar algumas figuras icónicas da nossa portugalidade, como Siza Vieira, Lídia Jorge, Gonçalo M. Tavares, José Carlos de Vasconcelos, Ricardo Araújo Pereira e incorporar novas pessoas, como é o caso de Tiago Marques, investigador da mente humana, e do astrofísico José Afonso”.
Miguel Gonçalves Mendes não se limita a respeitar o pensamento de Eduardo Lourenço. Acrescenta-lhe algumas provocações. Quer discutir a escravatura, o Brasil, a Europa, a tristeza ou a alegria dos portugueses. Reúne os presidentes da República vivos, como Ramalho Eanes e Jorge Sampaio, deixando uma cadeira vazia para Mário Soares. Mas elimina deliberadamente da história aquele de quem não gosta: Cavaco Silva. “Importa-me saber quem somos hoje. Quero pensar na nossa história mas também naquilo que nós queremos ser, no que queremos ser a partir de agora. Na minha opinião sempre fomos geridos por uma elite medíocre que nunca procurou o bem comum, nunca se preocupou em investir no país, nunca procurou nivelar o país por cima.”
Filosofia para todos
Foto António Pedro Ferreira
O filme não é para uma geração mais velha “se deleitar com Eduardo Lourenço”. Com uma linguagem que quer tornar a filosofia em algo tangível, Miguel Gonçalves Mendes filma para a gerações futuras. E é por isso que não gosta da palavra saudade fora do contexto lírico. A saudade impede-nos de agir. “Lido muito mal com a palavra saudade. É muito bonita para a literatura, para a filosofia. Mas a saudade devia ser uma palavra proibida no nosso dia a dia, porque ela é uma força de bloqueio. Está sempre a reter-nos nas glórias passadas, a fazer-nos acreditar que a nossa vida era melhor. Pouco importa o anterior, o que importa é o que vamos fazer a seguir. Em Portugal há pessoas que criticam tudo e todos, que vivem da destruição permanente do outro, mas é verdade é que não fazem nada. Prefiro falhar, ou que alguém falhe, mas que tente fazer e era isso que eu gostava que mudasse.”