Os negócios à beira da estrada na Guiné-Conacri são o sustento de muitas família
José Santos/DR
José trabalha na maior fábrica de plásticos de Conacri, para a qual vai a pé todas as manhãs. Vive na Guiné há nove anos, mas este não foi por aqui que começou a sua “permanência em África”. Agora vive entre os negócios à beira da estrada, que são o sustento de muitas famílias, o trânsito caótico das grandes cidades e a tranquilidade do interior. A história de José Santos é a primeira da nova série “Em pequeno número”, que o Expresso começou a publicar há dois anos e que relata a vida dos portugueses que vivem em regiões onde quase não os há
Fez nove anos em julho passado que José Santos, de 60 anos, chegou à Guiné, o país africano das “bonitas cascatas a cair nos rios” mas com “muito lixo pelas ruas e valas situadas na berma das estradas”, como o descreve. Foi neste país de contrastes – de bonitas paisagens mas muita pobreza – que encontrou melhores condições de trabalho e um melhor salário.
É numa das cinco regiões de Conacri, a capital, que José Santos vive com a família. Tem uma casa em Matoto, “cheia de árvores”, com bananas, papaias, mangas, cocos e algodão. Todos os dias vai de casa ao trabalho a pé, num caminho que lhe leva dez minutos por estradas com “muitos buracos para tão pouco alcatrão”.
Atualmente é diretor de uma grande fábrica de plásticos de Conacri, a Topaz Multi Industries, onde todos os dias são transformados 75 toneladas de plástico. O trabalho e a responsabilidade que tem tomam-lhe a maior parte do tempo, resume. Entra pelas 7h30 da manhã na fábrica e sai 12 horas depois, seis dias por semana.
As barracas de madeira, onde se fazem os negócios na Guiné
José Santos/DR
José Santos é um dos quatro cidadãos portugueses residentes na Guiné Conacri e com inscrição nos serviços consulares portugueses, segundo a secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. O país tem mais de 12 milhões de habitantes e cerca de 60% da população jovem em idade ativa está desempregada, de acordo com os dados do World Fact Book.
“A maioria das pessoas faz o seu pequeno negócio à beira da estrada a vender tudo o que possa render um pouco de dinheiro para sobreviver”, descreve o português. E é nas estradas que também se veem crianças a vender cotonetes, plásticos, água fresca em sacos ou bolachas.
A permanência em África
A chegada de José Santos à Guiné Conacri não marca a sua primeira experiência a viver fora de Portugal. Em 1998 foi convidado para trabalhar no Senegal, onde viveu durante dez anos e ganhou experiência como técnico de máquinas de injeção de plástico e de sopro. “Foi o princípio de uma permanência em África”, resume. Antes disso tinha apenas participado em trabalhos de curta duração – entre uma semana a um mês – em países como Costa de Marfim, Moçambique, Mauritânia e Guatemala.
Agora, nos tempos livres, sobretudo ao sábado à noite e ao domingo, reúne-se com os amigos, também eles portugueses. Conhece apenas seis: dois deles abriram uma empresa de construção civil e uma discoteca, os outros dividem-se entre a construção civil e a indústria do plástico. “Como a comunidade portuguesa é pequena, de vez em quando aos sábados ou domingos fazemos um jantar ou almoço em conjunto, onde temos música portuguesa para ouvir e também para cantar em karaoke”.
José conta que apesar da pobreza que se vive no país, os guineenses não deixam a diversão de lado. Aos fins-de-semana costumam fazer eventos em família com música e danças tradicionais.
José Santos junto a uma cascata no país
José Santos/DR
A pobreza e a comida à beira da estrada
Nos centros das grandes cidades como Conacri, onde vivem cerca de dois milhões de pessoas, é comum haver grandes engarrafamentos. Um dia, conta José Santos, passou mais de cinco horas para percorrer três quilómetros. Ainda assim, os transportes parecem ser poucos para tanta população: os táxis de cinco lugares normalmente levam sete pessoas incluindo o motorista, os autocarros estão sempre muito cheios e os comboios – usados para fazer viagens de longas distâncias – levam pessoas “até no exterior e por cima das carruagens”.
No interior do país, o trânsito caótico dá lugar à tranquilidade onde é possível ver animais selvagens como macacos, gazelas, cobras ‘píton’ e ainda agutis, animais roedores que as mulheres preparam em tachos de alumínio e vendem na beira da estrada aos viajantes.
A pobreza da Guiné Conacri não deixa José indiferente. As barracas “feitas de madeira e latas de bidons” são as casas de muitas famílias guineenses. Falta luz, água e a formação escolar “é má”. José Santos conta que num país onde “o gás é um luxo”, as famílias usam carvão para fazer os seus cozinhados em “grandes panelas de alumínio fundido”, que elas próprias fabricam.
Pela manhã, a maioria dos guineenses come à beira da estrada. “As mulheres cozinham na rua numa espécie de barraca um prato de arroz com um molho à base de cebola e pimento picante com um pouco de peixe fumado. Outros comem em casa uma caneca de café com leite condensado e pão com manteiga”.
O prato típico guineense, o 'Thiebou Dieunn'
José Santos/DR
Segundo dados do World Fact Book, a população guineense divide-se entre várias etnias, como a Peul (32%), a Malinké (30%) e a Susu (20%). E José Santos quando olha para a cultura tradicional dos guineenses destaca os “trajos garridos com desenhos africanos e as estatuetas em madeira”.
Há hábitos sem os quais José Santos agora já não passaria. A boa temperatura do país que lhe permite ir à piscina em dezembro é um exemplo, assim como poder comer uma garoupa de um quilo ou até bacalhau no forno a lenha, que os amigos trazem quando viajam. Sobre as suas expectativas quanto ao futuro não tem dúvidas: “Penso ficar na Guiné até a saúde me permitir trabalhar, depois quero voltar a Portugal.”